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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.2 AS PRAÇAS

Existem muitas definições sobre o termo praça, porém, há concordância de que as praças, e suas funções na vida urbana brasileira, são espaços livres de edificação dentro do tecido urbano, de uso público, destinados às diversas atividades de convívio e lazer da população, que se torna acessível aos cidadãos pelas ruas do entorno, porém, são livres de veículos (MACEDO; ROBBA, 2010).

Há uma cultura do poder público e da população em reconhecer e demandar predominantemente as praças (MACEDO et al., 2009). Ela acolhe e manipula a natureza, geralmente é constituída de um quarteirão (MASCARÓ, 2008) e é o lugar público onde se concentram os principais monumentos da arte urbana. Por isso, “adquire valor funcional e político-social, e também o máximo valor simbólico e artístico. [...] É também cenário, espaço embelezado, manifestação de vontade política e prestígio” (LAMAS, 2000, p. 176).

Conforme destaca Macedo e Robba (2010, p. 11), a praça, juntamente com a rua, “consiste em um dos mais importantes espaços públicos urbanos da história da cidade no país”, pois, desde os tempos da Colônia, desempenhou um papel fundamental no contexto das relações sociais em desenvolvimento. Acrescenta-se que a praça é “um centro, um ponto de convergência da população, que a ela acorre o ócio, para comerciar, para trocar ideias, para encontros românticos ou políticos, enfim, para o desempenho da vida urbana ao ar livre” (2010, p. 11).

Para Vaz (2003), em razão da forma arquitetônica e da localização das praças, elas se tornam uma referência para os habitantes, por meio da sua legibilidade e história, ao significar um espaço que organiza o tecido urbano a partir de um centro. Além disso, é um elemento fixo que marca concretamente as cidades como lugares que orientam o traçado e deslocamento dos fluxos (LYNCH, 1997).

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Benedet (2008) salienta que as praças têm seus territórios definidos a partir de seus limites geográficos ou referenciais visuais. Porém, a sua marcação é caracterizada principalmente pela apropriação do espaço pela comunidade e diferentes perfis de usuários, ao desenvolverem suas atividades e lhe conferindo uma identidade. Ou seja, a praça é um lugar intencional de circulação, passagem, encontro, permanência, práticas sociais e culturais, acontecimentos, manifestações de vida urbana e comunitária, e de funções estruturantes (relação com atividades humanas e seus usos) e arquitetônicas significativas (LAMAS, 2000).

Em outra perspectiva, é relevante destacar que

Nas cidades brasileiras, qualquer espaço verde público, seja arborizado ou simplesmente gramado, um canteiro central de avenida ou espaço livre entre edifícios, é denominado praça. Na cidade contemporânea, a definição desse espaço é bastante abrangente, incluindo desde pequenas áreas destinadas ao lazer esportivo em bairros habitacionais até os grandes complexos de articulação da circulação urbana entre áreas centrais (MACEDO; ROBBA, 2010, p. 16).

Essa situação é realmente constatada nas cidades, e por isso essa abrangência do termo ocasiona distorções referentes à terminologia dos espaços urbanos. Na verdade, canteiros centrais que acompanham avenidas, rotatórias, taludes e encostas ajardinadas, e jardins junto aos acessos de pontes e viadutos são exemplos de jardins urbanos, porém, são chamados de praças (MACEDO; ROBBA, 2010).

De acordo com Macedo e Robba (2010), esses jardins urbanos são espaços livres essenciais para “a melhoria da qualidade ambiental, pois permitem melhor circulação do ar, insolação e drenagem, além de servirem como referenciais cênicos da cidade” (2010, p. 16). No entanto, não podem ser chamados de praças, pois não possuem programa social, ou seja, atividades de lazer e recreação, e também por muitos desses não serem acessíveis aos pedestres.

Cabe ressaltar que por a praça ser um elemento urbano e um fragmento do mosaico que compõem a cidade, ela está diretamente associada às questões sociais, estéticas e formais de um assentamento. Assim, é necessário que seja analisado o contexto urbano de cada um desses espaços (MACEDO; ROBBA, 2010).

O que define o uso e o caráter da praça e sua apropriação são as forças que dão consistência à vida pública, sendo estas de naturezas diversas, decorrentes, primeiramente, dos aspectos culturais, dentre os quais se inclui as necessidades funcionais, a vida social comunitária e o sentido simbólico da vida. Num segundo momento, estas forças se originam da tecnologia disponível, da estrutura física dos lugares, da segurança, do fator da superestimulação disponível nas cidades, dos sistemas sociais, políticos e econômicos e do grande interesse, hoje, por qualidade de vida (OLIVEIRA, 2005, p. 15).

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Ao se partir para uma perspectiva histórica, observa-se que desde as primeiras concepções paisagísticas, as praças são decorrentes da evolução das cidades e dominadas pelas transformações e permanências sociais. Tal aspecto, seus usos também se alteraram com o tempo devido a essa dinâmica.

Percebe-se que desde a Ágora grega, do Fórum romano, dos espaços medievais e renascentistas, “a praça pública sempre desempenhou multifunções na cidade, sendo a principal delas agregar a coletividade em atividades de lazer, comércio, debates e celebrações, além de constituir ponto para troca de informações e onde se fazia a justiça” (SANTANA, 2015, p. 36). Corrobora-se que

Na Antigüidade greco-romana, a praça era o espaço público de maior importância da cidade e funcionava como seu centro vital. Materializada na figura da Ágora ou do Fórum, a praça, com seu conjunto arquitetônico, desempenhava um papel crucial: era o locus publicci da vida citadina. Era nesse espaço que o conceito de civitas se fazia presente: [...] espaço da possibilidade da convivência humana (CALDEIRA, 2007, p. 3).

Porém, conforme Lamas (2000), a praça, tal como concebemos hoje, é um elemento de permanência nas cidades e que se insere mais definitivamente a partir do Renascimento, pelos séculos XVIII e XIX, quando começa a fazer parte quase que obrigatoriamente do desenho urbano como espaço coletivo, definido por uma geometria rígida e como elemento de composição essencial para a ordenação da paisagem urbana (CALDEIRA, 2007).

Porém, é na Idade média que se esboça o conceito de praça europeia, com funções de comércio (praças de mercado) e reunião social (praça de igreja – adro). Quanto às funções das praças no núcleo urbano medieval, que se manifesta nas brasileiras, Zucker (1959) menciona as seguintes:

 As praças como centro da cidade – implantadas no centro de novas comunidades;  As praças de mercado – local de grande movimento, concentrava a atividade comercial da cidade;

 As praças no portal da cidade – consideradas áreas de passagem e distribuição de tráfego, normalmente triangulares, de onde partiam duas ou três ruas para o centro;

 As praças agrupadas – espaços de conexão entre praças de mercados e adros de igrejas;

 Os Adros de igrejas – espaços em frente às igrejas, para reunir fiéis e atividades religiosas.

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Além disso, segundo Macedo e Robba (2010), todas essas funções podem ocorrer simultaneamente no mesmo espaço, ao concentrar também atividades civis, militares, sacras e profanas. Para a população, este era e até continua a ser o espaço livre de interação entre todos os elementos da sociedade, e palco de manifestações, costumes, hábitos, territorialidade, fé, poder e pobreza.

Em pequenos, médios e grandes centros urbanos, constata-se que a imagem urbana geralmente está associada à presença das praças. Segundo Gomes (2005, p. 31), é comum “associar o centro de uma cidade à presença da principal praça, bem como da igreja católica. Isso remete a considerar esses dois elementos como referenciais urbanos da área central de uma cidade”.

No Brasil, as praças coloniais auxiliam na compreensão do atual significado das praças, e da evolução ao longo nos séculos. Nesta época (séc. XVII), elas foram consideradas os embriões das cidades, ao ter como característica dominante o posicionamento na área frontal das capelas, espaço conhecido com adro das igrejas. Assim, por essa posição em frente às paróquias, destacou-se o prestígio social, por muito atrair importantes prédios públicos, comércio e residências de alto nível (MARX, 1980; MACEDO; ROBBA, 2010).

Macedo e Robba (2010) destacam que em território nacional, do século XIX para o XX, a praça passou a ser ajardinada, pavimentada e equipada, principalmente em áreas centrais e em bairros de elite, e posteriormente, passou receber outras modalidades de uso que foram sendo agregadas com maior intensidade ao final do século XX. Com influência cultural exercida pela Inglaterra e pela França para a transformação da paisagem urbana e seu embelezamento, e também devido às melhores condições econômicas do país, pela produção e exportação de produtos, facilitou-se o tratamento do ajardinamento privado, mas principalmente público. Nesse momento, passou-se a receber a ornamentação dos canteiros de árvores e de flores, com grande sucesso, que se espalhou para todo o Brasil, com a função de modernizar o país (MACEDO; ROBBA, 2010).

É assim que as praças coloniais passam a receber outras funções, ao se tornaram objeto de projetos de paisagismo, em que se fortalece o uso da vegetação, como requisito para um padrão da modernidade urbana e sinônimo da qualidade do espaço livre (ao amenizar a urbanização, e pela apreciação estética). A partir daí, começam a ser utilizadas mais para o descanso e para a contemplação do cenário ajardinado e da natureza implantada, para a recreação e lazer, convivência da população, e passeio (MACEDO; ROBBA, 2010).

Pelo mundo, no início do século XX, a produção industrial e as atividades comerciais refletiram na expansão e no crescimento urbano, e houve um momento de transformação

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urbanística e paisagística, que se manifestou nos espaços livres públicos e privados, com novas modalidades de uso e padrões estéticos. Logo, a praça assumiu novos significados na cidade moderna, produtiva e populosa, em que o espaço urbano deveria ser planejado funcionalmente, e o lazer foi estabelecido como de suma importância para os cidadãos. Consequentemente a especulação imobiliária e o preço da terra aumentam, e os espaços livres começam a se tornar mais escassos no planejamento da malha urbana (MACEDO; ROBBA, 2010, p. 32). Por isso, os ambientes existentes passam a ser opções de lazer para a cidade e um dos espaços mais visíveis, também para transformações modernizantes por parte do Poder Púbico.

De acordo com Macedo e Robba (2010), a partir da década de 1940, no Brasil e mundo, sob a influência de arquitetos paisagistas modernos, como Burle Marx, Garret Eckbo e Thomas Church, começam a aparecer mudanças na concepção dos espaços livres, quanto ao seu programa e uso. As praças, e também os parques, passam a envolver o lazer e recreação ativa (atividades esportivas e de recreação infantil).

Já a partir da década de 1970, começa a ser consideravelmente notável o adensamento urbano de áreas centrais e expansão de limites periféricos da malha urbana. Mais uma vez, os espaços livres se reafirmam como indispensável opção de lazer, tornando-se objeto de interesse político para aumentar o nível de qualidade de vida dos habitantes e como elemento necessário à vida na cidade. Desse modo, reestruturação, adaptação e revitalização das praças são iniciadas, levando a uma nova corrente projetual, a contemporânea, que aumenta a pluralidade da forma, do programa e do mobiliário (CALDEIRA, 2007; MACEDO; ROBBA, 2010).

Logo, dependendo da sua localização, conforme Macedo e Robba (2010, p. 37-38), as praças adquiriram distintas funções:

 Nas áreas centrais, é uma alternativa naturalista para a amenização das condições climáticas, da qualidade do ar e insolação. Além de ser destinado ao lazer, serve como articulador da circulação de pedestres;

 Nas áreas habitacionais, se consolida como área de convivência das pessoas e para lazer ativo e passivo. Chamada de praça de bairro, atrai moradores das proximidades para desfrutarem da tranquilidade das áreas arborizadas e ajardinadas, para atividades recreativas e sociais entre os usuários.

Por tais aspectos ressaltados, compreende-se que as integrações e multiplicidade de atividades possíveis nas praças, levou a população a reconhecer e valorizar o espaço livre urbano e vegetado. E, em resposta aos impactos ambientais que emergem, fortalece-se mais a

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necessidade de existência desses espaços e sistemas, da administração pública, da sua manutenção e conservação (MACEDO; ROBBA, 2010, p. 39).