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Prevalência e relevância das perturbações mentais na adolescência

No documento Literacia em saúde mental em adolescentes (páginas 66-71)

PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO DO ESTUDO

CAPÍTULO 4 EPIDEMIOLOGIA E RELEVÂNCIA DAS PERTURBAÇÕES MENTAIS NA ADOLESCÊNCIA

2. Prevalência e relevância das perturbações mentais na adolescência

À semelhança do estudo realizado para a população adulta por Caldas de Almeida e colaboradores, torna-se imperiosa a realização de um estudo epidemiológico nacional que possa fornecer dados fiáveis na área da saúde mental da infância e adolescência. Pela inexistência de um estudo similar para a população com idade até aos 18 anos em Portugal, iremos analisar alguns dados globais.

Existe alguma evidência de que os problemas de saúde mental em crianças e adolescentes têm aumentado, constituindo uma verdadeira pandemia, e que muitos terão uma continuidade na vida adulta (Santos, 2015).

Amorim Gabriel Santos Rosa

Segundo a Rede de Referenciação Hospitalar de Psiquiatria da Infância e da Adolescência, as perturbações mentais são o principal problema de saúde pública na Europa, e um dos principais em todo o mundo, para todos os grupos etários (Coordenação Nacional para a Saúde Mental/Administração Central do Sistema de Saúde, 2011).

Mais de 50% das perturbações mentais têm o seu início durante a adolescência. Os problemas de saúde mental podem ser encontrados em 10% a 20% dos adolescentes, com taxas mais altas nos grupos mais desfavorecidos da população (Feitosa, Ricou, Rego & Nunes, 2011; WHO, 2001).

No mesmo sentido, a OMS estima que cerca de 20% das crianças e adolescentes apresente pelo menos um problema de saúde mental antes de atingir os 18 anos de idade (WHO, 2003). Esta estimativa vem confirmar os dados da OMS Europa e da Academia Americana da Psiquiatria da Infância e Adolescência [AACAP], que indicavam que uma em cada cinco crianças/adolescentes apresentava evidência de problemas mentais (AACAP, 1999) e destas, cerca de metade desenvolve uma perturbação psiquiátrica com reflexo na idade adulta (Coordenação Nacional para a Saúde Mental [CNSM]/Administração Central do Sistema de Saúde [ACSS], 2011), comprometendo o processo de aprendizagem e implicando diminuição da qualidade de vida e aumento de consumo de cuidados (WHO, 2001).

Por outro lado, muitas das dificuldades ao nível da aprendizagem, da atenção e da instabilidade psicomotora, do comportamento, da indisciplina e da violência, auto ou heterodirigida, corresponderão a manifestações de um sofrimento emocional acentuado (DGS, 2015).

O programa nacional saúde escolar – 2015, baseando-se nos dados do “Global Health

Data Exchange” que considerou a carga das doenças transmissíveis, não transmissíveis

e os acidentes (intencionais e não intencionais) durante a infância e a adolescência, utilizando o DALY enquanto unidade de medida, refere que, em 2010, a maior carga de doença expressa em anos de vida perdidos, foi devida a perturbações mentais e comportamentais, com um peso de 22% entre os 5 e os 14 anos e 26% entre os 15 e os 19 anos (DGS, 2015).

Os comportamentos de risco, designadamente o consumo de substâncias psicoativas, as problemáticas da ansiedade, depressão e risco suicidário e as lesões autoinfligidas, entre outras, emergem nesta faixa etária e constituem as problemáticas com prevalência mais significativa durante a adolescência, requerendo intervenções específicas ao nível da

avaliação e do tratamento (DGS, 2015). Destas, a ansiedade e a depressão são as mais comuns (WHO, 2012).

Apesar das estimativas produzidas por entidades como a OMS, em estudos epidemiológicos internacionais, a prevalência estimada das perturbações psiquiátricas na infância e adolescência apresenta ampla variação.

Apesar de algumas limitações metodológicas dos estudos que investigam a prevalência das perturbações em diferentes culturas (e.g. instrumentos, definição das perturbações), a evidência indica taxas de prevalência entre 9% e 16% em países desenvolvidos (Feitosa et al., 2011). No entanto, alguns estudos têm mostrado taxas de prevalência mais elevadas em crianças e adolescentes que vivem em países em desenvolvimento, quando comparados aos seus pares de países desenvolvidos, provavelmente devido às baixas condições socioeconómicas e às maiores dificuldades ambientais enfrentadas pelas crianças e adolescentes que vivem em países menos desenvolvidos (Belfer & Rhode, 2005)

Um estudo realizado por Merikangas, Nakamura e Kessler (2009) fornece uma revisão da magnitude das perturbações mentais em crianças e adolescentes, baseando-se na revisão de um conjunto de pesquisas realizadas em todo o mundo. Embora existam variações substanciais nos achados, baseadas nas caraterísticas metodológicas dos estudos, os resultados convergem em demonstrar que aproximadamente um quarto dos participantes sofreu de uma perturbação mental nos últimos 12 meses e cerca de um terço ao longo das suas vidas. As perturbações de ansiedade são as mais frequentes com uma taxa de prevalência média de 8%, com uma gama extremamente ampla de estimativas, variando entre 2% e 24%. As perturbações do humor, do comportamento, e de abuso de substâncias ocupam as posições seguintes, com taxas de prevalência média entre os 4% e 5%.

A variação das taxas em todo o mundo pode ser atribuída a fatores metodológicos e também a diferenças reais na magnitude dos distúrbios em crianças e adolescentes. As raparigas têm taxas mais elevadas de perturbações do humor e de ansiedade, e os rapazes têm taxas mais elevadas de perturbações comportamentais. Por outro lado, há uma proporção de género semelhante para os problemas relacionados com o abuso de substâncias. A Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção e as perturbações de ansiedade apresentam uma maior tendência para se iniciarem na infância, enquanto o início das perturbações do humor tende mais para o final da adolescência (Merikangas et al., 2009).

Amorim Gabriel Santos Rosa

Bagalman e Cornell (2016) realizaram um levantamento da prevalência das perturbações mentais nos Estados Unidos, tendo utilizado os resultados de diversos estudos, incidindo sobre diferentes populações. No que respeita aos adolescentes, a prevalência estimada de problemas de saúde mental de qualquer tipo, em 12 meses, era de 40,3%. No que respeita às perturbações mentais, a análise resultou numa prevalência de 12 meses de 8,0%, sendo na sua maioria situações leves (58,2%), ou moderadas (22,9%).

Se considerarmos que, como tem sido demonstrado em alguns estudos, distúrbios leves durante a adolescência podem predizer perturbações graves durante a idade adulta (Kessler et al., 2012), e que as perturbações mentais comuns (depressão e ansiedade) são tratáveis, e potencialmente evitáveis (Barrera, Torres & Munoz, 2007), podemos compreender a importância da promoção da LSM enquanto fator determinante para a prevenção, deteção precoce, tratamento e recuperação das perturbações mentais na adolescência (Yung et al., 2007), traduzindo-se em comportamentos adequados de procura de ajuda profissional.

Um estudo realizado em Portugal por Matos e Carvalhosa (2001) com uma amostra de 6903 adolescentes, com idades compreendidas entre os 11 e 16 anos, concluiu que 80,7% dos participantes apresentavam sintomas psicológicos, entre os quais: ‘sentir-se deprimido’, ‘irritabilidade ou mau temperamento’, ‘nervosismo’ e ‘dificuldade em adormecer’. As participantes do género feminino foram as que apresentaram maior prevalência dos referidos sintomas.

O atendimento de adolescentes com problemas de saúde mental apresenta caraterísticas particulares que o diferenciam consideravelmente do atendimento de adultos, pois as questões relacionadas com o desenvolvimento têm um papel determinante nessa etapa do ciclo vital. Além disso, as perturbações psiquiátricas de adolescentes apresentam um grau de co morbilidade significativamente maior do que é encontrado nos adultos, com importantes implicações para o processo de diagnóstico e para as abordagens terapêuticas dessa população (Rhode et al., 2000, citados por Esposito & Savoia, 2006). Considerando a importância preventiva dos programas de saúde mental infantil e juvenil, estes dados podem servir como indicadores de um grave défice ao nível da prevenção e intervenção precoce nos problemas de saúde mental, principalmente durante a adolescência.

A evidência disponível sobre a magnitude da prevalência e impacto das doenças mentais, em conjunto com a crescente informação sobre a escandalosa dimensão do treatment

gap destas doenças, mostram que é urgente manter e reforçar a posição da saúde

(WHR), “Mental Health – a new understanding, a new hope” (WHO, 2001), sublinhava com clareza o reconhecimento de que só o desenvolvimento de novo conhecimento sobre a natureza, as causas e a epidemiologia das perturbações mentais, e uma nova compreensão da efetividade das intervenções e serviços de saúde mental, poderia abrir caminho a uma nova esperança em relação à diminuição do treatment gap das perturbações mentais. Nós acrescentaríamos que, para além disso, é fundamental reforçar a promoção da LSM, sobretudo em populações adolescentes.

Amorim Gabriel Santos Rosa

CAPÍTULO 5

No documento Literacia em saúde mental em adolescentes (páginas 66-71)