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Uma das laterais da Universidade Pública de El Alto (UPEA)

Fonte: Cedida por Chuquimia. Disponível em http://elaltobolivia.blogspot.com

Pablo Mamani afirma que por conta do processo de politização da vida cotidiana está ocorrendo uma redefinição, inclusive por parte das novas gerações de jovens, pois seus pais sofreram discriminação por serem índios. Isso está mudando a visão das pessoas de El Alto e na própria forma de se (auto)identificar:

A partir de esa experiencia [de politización de la vida cotidiana], después de octubre y del cabildo que hemos visto el 20 julio (de más de 2 millones), vemos estos jóvenes, que no son una ambigüedad, en absoluto. Ellos viven su modernidad (rock, maneras de vestirse, los aretes, la internet, los celulares últimos modelos) pero eso no es sinónimo de que no tengan un espacio social en el que sin duda los abuelos, los papás los van empujando a definirse de alguna manera o ellos también se van autodefiniendo como tales (...). Yo lo que veo en estos últimos tiempos es que los hijos, muchas veces universitarios, ya más politizados, ya con la experiencia de octubre, con todas estas experiencias, les exigen a sus papás saber quienes son ellos: ¿Explíqueme cómo fue el ayllu, ¿De dónde viniste? Cuál fue la comunidad? ¿Dónde está el tío? ¿Dónde está el abuelito? Quieren escarbar la genealogía comunal de dónde vienen. Eso es una construcción social muy intensa en El Alto en este momento (...) Muchos tienen interés de aprender aymara ahora. En El Alto es impresionante, aparecieron institutos aymaras de a montón. No los había antes. (ENTREVISTA COM PABLO MAMANI PELA AUTORA, agosto de 2007).

O interesse pela (re)definição como aymara e alteño parece ser algo novo nesta cidade. Isso está afiançando as organizações de bairro. Para muitos destes jovens, ser alteño é sinônimo de orgulho, especialmente após os acontecimentos de 2003. Nos

episódios de outubro deste ano, que definitivamente deixaram uma marca importante na cidade de El Alto, os jovens tiveram um papel central junto a seus pais e avôs. Rodriguez (2004) relata que nas assembléias deste período os jovens tomaram a palavra para explicar o tema do gás, sua pretendida exportação, industrialização e a Lei de Hidrocarbonetos. Pela primeira vez os mais velhos escutaram o que eles tinham a dizer, numa assembléia de bairro.

Segundo este mesmo autor, outubro de 2003 significou um ato de batizado para muitos dos/das jovens da cidade de El Alto, um nascer de novo, uma marca imbatível em suas vidas:

Jóvenes que nacieron con la democracia, que dieron sus primeros pasos con el neoliberalismo instalado en el país (...) Jóvenes a quienes se les catalogaba como a-políticos, desinteresados, sin capacidad de movilización, estuvieron presentes en las intensas jornadas de la denominada Guerra del Gas (RODRIGUEZ, 2004, p.11).

Durante estes acontecimentos, eles se conectaram na internet, buscando informar o que estava acontecendo em El Alto e montando redes de solidariedade através deste mecanismo.

Para esta nova geração, os partidos não constituem mediadores entre o Estado e a Sociedade Civil. O Estado está ausente da vida dos jovens em El Alto e eles preferem que isso continue assim, uma vez que, quando o Estado interfere coloca travas e burocratiza processos, fechando ou tentando controlar iniciativas “informais” de sobrevivência. A política nesta cidade está, de fato, tomando uma nova forma e deixando de ser âmbito de atuação de experts e profissionais para tomar conta do cotidiano e do cultural.

Neste contexto, para os jovens, ser alteño é fruto de (re)significação.

ser alteño es casi sinónimo de ser aymara y estar de pie. Ese es el legado que le están dejando sus padres a los jóvenes: ‘Nunca de rodillas’, como dice algun abuelo o algun papá dirigente. Imáginate el recado que le están dejando los viejos a los jóvenes: ‘nosotros les hemos dejado una ciudad de pie, cuidado que mañana se arrodillen, sería grave’ (ENTREVISTA A MÁXIMO QUISBERT PELA AUTORA, agosto de 2007).

III.11 Momentos de luta: a força da articulação de bairro nas reivindicações sociais

Zibechi (2006) afirma que em plena crise da esquerda, a mobilização aymara modifica as formas de protesto social, passando de um padrão pautado na greve no local de trabalho, greve geral ou manifestações, para outro no qual a mobilização nasce nos espaços cotidianos de vida e de subsistência. Desta forma, movimenta vínculos sociais, previamente articulados.

Como vimos anteriormente, diversos autores, entre eles Luis Gómez (2004) e Pablo Mamani (2005) afirmam que a política em El Alto se faz nas ruas: é a política do poder popular e, no caso de El Alto, do poder popular indígena, fundamentalmente aymara. No começo do século XXI, aconteceu uma série de levantamentos indígenas na Bolívia que corroboraram as mudanças na forma de se fazer política e ratificaram a importância do resgate das lógicas comunais de organização.

Este país é o espaço territorial de um conjunto dinâmico de movimentos sociais indígenas com diferentes projetos, que tendem a territorializar-se em diversas regiões (MAMANI, 2005). Dentre os diversos movimentos sociais indígenas da Bolívia, os aymaras constituem o eixo articulador e irradiador dos grandes levantamentos sociais.

A) Os conflitos do ano 2000 e 2001

No mês de abril do ano 2000 a Confederação Sindical Única de Trabalhadores Campesinos de Bolívia (CSUTCB) e seu Secretário Felipe Quispe convocaram o bloqueio nacional de caminhos em protesto à Lei de Água99 e ao aumento dos preços dos combustíveis. Pela magnitude dos levantamentos, o Estado Boliviano decretou estado de sítio nacional. Segundo Patzi (2007) esse movimento já expressa o começo da aliança de classes, com uma identidade unitária, apesar das diferenças de ocupação econômica.

En esta lucha los aymaras, sin mirar las diferencias de clase, hicieron nacer el ethos comunal en distintos espacios como estrategia de combate; por eso, en primer lugar, el turno o la rotación de cada comunidad en área rural y el turno o rotación de vecinos en área urbana que se impuso como una tecnología social para la provisión de alimentos a los bloqueadores y guardias civiles, mejor conocidos como policía sindical. Hasta la salida al bloqueo por comunidades fue en forma rotativa. En segundo lugar, fueron los cabildos y

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Durante o Governo de Hugo Banzer, dentro da lógica de privatizar todos os recursos da Bolívia, elaborou-se o projeto de Lei de Águas, que estava sendo discutido no Parlamento. Essa lei incluía a privatização das vertentes e rios que por milênios foram administrados pelos próprios campesinos em forma comunitária e familiar (PATZI, 2007).

asambleas las instancias máximas de decisión en donde todos participaron más como movimiento indígena que de clase (PATZI, 2007, p.208).

Na afirmação anterior, Patzi (2007) chama de tecnologia social a forma comunatária por meio da qual se organizaram os aymaras para efetivar o bloqueio de caminhos. Na técnica de bloqueio para exercer pressão social sobre o Estado, a rotatividade por turnos é vital, uma vez que só através do revezamento por comunidades foi possível conseguir uma extensão territorial tão ampla e duradoura. Os Cabildos também constituem práticas importantes na medida em que democratizam a tomada de decisões, além de facilitar a informação e interlocução direta entre os participantes. Estes tipos de concentrações marcaram na Bolívia o início da discussão sobre o ocaso da democracia representativa e o surgimento do poder comunal. Neste último, o cabildo se apresenta como antagônico ao poder centrado nas representações.

Paralelamente a esta mobilização nacional, se produziu em El Alto um motim policial, em que os policiais reivindicaram melhores condições de vida, uma vez que este grupo também sofre discriminação salarial pelo pertencimento étnico - branco ou indígeno (PATZI, 2007). Como resultado deste levantamento, o Estado teve que aumentar os salários dos policiais em 50%.

Alguns dias antes do motim policial em El Alto, também no mês de abril do ano 2000, a Coordenadora Departamental pela Defesa de Água em Cochabamba solicitou a rescisão do contrato com Aguas de Tunari, empresa privada de distribuição de água nesta cidade100. Milhares de manifestantes desafiaram o estado de sitio nacional com uma mobilização que conseguiu tomar o centro de poder da cidade e substituir as instituições do poder executivo central pela coordenadora de água e pelas instâncias de organização comunitárias: “aquí la vigilancia civil sustituyó a la polícia y la deliberación asambleísta, al Parlamento; y la coordinadora, al poder ejectuivo. Era una franca desobediencia a las leyes del Estado” (PATZI, 2007, p.213).

Também em Achacachi aconteceram os maiores protestos dos últimos 20 anos. Patzi (2007) afirma que a revolta indígena desta cidade aconteceu em oposição aberta ao império democrático e constituiu o primeiro grito da “Nação Comunitária”.

No mês de setembro do ano 2000, um bloqueio de três semanas paralisou o país. O bloqueio de caminhos foi acompanhado do desabastecimento de produtos

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Esta empresa, constituída por capitais da empresa Transnacional Bechtel com sócios bolivianos, demandou do Estado boliviano US$ 25 milhões de dólares em função da perda da concessão de água (GUTIÉRREZ, 2003).

agrícolas às cidades. Em El Alto o bloqueio evidenciou que nesta cidade e nas ladeiras de La Paz assentou-se uma classe oprimida: migrantes indígenas marginais ao processo de urbanização. A partir dos bloqueios, a identidade e o sentido de pertencimento à classe indígena ganhou uma nova vitalidade em ambos os espaços. Os aymaras ali radicados aderiram aos bloqueios, não permitindo o ingresso de alimentos via terrestre ou aérea101. Isso também evidenciou as intensas articulações entre as famílias rurais e as que migraram às cidades, além da importância dos produtos agrícolas na sobrevivência da micro-economia informal dos migrantes urbanos em El Alto.

O movimento social indígena e campesino102 - ao qual aderiram professores, cocaleiros, gremistas, transportistas e migrantes - protestava não só contra a privatização da água, mas contra o pacote inteiro de reformas do FMI e do Banco Mundial. Diante da crise, o Governo teve que anular temporariamente a Lei de Água e colocar a Lei de Reforma Agrária (INRA) em evidência (GUTIÉRREZ, 2003). Desta vez, o bloqueio de caminhos foi convocado pelo movimento cocaleiro - cuja experiência data da década de 1980, quando da luta contra as reformas estatais que visavam acabar com o narcotráfico - na liderança de Evo Morales, atual presidente da Bolívia103.

Nas lutas contra a privatização da água foi nascendo entre os indígenas aymaras da Bolívia a consciência de criar uma nova estrutura política em função dos ayllus e da (auto)determinação das nações originárias. Patzi (2007) afirma que os bloqueios evidenciaram a potencialidade da tecnologia social coletiva, que consiste na combinação da rotatividade e obrigatoriedade. O protesto foi considerado uma ação mais do serviço prestado à comunidade: “esa lógica de obligatoriedad es el eje articulador de la cohesión comunal, más conocida por los campesinos en términos simples como disciplina comunal” (PATZI, 2007, p.218).

No ano 2001 as comunidades indígenas promulgaram o Manifesto de Achacachi104. Neste documento centenas de comunidades e sindicatos agrários

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Os migrantes sabem que sua subsistência não é resolvida exclusivamente pela cidade, posto que - eles ou seus familiares - possuem cultivos e gado nas comunidades de origem. Ainda as atividades de sobrevivência na cidade têm intensa (inter)relação com o campo (PATZI, 2007).

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Movimento de maior magnitude do que o histórico Levantamento de 1979 liderado por Genaro Flores. 103

A partir das mobilizações do ano 2000, dois movimentos sociais fundam diferentes partidos políticos. Os cocaleiros constituíram o Movimento ao Socialismo (MAS) e o movimento aymara, o Movimento Indígena Pachakuti (MIP) (PATZI, 2005).

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As cidades de Achacachi e Warisata na província de Omasuyos (às beiras do lago Titicaca) irradiam importante influência na mobilização política katarista e indianista no departamento de La Paz. Achacahi é uma cidade que lidera a tradição de luta campesina, onde se encontra o Quartel General de Qalachaca, sede do poder militar aymara – organização militar paralela às Forças Armadas bolivianas. Durante

postularam seu entendimento acerca do que seria um Estado aymara105. Isto já pode ser considerado expressão do renascimento do poder indígena e das nações originárias na Bolívia. Neste ano, os campesinos do departamento de La Paz bloquearam novamente os caminhos em 5 províncias, reivindicando os bosques, o solo florestal e mineral como domínio originário das nações originárias (e não do Estado boliviano neoliberal). Ainda, demandaram o reconhecimento da livre autodeterminação das nações e comunidades originárias e a anulação do Decreto Supremo 21060106.

B) Os conflitos no ano 2003 107

Se había empezado a movilizar toda la estructura de acción colectiva basada en la experiencia de organización y trabajo barrial. La masacre del día 12 de octubre no hizo más que legitimar estos mecanismos de organización barrial (MAMANI, 2005, pág.73).

No mês de fevereiro de 2003 o governo Sánchez de Lozada indicou a elevação da tributação direta à classe média. O projeto do Orçamento Geral da Nação para o ano 2003 apresentado ao Parlamento estipulava a elevação em 12,5% do imposto descontado nos salários (medida que ficou conhecida como o impuestazo) e a redução dos gatos do Estado em 10% (MAMANI, 2005).

Como conseqüência, o que começou como protesto contra o impuestazo terminou numa revolta popular - descontente com o modelo neoliberal e descrente na democracia representativa108 - que inundou as cidades de La Paz e El Alto. Inclusive a polícia saiu na marcha com os manifestantes que levavam cartazes: “Viva el aumento salarial, abajo el impuestazo”. Nesse sentido, a proteção dos salários constituiu o eixo unificador dos trabalhadores médicos, professores, estudantes, empregadas domésticas, comerciantes, etc. Esta ação se converteu rapidamente numa ação coletiva em escala nacional, uma vez que não só se centrou na cidade de La Paz, mas repercutiu em Oruro e Cochabamba.

outubro de 2003 reuniu milhares de homens com armas de caça e fuzis para marchar à La Paz com a finalidade da deposição do presidente Gonzalo Sanchez Lozada (MIRANDA, 2007)

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Um Estado aymara supõe, dentre outras coisas, a articulação horizontal de poderes que não se encontram separados de suas comunidades.

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O Decreto 21060 engloba o pacote de reformas estruturais por meio do qual a Bolívia se adequou as reformas neoliberais.

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Um texto que relata fielmente os momentos vividos pelos alteños durante esta luta é o livro de Luis Gómez, El Alto de pie: una insurrección ayamara en Bolívia.

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Daí que as massas tenham destruído e queimado o Ministério de Trabalho, a Vice-presidência, a Prefeitura de El Alto (esta última, por segunda vez) e as sedes dos partidos que representam o modelo neoliberal, como o MNR. Além da destruição das empresas Aguas de Illimani, Electropaz, Coca-Cola, a Alfândega e as empresas financeiras.

Os dias 12 e 13 de fevereiro ficaram conhecidos como o fevereiro negro:

El gobierno y las Fuerzas Armadas viendo que ya no podían controlar la revuelta popular con los tanques ni con los francotiradores, no tenían otro mecanismo que pedir auxilio y sacar a las calles a los helicópteros y avionetas para disparar a la muchedumbre enardecida109. En esos momentos todos creían que en Bolivia se estaba dando otra Revolución del 52 (PATZI, 2007, p.253).

Diante da magnitude e do agravamento da manifestação social, o Governo teve que voltar atrás e revogar o projeto do Orçamento Geral da Nação. Porém, a sociedade já exigia novas medidas para solucionar os problemas sociais.

No mês de setembro de 2003 um novo contexto nacional tencionava o clima boliviano. No altiplano Norte de La Paz, os indígenas aymaras iniciaram mobilizações contra o projeto de exportação do gás boliviano para o México e Estados Unidos via a nação chilena110.

Los campesinos, venidos de las veinte provincias del Altiplano hicieron una ‘espectacular’ entrada a El Alto. La mayoría de ellos eran autoridades tradicionales elegidas por las asambleas comunitarias, para cargos rotativos y respetados por todos, jilacatas y mama t´allas, portando atuendos tradicionales y los estandartes de sus comunidades. Cerca de diez mil indígenas llegaron a la ciudad de sus iguales por las cuatro carreteras que comunican con ella. (...) Por el camino, una de las consignas más repetidas era: ‘Si Goni [Pdte. Gonzalo Sanchez de Lozada] quiere plata que venda a su mujer’, en clara referencia al negociado del gas, su exportación a los mercados mexicano y estadunidense, vía um puerto chileno, para la generación de energía eléctrica (GÓMEZ, 2004, Pp.23- 24).

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Muchedumbre enardecida: a palavra muchedumbre é uma forma de denotar uma massa de pessoas, porém com um tom depreciativo por causa do pós-fixo utilizado. No caso, a tradução pode assemelhar-se a uma multidão “em chamas”.

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Durante La Guerra del Pacífico (1879-1882), o litoral boliviano, rico em salitre (para fabricação de explosivos), minas e adubos naturais, foi perdido para o Chile. A partir deste histórico “aniquilamento territorial”, os bolivianos perderam o acesso aos portos e ao Oceano Pacífico. Por este motivo, nacionalmente se guarda certo receio quando se trata sobre relações chileno/ bolivianas. A nação peruana também perdeu territórios ricos em adubo e salitre localizados na fronteira sul, limítrofe com o Chile na mesma guerra.

Foto 31 : Marcha de outubro vermelho, aberta por Malkus e Jilaqatas, exibindo as