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4.

CONSTRUÇÃODOS

GÊNEROS

PREGÃOTRADICIONAL

E

PREGÃOPÓS-MODERNO

A construção do gênero pregão pós-moderno é a tese construida por meio desta pesquisa que precisou caminhar por conceitos oriundos de diversas teorias que se cruzaram para alimentar uma análise linguístico-argumentativo-cognitivo-discursiva. Considerou-se gênero pregão a fala de vendedores ambulantes que fazem parte da vida cotidiana das grandes e das pequenas cidades cuja voz sócio-histórico-econômica ecoa pela boca do povo, pela harmonia ou pelos ruídos de memórias e burburinhos da vida de cada dia.

A consideração do gênero se dá na medida em que os gêneros são formas

relativamente estáveis de enunciados construídos por cada esfera social de utilização,

produzidos por cada esfera social específica com suas condições e finalidades também específicas. Tratar do gênero é “bem mais flexível” que tratar da língua. O gênero possibilta realizar “de modo mais acabado nosso livre projeto de discurso”. É no gênero que se realiza a teia dialógica do discurso, onde o enunciado cria uma ligação na cadeia da comunicação. As escolhas particulares são formas construídas dentro de um todo. Dentro desse todo se movimentam os artefatos culturais e os reflexos do mundo exterior.

Além do exposto acima, pode-se dizer que gêneros discursivos são modelos/ padrões comunicativos socialmente utilizados em situação concreta. Volta-se a dizer que a movimentação de um gênero se dá no interior de um modelo. Daí porque procurou-se fazer um levantamnto das regularidades próprias do pregão tradicional e próprias do pregão pós-

moderno, ambos gêneros primários simples, segundo a classificação de Bakthin (2003)

porque estão ligados às relações cotidianas do falante que vão sofrendo as mudanças históricas dos estilos de linguagem.

Embora em um primeiro momento da pesquisa tivesse havido uma dúvida de colocar ou não o pregão entre textos publicitários, o que o incluiria entre os gêneros secundários, mais complexos, chega-se, aqui, convictos de que os pregões pertencem à classificação do gênero primário, por se tratar de falas que envolvem o oral, o cotidiano e compreendem uma relação entre interlocutores, própria desse âmbito da linguagem, diferentemenete dos textos publicísticos que pertencem a outro âmbito - o da escrita, e em função disso, constroem outra relação nesse processo de interação linguística. Refazendo o percurso de construção do gênero: pregão é um gênero primário próprio das relações cotidianas das cidades, ligados à fala, à oralidade e determinado por uma relação

175 presentificada entre o locutor – o pregoeiro- e o seu auditório – os consumidores em potencial.

Tendo em vista que para Bakhtin pode ocorrer uma transmutação dos gêneros ou a assimilaçao de um gênero por outro gerando novos gêneros e que para Todorov (1980) um novo gênero é sempre a transformação por inversão, por deslocamento ou por combinação de um ou de vários gêneros antigos, defende-se a tese de que a fala do camelô constitui um novo gênero oriundo da fala do pregoeiro de outrora.

Construiu-se também, para essa pesquisa, duas denominações: a fala do pregoeiro considerou-se um gênero por nós denominado de pregão tradicional e à fala do camelô outro gênero denominado pregão pós-moderno. Sentiu-se a necessidade de fazê-lo para agregar o conhecimento que se teve dificuldade de encontrar no decorrer desta pesquisa, uma denominação específica para estas falas, tendo em vista que tudo estava generalizado no termo pregão, muito mais associado à questão memorialística e poética do que à produção do conhecimento na dimensão linguístico-cognitivo-discursiva.

4.1 O GÊNERO PREGÃO TRADICIONAL

O gênero pregão tradicional era próprio de um contexto onde a vida se organizava na estreita conexão entre o tempo e o espaço que fazia a singularidade do lugar. Um gênero cuja cor local conferia a ele contornos de um canto que costumava ecoar por históricas ruas. Tempo e espaço faziam o coro dos pregões que cantavam a cidade e o tempo nas coisas apregoadas. Coisas cuja substância era feita de uma projeção universal na ideia da totalidade do lugar.

O pregão tradicional é um gênero amarrado à tradição, gênero que ecoa na literatura, sobretudo nos cantos dos poetas. Gênero que realizava um encaixe identitário colando espaço e tempo sem grandes pretensões retóricas ou argumentativas. Gênero - canto de cada lugar - onde exerceu seu destino, na direção do auditório.

Já se disse que o que sustenta o gênero, apesar de sua flexibilidade, é o modelo, e o que constitui o modelo é o que há de regular e frequente nessas movimentações. O que é frequente entre os pregões tradicionais são os traços que o caracterizam como gênero. Daí, infere-se que os pregões tradicionais constituem um gênero pelas seguintes características: repetição da coisa apregoada, ênfase da coisa apregoada pela inversão sintagmática, presença

176 de elementos descritivos da coisa apregoada, presentificação da coisa apregoada e do auditório.

O que contém o centro do pregão tradicional é a coisa apregoada, cuja substância é o próprio lugar e a integração de várias metáforas: o lugar é a coisa apregoada; a coisa apregoada é o lugar; o pregoeiro tradicional é a coisa apregoada e ao mesmo tempo o lugar; a coisa apregoada é o lugar e o pregoeiro tradicional. Nesse sentido, o pregoeiro tradicional, a coisa e o lugar são metáforas do auditório. Todos: o pregoeiro tradicional, a coisa apregoada e o auditório são metáforas do lugar e vice-versa. Uma metáfora identificadora, não linguística, mas cognitiva construída no espaço mental do pregoeiro tradicional e do auditório, ou seja, uma metáfora abstrata, não material que une a todos numa necessidade posta pela identidade sugerida no canto.

4.1.1E

LEMENTOS DO PREGÃO TRADICIONAL

Foto18 - Caminho Grande (1876) Fonte: Martins (2010).