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Pressupostos operatórios

No documento Tese D António Franco P. Silva (páginas 106-111)

PERCURSO METODOLÓGICO

1. PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS

1.2. Pressupostos operatórios

Quanto aos pressupostos operatórios, e tendo sempre presente a recíproca implicação, tal como dizemos atrás, entre objecto e sujeito de investigação, partilhamos da perspectiva de reflexividade de Bourdieu (1992), pela qual a produção dos dados se funde com a elaboração teórica do objecto de estudo. Reflexividade sublinhada por Giddens (1996: 17): «as descobertas das ciências sociais não

permanecem isoladas do objecto de estudo a que se referem mas reintegram-no e remodelam-no constantemente».

Esta subjectividade tem congregado alguma polémica, particularmente nos anos oitenta, em torno da credibilidade

metodológica da investigação qualitativa e de outros aspectos pelos

quais ela tem sido questionada (Shulman, 1981, in Wittroch, 1989: 1772). Hoje, em consequência de uma maior maturidade investigativa, pode replicar-se o quadro de referência da investigação quantitativa com alternativas qualitativas:

a) O valor de verdade, ou confiança na veracidade das conclusões, e cujos procedimentos levam a vários níveis de validação, não obstante o carácter racionalista do termo: validação pelos respondentes (Hutchinson, Hopkins e Howard, 1988: 54-64); validação pelas fontes (Figari, 1991a: 49-62); validação ecológica, de Bronfenbrenner (1981); validação subjectiva, de House (1986).

b) A abordagem qualitativa leva a um elevado e demorado envolvimento com as situações e os sujeitos permitindo comprovações e confrontações e resolvendo incoerências e contradições, por triangulações, exames cruzados, referências teóricas diversas que dão a este paradigma de investigação a necessária credibilidade.

c) A aplicabilidade, ou ajustamento, ou adequação dos resultados (mantemos provisoriamente este termo usado pelos autores) ao contexto onde se pretende aplicá-los (Guba & Lincoln, 1985a). Como não há repetição de contextos e esta preocupação se aproxima duma generalização caso a caso, poderá falar-se, em termos qualitativos, mais apropriadamente de transferência para um caso semelhante, ou

d) A consistência tem a ver com a precisão ou fiabilidade dos resultados (mais uma vez termos racionalistas) reflectidas no objecto, noutros objectos e noutros contextos semelhantes. No paradigma normativo-naturalista para a verificação da consistência dos dados, para além da triangulação metodológica na validação do conhecimento histórico, procede-se por réplica passo a passo, na forma de auditoria independente do processo investigativo (Guba & Lincoln, 1985a), gerando-lhe confiança, termo este tomado em alternativa à consistência.

e) A neutralidade, na abordagem racionalista, é função do objecto e das condições de investigação, ou da objectividade, mas na abordagem naturalista, e em defesa da imparcialidade necessária, ela relaciona-se com os motivos, os interesses e as perspectivas do investigador (Guba & Lincoln, 1985a), com a sua subjectividade sujeita a confirmabilidade.

Portanto, no paradigma normativo-naturalista os critérios de credibilidade assentam principalmente em pressupostos ontológicos dos fenómenos em causa e na isomorfologia possível entre sujeito e objecto.

O valor de verdade, nas expressões da credibilidade ou da validade, é assumido por critérios assentes nos consensos gerados e partilhados e não nos sujeitos, por Habermas (1984) na sua teoria da

racionalidade comunicativa, em alternativa ao paradigma dominante

da racionalidade. Désautels (1984) considera ser esta uma falsa questão aceitando, até, mais a intersubjectividade ou a verdade construída pela interacção da subjectividade de cada um.

Alertados, por causa da subjectividade na investigação qualitativa, para possíveis enviesamentos próprios, estamos atentos a determinados procedimentos recomendados por Kirk & Miller, 1986

(in Almeida, 1997: 623), e que vamos resumir, como parâmetros de validade:

a) coerência entre acontecimentos circum-escolares e conteúdos programáticos captados e, igualmente, entre as diversas componentes estabelecidas da pesquisa;

b) pertinência dos instrumentos de recolha de dados ;

c) consistência dos dados disponíveis com os objectivos traçados. Assim, para o reforço da credibilidade da nossa investigação tencionamos proceder:

a) à recolha criteriosa dos dados e ao cruzamento das fontes, quanto possível, para salvaguarda da veracidade deste trabalho;

b) à descrição e interpretação dos dados, ou à formulação de conceitos heurísticos, com triangulação das inferências e das conclusões ou resumos finais, imprimindo as necessárias adequação e confiança dos resultados progressivamente obtidos.

c) a variadas reformulações confirmativas, por frequentes confrontações com os nossos propósitos.

Como esclarecimentos confirmativos dizemos, conforme referem Goetz & Le Compte (1984), que a investigação qualitativa não visa a

generalização dos resultados para conjuntos não investigados, como

se verifica na investigação quantitativa, assentando a sua legitimação por comparação e translação desses resultados. A questão da generalização ou, melhor, da transferibilidade liga-se ao contexto específico da investigação e ao respectivo crítico e a esse respeito convém passar a seguinte ideia de Erickson (1992: 10): «o “locus” do

julgamento sobre o que é generalizável de um contexto para outro está sobretudo em quem lê o relato da investigação e menos em quem o escreve».

Rematamos este ponto com a opinião de J. Sousa (1997) sobre a apreensão do conhecimento no domínio das ciências sociais e humanas, a exigir um processo hermenêutico algo complexo, levando em conta os sujeitos que observam e que são observados, as suas intenções, as suas motivações e as suas expectativas.

Quanto à démarche qualitativa, seguimos a referida por Mucchielli (1996: 197, 198) e que compreende os itens seguintes:

“ i) a investigação realizada compreende quase sempre um contacto pessoal e prolongado com o meio, e uma sensibilidade aos seus pontos de vista;

ii) a construção da problemática permanece larga e aberta;

iii) o desenho metodológico nunca está completamente determinado antes do início da investigação enquanto tal, mas evolui, pelo contrário, segundo os resultados obtidos, a saturação atingida, o grau de aceitação interna obtida, etc.;

iv) a colheita e análise dos dados não se realizam em etapas separadas e parcelarizadas, antes se encavalitando muitas vezes;

v) o principal utensílio metodológico é o próprio investigador, em todas as etapas da investigação;

vi) a análise dos dados visa a descrição ou a teorização de processos e não a obtenção de “resultados”;

vii) finalmente, a tese ou o relatório de investigação inserem-se num espaço dialógico de descoberta e de validação de processos e não numa lógica de prova”.

Podemos fazer acompanhar estes procedimentos com os princípios ecológicos já expostos no sentido de:

a) não ser possível dissociar os factos dos valores, em consequência das dimensões histórica e social das práticas educativas;

b) a subjectividade como característica essencial do comportamento humano traduzida nos resultados advindos das relações entre investigador e sujeito investigado;

c) todos os elementos do ecossistema terem igual importância e algo de comum: pode dar-se prioridade a problemas substantivos mais

pertinentes, de um ponto de vista contextual, mas sem perder a noção do conjunto;

d) o contexto, que dá forma e sentido à realidade ambiental, adquirir um protagonismo inevitável, devendo ser descrito com rigor na multiplicidade dos seus elementos;

e) prevalecer nos contextos naturais a interacção entre indivíduos e ambiente integrando-se as informações que provêm da realidade com o critério de simultaneidade e combinando-se em planos distintos as estratégias metodológicas adoptadas;

f) o processo de pesquisa ser flexível e interrogativo, assentando em sucessivas tentativas de acção e reflexão, sem a regularidade da investigação clássica, assim se desenvolvendo conceitos, raciocínios e compreensões partindo das

séries de dados e não recolhendo dados para analisar modelos, hipóteses ou teoria preconcebidas;

g) o pesquisador qualitativo realizar, portanto, uma actividade de tipo exploratório, com valorização da interdisciplinaridade investigativa, numa pluralidade e riqueza de informações a requererem interpretações vinculadas a cada situação;

h) metodologicamente, poder aplicar-se diferentes técnicas (observação participante, histórias de vida, material autobiográfico, entrevistas, estudos de caso, documentos oficiais e particulares...), mas todas com carácter aberto, fluido e naturalista.

No documento Tese D António Franco P. Silva (páginas 106-111)