• Nenhum resultado encontrado

Diante das diversas possibilidades de examinar a articulação entre os contextos e as práticas das mulheres nos empreendimentos da Rede Economia Solidária e Feminista (RESF), como pretendido aqui, considera-se imprescindível ter em vista a pluralidade dos movimentos e teorias feministas. Desde as primeiras reivindicações das mulheres pelo direito ao voto até a busca pela perspectiva da mulher subalterna, o pensamento feminista busca realizar as críticas necessárias para elaborar suas construções, nesse sentido, cada escola da teoria feminista, desde a liberal até a (pós)colonialista, estão atreladas às demandas sociais de determinados grupos e contextos históricos. Os avanços advindos das teorias feministas articulam diversas demandas e perspectivas das mulheres, contudo, os pressupostos básicos da crítica feminista são a desigualdade de condições das mulheres e a busca por uma reforma ou transformação do status quo (Calás e Smircich, 2014). A pesquisa utilizará alguns conceitos propostos pelas abordagens feministas radical e pós-estruturalista, contudo, sob o enfoque principal da abordagem feminista (pós)colonialista, que, mesmo divergindo em alguns pontos daquelas perspectivas, apresentam pontos de complementaridade necessárias à discussão sobre as práticas das mulheres inseridas no contexto da Economia Solidária. As críticas residem em

uma percepção de que o pensamento pós-estruturalista é elitista e inacessível para discutir a questão da mulher subalterna (Calás e Smircich, 2014). Entretanto, as críticas também consideram o pós-estruturalismo uma dérmache importante para o desenvolvimento dos estudos feministas pós-colonialistas, visto que são abordagens que iniciaram o deslocamento do ponto de vista para o contexto de mulheres fora dos âmbitos centristas. As correntes feministas pós-estruturalistas são precursoras em questionar o essencialismo e a universalidade do ponto de vista e experiências das mulheres, considerando que não existe a possibilidade de uma representação geral e única da mulher, bem como inserem a crítica à forma como o conhecimento é elaborado, desconstituindo a subjetividade em nome de uma pretensa objetividade (Fraser, 2001, 2002, 2003). Ainda que inicialmente não tenha aproximado sua reflexão do ponto de vista da mulher subalterna, as correntes pós- estruturalistas iniciam um debate que foi empreendido pelas abordagens (pós)colonialistas. As teorias feministas pós-colonialistas, a partir do questionamento da visão única, partem para a observação das experiências e perspectivas dos não privilegiados, os que estão na periferia e à margem das discussões centrais até a pós-modernidade, e, que além do gênero, aproxima-se dos recortes de raça, classe, etnia e geração (Bhabha, 1990, 1998; Costa e Ávila, 2005; Lugones, 2007; Mohanty, 2003, 2006; Spivak, 2010). Nos estudos organizacionais o debate sobre a questão da mulher é voltado para o mundo do trabalho, do espaço público produtivo, neste espaço, as desigualdades de condições são mais perceptíveis, ainda que disfarçadas pela retórica do empoderamento a mulher (Santos, 2017). No que se refere aos estudos organizacionais, tanto o pós-estruturalismo quanto o (pós)colonialismo buscam a subjetividade da mulher em contextos periféricos, a primeira os aspectos os espaços organizacionais de poder e liderança, e a partir daí, desconstruindo a aparente igualdade de gênero e condições nas organizações formais, a segunda, buscando identificar as subjetividades da mulher subalterna, que enfrenta outros tipos de desafios, frequentemente ligadas a movimentos sociais e extratos populares marginalizados. A utilização de conceitos das duas abordagens requer um processo de hibridização capaz de romper com as categorias binárias que visam hierarquizar o pensamento feminista, criando fronteiras entre as teorias, quando, na verdade, o desenvolvimento de ambas depende de uma abordagem que explore as lacunas na produção do conhecimento sobre a questão da mulher em sociedades periféricas. O anseio do (pós)colonialismo em romper com a abordagem pós-estruturalista encontra obstáculos ontológicos e epistemológicos, dilema enfrentado também no debate entre outras escolas. Portanto, afastando-se de dicotomias e particularismos, essa pesquisa realiza a adequação ao contexto, como propõe Ramos (1989) em seu método da redução sociológica,

utilizando-se dos conceitos que aderem à realidade do fenômeno, e desconsiderando o que não se adere. Conquanto se utilize conceitos das duas abordagens, a pesquisa se deterá sob as visões (pós)colonialistas, que observam com maior propriedade as experiências das mulheres em espaços periféricos como o contexto da Economia Solidária.

Dessa forma, na busca por identificar as práticas de gestão de mulheres em empreendimentos da ES, esta pesquisa considera aportes das teorias feministas que abrangem o contexto em que essas mulheres vivem e as dinâmicas de redistribuição, reconhecimento e representação das mesmas. Portanto a opção por autoras do feminismo pós-estruturalista e autoras do feminismo (pós)colonialista, visa alcançar uma interpretação das práticas de gestão que esteja o mais próxima possível da realidade daquelas mulheres. Os desafios a serem identificados partem de reflexões sobre o campo epistemológico, considerando-se os processos de construção de conhecimento consoante às críticas ao colonialismo e à dominação ontológica e epistemológica centrista. Busca-se reconhecer em que sentido os aportes presentes na produção acadêmica feminista trazem ontologias (pós)coloniais e em que sentido tais aportes são apropriados neste contexto, considerando-se principalmente os cortes de gênero e raça e tomando consciência das críticas à impossibilidade de fala do subalterno (Spivak, 2010).

As hipóteses de pesquisa foram desenvolvidas ao longo da seção de suporte teórico, a partir da construção dos aspectos conceituais relacionados aos objetivos da pesquisa. Ademais, a partir do modelo de Nancy Fraser (2001; 2010), é possível apontar alguns pressupostos relacionados à justiça de gênero que orientarão a pesquisa. Nessa abordagem, classe social, gênero e “raça” são categorias que suportam as situações de injustiça social em diferentes análises. Classe é indicada como situação pura da injustiça de distribuição de recursos produtivos e renda; sexualidade menosprezada, como situação pura da injustiça de não reconhecimento; e gênero e “raça” como situações que acumulam os dois tipos de injustiças, diante das quais os sujeitos precisam lutar tanto por redistribuição quanto por reconhecimento. Nesse sentido, esses são os pressupostos que foram observados no presente estudo. As categorias classe, gênero e “raça” são de importante análise em vista do objeto da pesquisa ser empreendimentos da Economia Solidária, movimento de geração de renda que se desenvolve, nos âmbitos rural e urbano, em cooperativas, associações populares e grupos informais de produção, de serviços, de consumo, de comercialização e de crédito solidário (DIEESE, 2017). A partir dos estudos de Martin (1993, 2003), é possível compreender que existem práticas de gestão específicas que são empreendidas pelas mulheres, e que podem ser

tomadas como ponto de partida para a discussão sobre as práticas feministas de autogestão na RESF.