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Primeiros passos e retrocessos (2001-2002)

3.4 Revolução Bolivariana

3.4.2 Primeiros passos e retrocessos (2001-2002)

A Assembleia Constituinte logrou mobilizar a população para o debate em torno de uma nova Constituição Nacional, cujo primeiro passo foi consultar a população através de um referendo para saber se estava de acordo com essa iniciativa. O referendo foi aprovado com 87,75% dos votos válidos, dando início a uma campanha pela eleição dos membros da Assembleia Constituinte e ao debate em torno do conteúdo da nova Carta Magna. A campanha foi massiva, envolvendo toda a população no processo, pois qualquer cidadão independente – professores, intelectuais, líderes de movimentos sociais, etc. – podiam reunir assinaturas para sua postulação como candidato. Uma vez instaurada a Assembleia, seu objetivo era elaborar a nova constituição incorporando as propostas que chegavam dos diversos setores organizados da sociedade, desde indígenas e sindicatos, a universidades e inclusive o setor empresarial. Uma vez pronto, o documento foi submetido à aprovação popular através de um novo referendo realizado em dezembro do mesmo ano e aprovado com 71,78% dos votos válidos (CNEb). Esta foi a primeira vez na história do país que a Constituição, o documento que rege toda a estrutura jurídica do país, é submetida para aprovação por aqueles diretamente afetados, a população. A Constituição estabelece entre seus objetivos fundamentais o pleno desenvolvimento humano e que a democracia participativa é o meio para alcançar tal objetivo. (LEBOWITZ, 2006, passim)

No ano de 2001, seguindo ordenamento da constituinte, foram decretadas três leis: a Lei de Hidrocarbonetos, que determina como bem público, propriedade da República todas jazidas de minério e hidrocarbonetos do país (VENEZUELA, 2006, Art.3) estabelece que toda atividade relacionada ao hidrocarbonetos é de interesses social e utilidade pública (op. cit., Art.4) e que os lucros da empresa deveriam ser dedicados a investimentos sociais em educação, saúde e infraestrutura (op. cit., Art.5); a Lei de Pesca e Aquicultura, que impunha diversas limitações à pesca de arrasto e comercial a favor dos pequenos pescadores artesanais (VENEZUELA, 2014, Art.2), assim como reconhecia direitos trabalhistas e científicos aos

pequenos aquicultores e pescadores artesanais e considera todo patrimônio biológico e genético como propriedade pública (op. cit., Art.6); e a Lei de Terras e Desenvolvimento Agrário, que prevê em seu Primeiro artigo o fim do latifúndio e da terceirização no campo (VENEZUELA, 2001, Art.1), promove a autogestão coletiva para o desenvolvimento e mecanização do campo (op. cit., Art.5) e reconhece os direitos de camponeses que ocupam terras e desempenham nelas atividades produtivas. (op. cit., Art.89-90). Estas leis estavam de acordo com um processo de transformação das bases econômicas do país e tocava alguns pontos essenciais destas; o que não ficou sem resposta de setores que viram seus privilégios ameaçados. No ano seguinte, é orquestrado um Golpe de Estado em 11 de abril, mas o presidente é restituído a seu cargo dois dias depois devido a uma mobilização em massa da população e, eventualmente, seu resgate por uma parte do exército.

No final de 2002, a Federação de Câmaras e Associações de Comércio e Produção da Venezuela (FEDECAMARAS) convoca a uma paralisação geral da produção com o intuito de causar instabilidade no país e pressionar o presidente a renunciar. Em dezembro de 2002, empresários e patrões de fábricas mandaram os trabalhadores a suas casas afirmando que a produção seria retomada quando o presidente renunciasse. Os grandes centros comerciais e cadeias de distribuição fecharam suas portas ou criavam uma escassez ao não disponibilizar produtos de necessidade básica. No dia 02 de dezembro, a alta gerência e diversos empregados de administração da estatal PDVSA abandonaram seus postos, o acesso aos sistemas de controle da produção foram bloqueados, os trabalhadores foram enviado a suas casas, tripulações de navios cargueiros com combustível não atracavam nos portos, tudo como parte de uma tentativa de paralisar totalmente a produção de petróleo (PDVSA, 2005a). Como resposta, os trabalhadores iniciam um processo de toma e controle de diversas unidades produtivas em todo o país, em pé de luta contra a ofensiva patronal e em defesa do processo de transformação que o país atravessava; foi graças a esse esforço dos trabalhadores que foi possível dar continuidade ao processo político que o país estava atravessando. O caso da PDVSA foi particularmente elucidativo. Grupos de trabalhadores auto-organizados desobedeceram as ordens da alta administração da PDVSA e se dirigiram a seus locais de trabalho para retomar a produção; no entanto, o sistema de automação e controle estava bloqueado, as senhas de acesso dos trabalhadores inválidas e parte deste controle de acesso se realizava de maneira remota, a partir da empresa multinacional estadunidense prestadora do serviço de automação. Os trabalhadores organizaram círculos de combate ao 'paro petrolero' para estudar o sistema e tentar contorná-lo, passando grande parte da produção ao módulo manual enquanto tentavam quebrar o código dos programas; participaram também

trabalhadores aposentados e professores universitários comprometidos com o resgate da empresa, assim como membros das comunidades ao redor. Os trabalhadores conseguiram, finalmente, no dia 11 de janeiro, recuperar a gestão de dados da empresa; no dia 13, foram desbloqueadas as senhas de acesso e impedido o acesso remoto por parte da empresa Intesa; no dia 21 de fevereiro, o sistema informático estava totalmente restaurado; no dia 31 de março, o paro, que já havia sido flexibilizado, é oficialmente levantado (PDVSA, 2005b). Apesar de passar o feriado de fim de ano em busca de comida e combustível, o povo da Venezuela não ficou sem eletricidade graças à Federação de Trabalhadores Eletricitários, que se organizou e tomou o controle das unidade de geração e distribuição, inclusive organizando turno de guarda em lugares estratégico para impedir sabotagens ao sistema elétrico. Estes são dois exemplos que ilustram o compromisso dos trabalhadores com a Revolução Bolivariana; ao mesmo tempo, demonstram que apenas com sua participação é possível ter o controle da produção nacional e que a patronal se torna supérflua quando os trabalhadores estão determinados e organizados para a gestão; no entanto, não foram os dois únicos casos.

Diversos grupos de trabalhadores se organizaram para impedir o fechamento de seus locais de trabalho, em uma onda de recuperação de fábricas similar à que se viu na Argentina durante a crise de 2001; porém o caráter político era mais evidente no caso venezuelano. Nos anos seguintes, o governo empreendia políticas de formação para o trabalho e de cooperativismo para combater os altos níveis de desemprego a tentar fomentar uma alternativa econômica e autogerida pela população. Paralelamente, implementava as medidas para estabelecer uma nova forma de governo, a democracia direta e participativa através dos Conselhos Comunais.