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as possibilidades [de uma comunidade alargada a 12] são enormes, mas as dificuldades também são grandes.

“PRIMEIRO PASSO DE UM LONGO PROCESSO”

A 28 de Março de 1977, o embaixador português António de Siqueira Freire entregou o pedido de adesão português à CEE148 que, desde logo, representava o desejo “de entrar no clube das democracias políticas”149

, sendo comparado a “uma opção estratégica que marcaria, decisivamente, o futuro do país” (TEIXEIRA, 2005: 115), ou até mesmo “a decisão estratégica mais importante tomada até agora pelo regime democrático saído da Constituição de 1976” (FERREIRA, 2007: 19), iniciando-se com tal acto político- diplomático uma nova etapa do relacionamento entre Portugal e a CEE. Todavia, este acto fica marcado pelas tentativas que alguns Estados-membros, nomeadamente a França e a Bélgica, fizeram no sentido de Portugal não solicitar a adesão (TSOUKALIS, 1981: 138).

A entrega do pedido de adesão seguiu, porém, um fio condutor de aproximação, política e económica, à CEE, tendo contribuído para tal: (1) a clarificação da política externa portuguesa na sequência da aprovação da Constituição; (2) a opção pró-europeia de Mário Soares e do PS; (3) a necessidade de reorientar a economia; e (4) a vontade de antecipação quanto à Espanha na apresentação da candidatura (GAMA, 1993: 11), e uma estratégia bem definida: rapidez na apresentação do pedido de adesão e calma nas negociações150.

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Título da notícia que reporta a entrega do pedido de adesão, no jornal Comércio do Porto, de 29 de Março de 1977

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HAEU, BAC 250/1980 n.° 644; AHCE, BAC 79/1982 n.° 248/1. Nesse mesmo dia, David Owen receberia também uma carta do ministro dos Negócios Estrangeiros, José Medeiros Ferreira, a dar conta da missão incumbida ao Representante Permanente de Portugal junto das Comunidades Europeias, de entregar o pedido de adesão. Uma cópia do pedido de adesão foi também entregue ao embaixador Donald Maitland, presidente do Comité de Representantes Permanentes.

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Entrevista a José Medeiros Ferreira, a 26 de Novembro de 2011

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Portugal e a CEE em imagens (1974- 1979)

Legenda: Roy Jenkins visita Lisboa e é recebido por Mário Soares e Vítor Constâncio, em Novembro de 1977 (em cima); entrega do pedido formal de adesão de Portugal às Comunidades Europeias, a 28 de Março de 1977 (em baixo).

Fonte: www.eurohspot.eu/

De acordo com Andrew Moravcsik e Milada Vachudova, “a adesão tem permanecido um assunto de puro interesse nacional” (MORAVCSIK and VACHUDOVA, 2002: 1), sendo que a decisão de apresentar uma candidatura é sobretudo determinada pela política nacional do candidato, uma vez que a CEE/UE nunca solicitou candidaturas, nem convidou qualquer Estado, embora os Estados-membros possam, individualmente, encorajar ou “patrocinar” não oficialmente uma candidatura (PRESTON, 1997: 10).

Cada alargamento é único sob vários aspectos, o que lhe confere uma singularidade própria, assim como um carácter distinto dos demais. Porém, existem algumas características que são recorrentes nos vários alargamentos, como sejam as motivações quer dos candidatos quer dos Estados-membros, a forma como se lida com o processo, que é desencadeado e gerido pela elite, e o impacto do alargamento para o aprofundamento (NUGENT, 2004: 58-65).

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No caso dos candidatos, as motivações, com algumas variações caso-a-caso, são de origem económica e política, o mesmo acontecendo com os Estados-membros, nomeadamente a nível das vantagens perante a expansão do mercado interno, o que sugere que o alargamento é baseado “nos interesses convergentes dos actuais e potenciais Estados- membros” (MORAVCSIK and VACHUDOVA, 2002: 1; 2003: 43), os primeiros porque consideram que o alargamento proporciona benefícios económicos (oportunidades comerciais) e geopolíticos a longo prazo; os segundos porque a adesão lhes concede acesso ao maior mercado comum e o reforço dos laços com o Ocidente.

No caso do alargamento a Leste, de 2004, Walter Mattli e Thomas Plümper (2009: 54-58) analisam os argumentos teóricos usualmente referidos como factores presentes do lado da “oferta” [supply], ou seja, dos Estados-membros e que estão relacionados com: (1) as externalidades negativas, isto é, quando um Estado candidato não apresenta benefícios económicos evidentes para a UE, mas ameaça a sua estabilidade, segurança ou prosperidade, sob a forma de instabilidade política ou conflitos sociais; (2) os benefícios económicos advenientes, sobretudo para as multinacionais exportadoras; (3) as regras comunitárias de orientação pró-europeia e liberal, também designado por “armadilha retórica”.

Destes argumentos, o primeiro e o último não satisfazem completamente os autores que apontam as suas falhas, nomeadamente que tipo de integração a UE está disposta a conceder a esses países de modo a evitar esses constrangimentos externos, assim como a retórica a favor do alargamento não teve muito impacto, nem poder, nos anos 90, não se distinguindo, com clareza, se a abertura das negociações foi o resultado dessa “armadilha retórica” ou antes de ameaças veladas ou em troca de contrapartidas dos maiores e mais ricos Estados-membros favoráveis ao alargamento.

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O caso português não é excepção, em nenhum dos pontos referidos acima. E tem sido apontado como exemplo e comparação para o alargamento a Leste, na sua vertente de apoio à consolidação democrática e ao desenvolvimento económico151.

De entre os motivos apresentados como suporte à candidatura portuguesa, os mais referidos são precisamente a consolidação democrática, por um lado, e o desenvolvimento económico, por outro. Como refere Dudley Seers, tanto em Portugal, como em Espanha e anteriormente na Grécia, as justificações subjacentes às respectivas candidaturas, eram “vagas e cautelosas”, admitindo-se que a adesão reforçasse a democracia ou fortalecesse a actividade económica, “crenças essas que dificilmente constituiriam uma base suficiente para um passo que envolvia abdicar de uma parte considerável de soberania”, sendo que, por esta altura, os requisitos sociais e económicos intrínsecos à adesão foram vagamente considerados (SEERS, 1982: 8).

151

Ver, por exemplo: ÁLVARES, Pedro (1999), L'Élargissement de l'Union Européenne et l'Éxperience des

Négociations d'Adhésion du Portugal, Oeiras, Instituto Nacional de Administração, em cuja obra o autor

compara as negociações portuguesas com as do alargamento de 2004, em diversas áreas, como a concorrência, pescas, relações externas, fiscalidade, política social, mercado interno, nas quais encontra semelhanças entre ambas as negociações; ROYO, Sebástian (2007), “Lessons from the Integration of Spain and Portugal to the EU”, Political Science and Politics, vol. XL, No. 4, New York, American Political Science Association, pp. 689-693, em cujo artigo são evidenciadas algumas lições, sendo elas o requisito democrático como um incentivo para a democratização e reforma institucional; o êxito económico direcciona a opinião pública; os termos de adesão não são sempre finais; a adesão tem benefícios e custos económicos; o

acquis como imperativo de mudança; e os padrões de imigração podem ser alterados; e, mais recentemente,

SCHUKKINK, Martijn & NIEMANN, Arne (2012), “Portugal and the EU’s Eastern Enlargement: A Logic of Identity Endorsement”, European Integration online Papers (EIoP), Vol. 16, Article 12, disponível em http://eiop.or.at/eiop/texte/2012-012a.htm, a 31/07/2012, cujos autores argumentam que o apoio português ao quinto alargamento foi sempre baseado nos conceitos de escolha democrática, estabilidade e abertura, presentes desde as negociações de adesão portuguesa.

Tabela VI: reflexões sobre os motivos para solicitar a adesão

Motivos Autor

“o desejo de aderir à CE era ao mesmo tempo causa e efeito da

mudança económica, social e política e redefinição das identidades e orientações nacionais”

BIDELEUX, 1996: 127 “necessidade de se encontrar uma resposta para a pergunta sobre

o que fazer depois da descolonização”; “gestão do ciclo político, fazendo coincidir o período eleitoral com a apresentação de um novo futuro para o País”

CASTRO, 2010: 155

restauração da democracia, descolonização; importância dos laços económicos, comerciais, financeiros com os Estados-membros da CEE; emigração portuguesa; raízes, estruturas sociais e instituições são de matriz europeia; “o reconhecimento da complementaridade objectiva entre opção europeia e opção atlântica” (EUA, NATO); “uma certa ideia de Europa e do bem fundado do ideal da União Europeia justificado pela necessidade” (responder aos desafios da globalização, da segurança e da defesa, às relações com o terceiro mundo e salvaguarda dos valores essenciais da civilização ocidental e do humanismo)

CRAVINHO, 2007: 100-101

“consolidar a democracia pluralista”; “no plano económico, as alternativas seriam ou mais gravosas ou mesmo inaceitáveis nas suas implicações”

CUNHA, 1980: 49

estabilização da democracia portuguesa e o desenvolvimento económico

LEITÃO, 2007a: 207 fortalecimento do regime democrático e desejo de participar no

movimento de unidade europeia

LOPES, 1982: 67 “tapar a ferida deixada pela liquidação da herança colonial” LOURENÇO, 2005: 111 “integrar o País na 'família europeia', uma vez terminado o ciclo

do império africano; “Obter para a democracia portuguesa um 'seguro de vida' contra perigos subsistentes e uma garantia de condições de estabilidade e fiabilidade política”; “Beneficiar da integração económica europeia como alavanca do desenvolvimento económico”

MOREIRA, 1998: 84

procura de identidade nacional; opção por um modelo político, económico e social; e desenvolvimento a longo-prazo com países industrializados

PAYNO, 1983: 4 “uma maneira de não ser pequeno e marginal, para além da

promessa de prosperidade, neste caso associada à pertença a um clube de países ricos”

RAMOS, 2009: 748

consolidação do regime democrático em Portugal; procurar ajuda para o desenvolvimento

José Calvet de Magalhães in VASCONCELOS, 2005:

99

razões políticas VAITSOS, 1982: 243

Fonte: elaboração própria152.

152

Citações recolhidas em: BIDELAUX, Robert (1996), “The Southern Enlargement of the EC: Greece, Portugal and Spain”, in R. Bidelaux and R. Taylor (eds.), European Integration and Disintegration – East and

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Pese embora esta falta de ponderação mais séria e avisada, que se repetirá noutros momentos ao longo das negociações, o pedido de adesão representa o fim das “hesitações sobre a fórmula da integração portuguesa – fosse o estatuto de pré-adesão ou da chamada «associação privilegiada»” (TEIXEIRA, 2005: 115), e foi “uma das poucas vezes que tivemos uma política externa, que tivemos iniciativa”153

, sendo que, com a entrega do pedido de adesão, se enceta um processo que será concluído oito anos mais tarde com a assinatura do Acto de Adesão.

West, London, Routlegde, pp. 127-153; CASTRO, Francisco Niny de (2010), O Pedido de Adesão de

Portugal às Comunidades Europeias – Aspectos Político-Diplomáticos, Cascais, Principia; CRAVINHO,

João (2007), “Depoimento”, in N.S. Teixeira e A.C. Pinto (org.), Portugal e a Integração Europeia 1945-

1986 – A Perspectiva dos Actores, Lisboa, Temas e Debates, pp. 78-95; CUNHA, Paulo de Pitta e (1980), O Desafio da Integração Europeia, Lisboa, Imprensa Nacional–Casa da Moeda; LOPES, José da Silva (1982),

“Portugal and the EEC: The Application for Membership”, in J. A. Girão (ed.), Southern Europe and the

Enlargement of the EEC, Lisboa, Economia, pp. 67-93 [workshop realizada na Fundação Calouste

Gulbenkian, em Lisboa, entre 26 e 28 de Junho de 1980]; MOREIRA, Vital (1998), “A União Política Europeia e a Democracia Portuguesa”, in Portugal na Transição do Milénio – Colóquio Internacional, s. l., Fim de Século, pp. 83-98; PAYNO, Juan Antonio (1983), “Introduction: The Second Enlargement from the Perspective of the New Members”, in J. A. Payno and J. L. Sampedro (eds.), The Enlargement of the

European Community – Case-Studies of Greece, Portugal and Spain, London, The Macmillan Press Ltd., pp.

1-37; RAMOS, Rui (coord.) (2009), História de Portugal, Lisboa, A Esfera dos Livros; VAITSOS, Constantine (1982), “Conclusions: Economic Effects of the Second Enlargement”, in D. Seers & C. Vaitsos,

The Second Enlargement of the EEC – The Integration of Unequal Partners, New York, St. Martin's Press,

pp. 243-268;VASCONCELOS, Álvaro de (2005), Conversas com José Calvet de Magalhães – Europeístas e

Isolacionistas na Política Externa Portuguesa, Lisboa, Bizâncio 153