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A avaliação tal qual concebida atualmente “é consequência de um processo de evolução de construção e reconstrução que envolve inúmeras influências interatuantes.” (GUBA; LINCOLN, 2011, p. 28). Por isso, a avaliação é um campo de estudo ainda em desenvolvimento.

O campo da avaliação constituiu-se inicialmente no âmbito educacional nos últimos anos do século XIX e nas primeiras três décadas do século XX, marcado por aplicação de testes, como os coeficientes de inteligência (QI), e medições psicofísicas, ficando conhecido como a primeira geração da avaliação.

Nesse período, a aprendizagem era quantificada por meio de números e classificações. A avaliação era, portanto, concebida como medição e seu conceito era inserido no paradigma positivista próprio das ciências físico-naturais, centrado na determinação das diferenças individuais, nada tendo a ver ainda com programas escolares ou desenvolvimento do currículo. (SOBRINHO, 2003).

O segundo período da avaliação, que teve como precursor Ralph Tyler em 1934, trouxe importantes contribuições, pois houve uma ampliação do campo da avaliação, que

passou a ser considerada um valioso instrumento para regulação do conhecimento e das formas de adquiri-lo e definia os comportamentos desejados, controlando seus cumprimentos e aplicando as sanções ou prêmios correspondentes aos resultados.

Segundo Guba e Lincoln (2011), essa abordagem, caracterizada pela descrição de padrões de pontos fortes e fracos em relação a determinados objetivos estabelecidos, foi denominada de segunda geração da avaliação. Desenvolveu-se também em conformidade com o paradigma de racionalização científica e com a ideologia da eficiência, colocando a escola como uma instituição útil ao desenvolvimento econômico, algo ainda muito sustentado atualmente quando se defende que a principal função da educação é ser útil à indústria.

A terceira geração (1958 a 1972) caracterizou-se por iniciativas que visavam alcançar juízos de valor, na qual o avaliador assume um papel de julgador. Nesse período, a avaliação se tornou um campo de estudo e passou a fazer parte obrigatória da educação com a justificativa de que as escolas eram culpáveis pelos baixos rendimentos e que os financiamentos públicos estavam sendo mal utilizados. Dessa forma, os pais deveriam saber como trabalhavam as escolas e os educadores deveriam prestar contas aos usuários. (SOBRINHO, 2003).

Nesse mesmo período, a avaliação passou a ser obrigatória também nos programas sociais federais, atrelada à avaliação dos programas de combate à pobreza, financiados pelo governo, cujo modelo buscava dimensionar o grau de sucesso ou fracasso das instituições nessa área social (SILVA, 2008).

No entanto, seu fortalecimento na gestão governamental se deu a partir nas décadas de 1980 e 1990, impulsionado pelo modelo de Estado neoliberal de Margaret Thatcher (1979- 1990), na Inglaterra, e de Ronald Reagan (1981-1989), nos Estados Unidos, passando, assim, a assumir cada vez mais uma densidade política, sendo utilizada como instrumento de poder e estratégia de governo, mas também a incorporar práticas de mercado. (SOBRINHO, 2003; FARIA, 2005; PEREIRA & SPINK 2015).

Seguindo o modelo norte-americano, no Brasil, o campo da avaliação em políticas públicas intensificou-se no final da década de 1980 e início de 1990 no contexto da Reforma do Estado, que visava “enxugar” a máquina pública e, segundo Rodrigues (2008), surgiu para atender à agenda neoliberal, de dependência do Estado frente ao Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento – BIRD e Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, que passaram a exigir sistemas de monitoramento de avaliação mais criteriosos acerca dos projetos por eles financiados.

Esses marcos históricos explicam porque a avaliação das políticas públicas tem sido predominantemente pautada por perspectivas generalizantes aplicáveis a qualquer país ou

situação; fundada ainda nos paradigmas positivistas de análise e predomínio de referenciais economicistas, instrumentais e/ou utilitaristas, baseando-se em critérios pré-definidos de eficiência, eficácia e efetividade5 dos programas, a partir de indicadores estatísticos que revelam a relação custo-benefício em relação ao investimento realizado, que buscam verificar em que grau os objetivos traçados foram atingidos ou até mesmo emitir um juízo de valor acerca de determinada política. (RODRIGUES, 2011).

Esse modelo positivista fundamenta-se no paradigma científico dominante, constituído basicamente no domínio das Ciências Naturais, originado a partir da Revolução Científica ocorrida na Europa no século XVI, quando o conhecimento passou a ser algo objetivo e prático, baseado na realidade tal qual ela é. (SOUSA SANTOS, 2008).

Nessa concepção da ciência moderna, só era considerada ciência aquilo que era quantifícável. O que não era convalidado pela ótica científica era considerado prejudicial ao progresso e crescimentos das sociedades (CARVALHO, 2005). No entanto, as leis da natureza não são as mesmas que regem a sociedade, pois a “ação humana não é apenas biologicamente determinada, mas se dá principalmente pela incorporação das experiências e conhecimentos produzidos e transmitidos de geração a geração” (ANDERY, 1988, p. 12).

Apesar de a comunidade científica estar vivenciando a emergência de novos paradigmas científicos, é perceptível que o paradigma positivista ainda predomina na construção do conhecimento científico na nossa sociedade, não somente no campo da avaliação, mas também no âmbito da educação e das políticas públicas, o que pode ser observado, inclusive, na configuração do Programa CsF, objeto desta avaliação, cujas áreas prioritárias definidas para concessão de bolsas, restringiram-se às áreas de engenharias e tecnologias.

Essa hegemonia, regida pela agenda neoliberal e o gerencialismo técnico (GUSSI, 2019), perpassa também o campo da avaliação e predomina dentro das Universidades, como ratifica Carvalho (2015, p. 16) quando diz que “a universidade é também um espaço de disputa de hegemonia entre diferentes perspectivas do fazer ciência”. Por conseguinte, perpassa também a internacionalização do ensino superior, como se vê no caso do Programa CsF, como ilustra a figura 1:

Figura 1 – Hegemonia do paradigma positivista no campo da educação e da avaliação.

5 No tocante à Avaliação de Políticas Públicas, Silva (2008) define eficiência ou rentabilidade econômica a relação entre os custos despendidos e os resultados do programa; eficácia como o grau em que os objetivos e metas foram alcançados na população beneficiária num determinado período de tempo; e efetividade como a relação entre resultados e objetivos (medida de impacto).

Fonte: Elaborado pela autora (2019)

No entanto, esse modelo, ainda hegemônico, torna-se insuficiente quando se depara com a multiplicidade de valores, contextos e invariabilidades encontrados e vivenciados em uma comunidade, como afirma Sobrinho (2003, p. 27):

A avaliação se torna cada vez mais complexa à medida que considera insuficientes os procedimentos meramente descritivos e reclama a consideração de aspectos humanos, psicossociais, culturais e políticos, onde não há consensos prévios e os entendimentos precisam ser construídos. (SOBRINHO, 2003, p. 27).

Nesse mesmo sentido, Gussi e Oliveira (2015, p. 5), afirmam que o modelo de avaliação positivista “desconsidera os sujeitos sociais, envolvidos nas políticas, bem como os contextos sociopolíticos e culturais nacionais, regionais e locais onde essas políticas se realizam e as contradições neles inerentes”.

No Brasil, com o aumento de programas sociais promovidos a partir dos anos 2000, sobretudo na área de educação, os estudos em torno das políticas públicas e de sua avaliação aumentaram consideravelmente, ajustando-se às dinâmicas históricas e passando a demandar outras formas de avaliar, que se afastem dos modelos hegemônicos, regidos pelos marcos regulatórios do Estado e do mercado.

Em meio a essa complexidade no campo da avaliação, que não é meramente epistemológica, mas resultado de distintas concepções em torno do papel do Estado e da educação na sociedade, é que esta pesquisa se fundamenta em uma perspectiva contra hegemônica de avaliação, a avaliação em profundidade, delineada na próxima seção.

2.2 Perspectiva avaliativa do Programa Ciência sem Fronteiras na UFC: uma avaliação