• Nenhum resultado encontrado

Procura de ajuda: conceitos e teorias

No documento Literacia em saúde mental em adolescentes (páginas 53-58)

PARTE I ENQUADRAMENTO TEÓRICO DO ESTUDO

CAPÍTULO 3 TEORIAS DE PROCURA DE AJUDA

1. Procura de ajuda: conceitos e teorias

Procura de ajuda em saúde mental é um conceito complexo, assente num conjunto de teorias e modelos que, sendo diferenciados, convergem na necessidade de considerar a importância dos aspetos psicológicos e sociais nos comportamentos de procura de ajuda em saúde (Gulliver, Griffiths, Christensen & Brewer, 2012; Jorm, 2012).

O conceito é geralmente usado como referência ao comportamento de procura ativa de ajuda através da comunicação com outras pessoas para obter informação, aconselhamento, tratamento e apoio geral, em resposta a um problema ou uma experiência angustiante. É, pois, uma forma de enfrentamento da situação, baseada em relações sociais e habilidades interpessoais (Rickwood et al., 2005), sendo uma componente significativa dos programas de educação, promoção e sensibilização para a

saúde e prevenção das doenças mentais, sobretudo em adolescentes e jovens (Biddle, Donovan, Sharp & Gunnell, 2007, citados por Loureiro, 2013b; Rickwood et al., 2005). A procura de ajuda comporta diferentes estágios, nomeadamente o reconhecimento e consciência do problema e do modo como este afeta o indivíduo, requerendo a ajuda de outra pessoa; a perceção da capacidade para expressar os sintomas através da linguagem, e que o outro (profissional) o entende e valoriza; a análise da disponibilidade das fontes de ajuda que podem contribuir para a resolução do problema; vontade em procurar ajuda; e decisão para a ação (Loureiro, 2013b).

A ajuda pode ser procurada em diversas fontes com diferentes níveis de formalidade. Os estudos identificam dois tipos de fontes de ajuda utilizadas, as formais e as informais (Rosa et al., 2014b). As fontes de ajuda informais aproximam-se das relações sociais e compreendem o apoio de amigos e familiares. As fontes formais englobam essencialmente as ajudas profissionais de técnicos com formação adequada e um papel reconhecido ao nível da capacidade de ajuda e aconselhamento, tais como os profissionais de saúde mental e outros profissionais de saúde.

Como ideal os adolescentes a experienciar problemas de saúde mental deveriam aceder a profissionais e serviços preparados para dar respostas ajustadas e eficazes. Porém, a realidade é outra. Os estudos mostram uma clara preferência dos adolescentes pelas ajudas informais, evidenciando maior intenção de procurar ajuda na família e nos amigos do que em fontes formais (médico, psiquiatra, psicólogo) tanto para as perturbações específicas como para problemas emocionais, pessoais e comportamentais (Sheffield, Fiorenza & Sofronoff, 2004; Yap, Reavley & Jorm, 2013). A família e os amigos são ainda considerados como um importante suporte social (Scott & Chur-Hansen, 2008) e a principal resposta de ajuda a eventos stressantes (Olsson & Kennedy, 2010).

Mesmo a experiência atual ou prévia de doença não altera significativamente os comportamentos de procura de ajuda. Num estudo realizado com adolescentes com experiência prévia de doença (ansiedade e depressão) verificaram-se níveis muito baixos de utilização de fontes de ajuda formais. Só uma minoria (18,2% - Ansiedade; 23% - Depressão) dos participantes recebeu tratamento, e destes, a maioria em ambulatório (Essau, 2005). Noutro estudo foram analisados os comportamentos de procura de ajuda relacionados com a carga e intensidade de sintomas de ansiedade e depressão, verificando-se que só uma minoria dos adolescentes com problemas de depressão e ansiedade é que procura ajuda profissional (6,9% e 35% nas situações mais graves) (Zachrisson, Rödje & Mykletun, 2006).

Amorim Gabriel Santos Rosa

Cada vez mais, no entanto, a ajuda pode ser solicitada a partir de fontes, tais como a internet e o SMS, que não envolvem o contacto direto com outras pessoas. Alguns estudos têm enfatizado a importância das novas tecnologias nos comportamentos de procura de ajuda, pondo em evidência a importância da internet (Essau, 2005; Scott & Chur-Hansen, 2008); da utilização de linhas telefónicas de ajuda (Essau, 2005; Olsson & Kennedy, 2010); e da utilização do SMS nos meios rurais, como forma menos confrontacional de comunicar e de pedir ajuda (Scott & Chur-Hansen, 2008).

Estes recursos e fontes de ajuda menos especializados, disponibilizados através das novas tecnologias, têm mostrado ser eficazes no envolvimento dos adolescentes e jovens em idade de transição e melhorar a sua capacidade de reconhecer, identificar e receber ajuda adequada para os problemas de saúde mental de uma forma acessível e não ameaçadora (Rowlands, Loxton, Dobson & Mishra, 2015).

O uso de serviços de saúde é um comportamento complexo, determinado por uma grande variedade de fatores.

O estudo dos percursos de acesso aos cuidados de saúde mental permite compreender e analisar os padrões de procura de ajuda de uma determinada população, através da caraterização dos utentes, dos intervenientes no processo de prestação de cuidados e do tempo decorrido entre cada contacto com profissionais de saúde, entre outras variáveis. Estes estudos surgem em 1991, tendo como base o modelo de Goldberg-Huxley, que descreve a forma como os utentes tendem a procurar ajuda para problemas de saúde mental (Ramos & Oliveira, 2012).

Este modelo é composto por cinco níveis sequenciais de cuidados, desde os cuidados de saúde primários até aos cuidados psiquiátricos especializados, separados entre si por filtros, que correspondem à decisão clinica de referenciação para o nível seguinte.

Por norma, a porta de entrada nos serviços de saúde é o médico de Medicina Geral e Familiar, cabendo-lhe também a responsabilidade de referenciação das situações para níveis mais diferenciados de cuidados. No entanto, vários estudos (e.g. Commander, Dharan, Odell & Surtees, 1997; Compton, Esterberg, Druss, Walker & Kaslow, 2006) têm demonstrando que nem sempre os utentes utilizam a sequência prevista no modelo de Goldberg-Huxley.

A análise dos trajetos percorridos no processo de procura de ajuda para problemas de saúde mental pode ser um auxiliar importante na deteção de tendências, atrasos e bloqueios na procura de ajuda, permitindo modelar a alocação de recursos de saúde na área em estudo, mas, sobretudo, direcionar intervenções para a melhoria do acesso aos cuidados (Ramos & Oliveira, 2012).

Importa, pois, compreender, para além dos trajetos no processo de procura de ajuda, a relação existente entre a utilização dos serviços, traduzida em comportamentos de procura de ajuda, e os seus determinantes. Esta relação pode ser melhor compreendida por meio de modelos teóricos explicativos. Várias teorias e modelos têm sido utilizadas, contudo, nenhuma foi amplamente aceite.

Teoria do Comportamento Planeado

A Teoria do Comportamento Planeado (TCP) postula que a intenção de executar um comportamento pode ser predita por meio da avaliação das atitudes individuais para com o comportamento, das normas subjetivas associadas e da perceção de controlo sobre a sua execução, ou seja, pretende explicar a forma como as atitudes, normas subjetivas, e controle percebido sobre o comportamento interagem para influenciar intenções e, consequentemente, o comportamento (Ajzen, 1985; 1991; Ajzen & Fishbein, 1980). A teoria enfatiza, portanto, a importância de ter uma abordagem multidimensional para descrever o que influencia a intenção de uma pessoa executar um comportamento. Por exemplo, se um indivíduo é maioritariamente influenciado por normas subjetivas que se opõem aos comportamentos de procura de ajuda (e.g. estigma, crenças negativas), então, qualquer tentativa para influenciar a intenção dessa pessoa procurar ajuda psicológica pode ser frustrada se a mudança de atitude for o único foco da sua intervenção.

Modelo de Crenças em Saúde

A abordagem do modelo de crenças em saúde (MCS) pretende explicar que fatores podem inibir ou estimular um indivíduo a utilizar os serviços de saúde mental. Postula que a decisão de realizar um comportamento é dependente da avaliação do indivíduo sobre a ameaça da doença e da sua gravidade, das barreiras percebidas e dos benefícios do próprio comportamento (Rosenstock, 1966).

Centrando-se numa abordagem sociocognitiva, o MCS sugere que as pessoas tendem a envolver-se num determinado comportamento relacionado com a saúde quando acreditam que o problema pode ter consequências graves, por exemplo para as atividades de vida diária, quando acreditam que a intervenção é eficaz ou quando percebem poucas barreiras para a ação (Henshaw & Freedman-Doan, 2009).

Quando utilizado na área da saúde mental, o modelo oferece uma estrutura para o desenvolvimento e avaliação de programas destinados a melhorar os níveis de LSM e a

Amorim Gabriel Santos Rosa

utilização adequada de ajudas, tendo sido utilizado anteriormente para a compreensão dos comportamentos de procura de ajuda para problemas de saúde mental na população em geral.

Modelo Comportamental de Andersen

O Modelo Comportamental de Andersen foi desenvolvido em 1968 tendo como objetivo compreender e avaliar comportamentos de uso de serviços de saúde, definir e medir o acesso equitativo aos serviços e auxiliar na implementação de políticas promotoras da equidade no acesso (Andersen, 1995).

Pavão e Coeli (2008) remetem-nos para o processo de elaboração do modelo assente em quatro fases distintas:

A primeira fase do modelo (década de 60) considera os fatores predisponentes (informações demográficas, estrutura social, crenças em saúde), os fatores capacitantes (fatores individuais e familiares, fatores da oferta de serviços na comunidade) e a necessidade em saúde (perceção individual do estado de saúde e estado de saúde real) como determinantes do uso dos serviços. Uma das hipóteses do modelo é que o uso de diferentes tipos de serviços pode ser explicado por diferentes tipos de fatores.

A segunda fase do modelo (década de 70) carateriza-se pela inclusão do sistema de saúde ao nível das políticas em saúde, recursos financeiros e aspetos organizacionais, como mais um determinante do uso dos serviços, introduzindo o conceito de satisfação do consumidor. O uso dos serviços de saúde deixa, portanto, de ser o desfecho final do modelo e passa a ser um desfecho intermediário para o desfecho final da satisfação do consumidor.

Na terceira fase (décadas de 80 e 90), passaram também a ser considerados os resultados em saúde (perceção individual do estado de saúde e estado de saúde real) conjuntamente com outros resultados do uso de serviços. Foi ainda introduzida a ideia de que práticas individuais de saúde, como o exercício físico e a alimentação, são fatores que interagem com o uso dos serviços e, consequentemente, influenciam os seus resultados, apesar de não serem considerados determinantes.

Finalmente, a última fase do modelo ou modelo emergente, coloca o ênfase na natureza dinâmica da utilização dos serviços, incluindo as múltiplas influências dos determinantes no uso e, consequentemente, nos resultados em saúde, englobando as múltiplas relações de feedback entre os fatores predisponentes, a necessidade percebida, os comportamentos e os resultados em saúde. A presença de múltiplos determinantes

remete-nos para a complexidade existente no contexto da utilização de serviços de saúde. Contudo, a necessidade em saúde ainda é o fator mais proximal, sendo um importante preditor do uso dos serviços (Pavão & Coeli, 2008).

Este modelo tem sido aplicado na procura de tratamento para crises de pânico em adultos na comunidade (Goodwin & Andersen, 2002) e na busca de ajuda para problemas de saúde mental em refugiados (Portes, Kyle & Eaton, 1992).

Há também vários modelos que foram desenvolvidos especificamente para os comportamentos de procura de ajuda em saúde mental. A primeira abordagem conceptualiza um modelo dinâmico e explicativo dos motivos pelos quais os adolescentes e jovens não procuram ajuda. Este modelo descreve a ausência de comportamentos de procura de ajuda como um processo circular (ciclo de evitamento), influenciado por três fatores em interação: a conceptualização individual do sofrimento mental; as crenças sobre o significado da procura de ajuda para a sociedade; e a ação intencional de procurar ajuda (Gulliver et al., 2012).

Outro modelo que é também centrado nos comportamentos de procura de ajuda entre os jovens, conceptualiza a procura de ajuda profissional como um processo sequencial, iniciando-se com o desenvolvimento no indivíduo de uma tomada de consciência do problema, seguido da verbalização do problema e da necessidade de ajuda, a identificação das fontes de ajuda disponíveis e acessíveis ao indivíduo e, finalmente, a vontade do indivíduo para realmente procurar e expor-se às potenciais fontes de ajuda (Rickwood et al., 2005).

Trata-se da mesma dimensão do modelo de crenças em saúde, tendo sido provavelmente influenciado por este.

Dentre os modelos revistos, o modelo de crenças em saúde e o modelo de comportamental de Andersen foram os pioneiros. Este último incorporou o conceito das crenças em saúde como um dos determinantes do uso dos serviços e propôs ainda a discussão acerca de novos determinantes, como a necessidade e o acesso, que seriam incorporados pelos modelos subsequentes.

De seguida serão abordadas as principais barreiras e facilitadores da procura de ajuda profissional para problemas de saúde mental em adolescentes.

No documento Literacia em saúde mental em adolescentes (páginas 53-58)