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Os primeiros passos do semi-profissionalismo: o início e o fim do mito do amor à camisola

Para além de ter contribuído para a deserção de mais um clube das competições desportivas, o CIF, o triunfo do Olhanense deu-se num contexto de transformação organizacional, social e cultural do futebol português. A segunda metade da década de vinte marcou o triunfo do futebol operário e popular sobre o futebol elitista da década anterior. Para além do título do Olhanense, e dos bons resultados de equipas como o Casa Pia e o Vitória de Setúbal, outros clubes de bases populares, como o Marítimo, o Belenenses e o Carcavelinhos, também conhecido como o “Sparta de Alcântara”.

Neste contexto de popularização dos atletas e de ampliação dos públicos e da rede associativa, o debate entre os defensores do amadorismo mais puro e os advogados do profissionalismo condensa um conjunto de questões centrais para o entendimento da evolução do futebol em Portugal, as suas linhas de clivagem fundamentais e a forma como esse campo futebolístico se relacionou com a esfera política. Um debate que, no que concerne ao reconhecimento jurídico da natureza laboral do vínculo entre jogador e clube desportivo, só teve um epílogo na década de sessenta, como teremos oportunidade de detalhar na terceira parte. Neste período de praticamente quarenta anos foi-se gradualmente construindo o mito do “amor à camisola”, a nostalgia de um período remoto e inaugural do futebol em Portugal, no qual os atletas se moviam por paixão e valores morais mais do que pela busca do lucro, um tempo em que os amadores se sobrepunham aos que eram, no quadro dos valores ainda dominantes, classificados como mercenários.

Na memória de todos permanecia o exemplo de Artur José Pereira, que havia abandonado o Sporting Clube de Portugal, depois da conquista do título de 1918/1919, para fundar o “seu” clube, o clube do seu bairro. Ainda antes de ingressar no Sporting, Artur José Pereira integrou o Sport Lisboa e Benfica, reconstituído em 1908. Trabalhava simultaneamente na Farmácia Franco, berço daquele clube, se bem que dispondo de condições de trabalho bastante especiais, já que o proprietário da farmácia, Pedro Franco, era um grande apaixonado pelo futebol, mas também, e sobretudo, um empenhado sócio do Benfica. Não se conhecem exactamente os motivos da sua saída do clube. De acordo com alguns, terá que ver com o gradual corte da ligação entre o Sport Lisboa e a zona de

Belém. Por outro lado, a saída verifica-se depois de ter sido suspenso por seis meses pelo Benfica, no que poderia configurar uma rivalidade com o carismático líder benfiquista Cosme Damião. Seja como for, no final do campeonato de 1913/1914, em que o Benfica se sagrou tri-campeão de Lisboa, Artur José Pereira, considerado o melhor jogador português da época, protagonizou uma das primeiras grandes transferências do futebol português. Seduzido por Francisco Stromp, o rapaz de origens humildes e com a 5ª classe completa, mudou-se para o Sporting, com um acordo verbal, dada a impossibilidade de estabelecimento de contratos, para receber 36 escudos por mês, acentuando a já então notável rivalidade entre águias e leões.

Alguns anos mais tarde, e para concretizar o seu desígnio de voltar a jogar futebol em Belém, numa altura em que o seu irmão, regressado da I Guerra Mundial, representava o Benfica, pediu ao capitão do Sporting, Jorge Vieira, para interceder junto de Francisco Stromp, no sentido de este o “libertar” do Sporting. Num tempo em que jogadores, dirigentes e treinadores confraternizavam como iguais e muitas vezes trocavam de papéis, Stromp acedeu, segundo uma história oficial do Sporting, numa sentença que ficou na história do futebol português: “Ó Jorge, diz ao Artur que vá à merda e que funde o tal clube em Belém!”.212 Neste gesto fundacional foi acompanhado por outros jogadores que então militavam no Benfica. Ainda que centrando a sua actividade no futebol, o clube rapidamente abriria as secções de ginástica, atletismo, basquetebol, andebol, natação, ciclismo, ténis de campo, ténis de mesa e hóquei em campo.213

Um ano depois, em 1920, foi criado o Casa Pia Futebol Clube, outro dos clubes populares da zona Belém. A equipa da instituição que havia sido uma das pioneiras na introdução das actividades desportivas em Portugal,214 e que, no ano

212 Dias, Sporting Clube..., 121-127. Para uma biografia de Artur José Pereira veja-se Coelho e

Pinheiro, A Paixão..., 176-177 e ainda «Artur José Pereira ou a Origem do Belenenses», http://osbelenenses.blogspot.pt/2009/06/artur-jose-pereira-ou-origem-do.html acedido a 7 de Janeiro de 2014.

213 Acácio Rosa, Factos, Nomes e Números da História do Futebol Clube Beleneneses (Lisboa,

s/ed., 1960).

214 Criada por iniciativa de Dona Maria I e sob tutela do Intendente Pina Manique, para contribuir

para a recuperação e regeneração de parte da massa de indigentes e órfãos que circulavam pela Lisboa setecentista, a Casa Pia foi no século seguinte «pioneira do campo das actividades desportivas, introdutora da prática dos desportos modernos e divulgadora das sucessivas teorias de ginástica provenientes da Europa», constituindo um pólo fundamental na popularização do futebol português. Bruno do Carmo e Januário Barreto, alunos da instituição, introduziram o futebol na Casa Pia, em 1893. No ano seguinte uma equipa da Casa Pia disputou o seu primeiro jogo com o Grupo Académico, composto por alunos da Escola Politécnica. Em 1898 um grupo português,

da sua formação, venceu o Campeonato de Lisboa, era composta exclusivamente por ex-alunos do Casa Pia. Na base da constituição do novo clube, encontrava-se a Associação Escolar da Casa Pia, fundada em 1912, que se distinguiu em diversos torneios escolares, então organizados sob a égide da Associação de Futebol de Lisboa. Para além de assegurar a participação da Casa Pia nos vários torneios desportivos que se realizavam no país, a associação desenvolvia também actividades de natureza beneficente e cariz cultural, através de diferentes grupos como a Associação do Bem, o Grupo Luz Soriano ou, mais tarde, o Ateneu Casapiano, promovendo récitas e mantendo em funcionamento um gabinete de leitura ao mesmo tempo que prosseguiam as aulas de ginástica, impulsionadas por Luís da Câmara Leme, grande entusiasta da ginástica científica, que não deixava de divulgar na imprensa a importância do método de Ling.

Entre os fundadores do novo clube, cuja primeira equipa foi composta por jogadores oriundos do Benfica, 215 mas também do Sporting, do Belenenses e até do CIF, pontificava o nome de Cândido de Oliveira. O capitão da selecção nacional abandonara no final da época anterior o Benfica, depois de garantida a conquista do título de campeão de Lisboa, para fundar o novo clube, da organização que era também apelidada de Universidade Plebeia e Faculdade dos Proletários. 216 Assim não sucedeu com outros benfiquistas de origem casapiana. Perante a debandada de quase uma dezena de jogadores - entre os quais se destacava igualmente António Pinho -, Cosme Damião e Ribeiro dos Reis mantiveram-se fiéis ao clube da águia, mais uma vez confrontado com a necessidade de lutar pela sobrevivência.

À semelhança do Belenenses, as diferentes equipas do Clube Atlético Casa Pia atingiram notoriedade na maioria das modalidades praticadas no clube naquela época: natação, o pólo-aquático, luta greco-romana, boxe, atletismo, ginástica e esgrima, esta última modalidade animada pelo jornalista desportivo formado por elementos da Casa Pia derrotou os até então imbatíveis ingleses do Carcavelos Club. A respeito do carácter pioneiro da educação física na Casa Pia de Lisboa veja-se, António Moraes Rocha e António Costa Sequeira, Contribuição para a História da Educação Física na Casa Pia de Lisboa (Lisboa, edição de autor, 1980), 9.

215 O Benfica foi, aliás, novamente, uma das equipas mais prejudicadas com a formação destes

dois novos clubes na zona de Belém. Depois de na década anterior ter perdido uma série de elementos para o Sporting, desta feita, em dois anos perdeu 10 jogadores para aquelas duas agremiações. Coelho e Pinheiro, A Paixão..., 182.

216 José dos Santos Pinto e Hélder Tavares, Casa Pia Atlético Clube, Ateneu Casapiano: 70 anos

Reynaldo Monteiro. Noutras zonas da cidade, como noutras zonas do país, outros clubes iniciavam paulatinamente as suas actividades, numa época que ficou conhecida como os tempos das balizas às costas, devido às difíceis condições logísticas e económicas em que se desenvolvia o futebol em Portugal. Neste primeiro momento de popularização do desporto, para além do processo de nacionalização dos praticantes, paralelo ao abandono dos membros da colónia inglesa, a grande diferença entre os membros dos diferentes grupos desportivos que se defrontavam nos pelados da época encontrava-se entre uma certa elite dos negócios, das profissões e do alto funcionalismo público e entre estudantes, intelectuais e artistas, aos quais se juntavam, em praticamente todos os clubes, um conjunto de homens de origens sociais mais modestas, mas dotados de um talento particular para o jogo.

Mas se este tipo de histórias, com as suas complexas e muitas vezes contraditórias tramas narrativas de amizade e rivalidade, traição e generosidade, marcaram a imaginação fundacional do futebol, a circulação de jogadores era um dado quotidiano relatado na imprensa. Um fenómeno que suscitava um intenso debate emaranhado num conjunto de valores morais, classistas e desportivos, muitas vezes antagónicos entre si. Quando em 1923, num editorial da Gazeta

Desportiva, Cândido Oliveira defendeu o profissionalismo no futebol este era já

um facto recorrente no quotidiano futebolístico. Aos seus detractores, considerava o jornalista, não restavam “outras armas eficazes que não sejam as da invocação de um ideal, do senso moral, da honra, da lealdade, da justiça desportiva. Têm toda a razão. Mas este é o seu único argumento sério e positivo. Ficam-se por aí.” Da aceitação desse ideal desportivo, ancorado na premissa de que “o desporto em geral, e o football em particular, só poderiam preservar a sua integridade e a sua pureza, se fossem praticados por criaturas livres de qualquer cuidado material”, Cândido de Oliveira deduzia que era “inevitável ou, pelo menos, admissível, que os desportistas de condição social modesta, sucumbam à tentação de juntar o útil ao agradável – praticando um futebol que se acomoda muito bem com certas vantagens materiais”.217

Subjacente ao repúdio do profissionalismo desportivo encontrava-se a crítica à comercialização dos desportos. Na imprensa procurava-se clarificar

217 Cândido de Oliveira, «Amadores e Profissionais, Na Sombra, A transferência dos ‘azes’»,

alguns dos pressupostos que guiavam aquelas críticas, nomeadamente no que dizia respeito ao carácter lucrativo das empresas desportivas. No ano seguinte, em 1924, num momento em que “pasma meio mundo perante as grandes receitas provenientes dos desafios de futebol... a grande massa, essa, acredita que tais desafios são chuva de oiro que torna em Cresus as empresas que se abalançam, ou brilhante negócio para a aplicação de capitais”, Júlio de Araújo, 218 que havia sido o presidente do Sporting entre 1922 e 1923, procurava relativizar alguns das impressões que contribuíam para a formação daquele espanto. No Diário de

Lisboa, ao realizar o balanço de três séries de jogos internacionais, que haviam

trazido a Lisboa as equipas do Rapid de Viena, Sparta de Praga ou do Nuselsky, também de Praga, que derrotou o Império por uns impressionantes 11-0, Júlio de Araújo concluía que o “erro da maioria dos que comentam as grandes receitas proveio do facto de considerarem tais receitas como lucros”. Não só a obtenção de lucros não fora a ideia que, para Júlio Araújo, havia conduzido ao convite àqueles três clubes como, argumentava ainda o cronista, a organização de encontros internacionais, especialmente com equipas conceituadas, desembocava a maior parte das vezes em prejuízo, já que aquelas exigiam habitualmente “subvenções elevadissímas”. Mais fundamentais eram os efeitos das receitas dos encontros de futebol nas restantes actividades desportivas dos clubes portugueses, “além de que as receitas obtidas destinam-se a obras de melhoramento e não de manutenção”. A concluir aconselhava que “descansem, pois, aqueles que julgam quasi escandalosas as receitas dos jogos de foot-ball. Os dinheiros provenientes não se destinam a dividendos de obrigacionistas, nem são tão fabulosos como se imagina.”219

218 Um dos fundadores do Sport Barreirense (1907) e presidente do Sporting Clube de Portugal em

dois períodos diferentes entre 1922 e 1925. Para a biografia de Júlio Araújo ver: Carlos Silva Pais,

«Júlio de Araújo (1891-1977)».

http://www.vinculadosaobarreiro.com/23julioaraujo/main_julioaraujo.html acedido a 22 de Janeiro de 2014. e «Júlio de Araújo». Em Wiki Sporting, a enciclopédia do Sporting Clube de Portugal. http://www.forumscp.com/wiki/index.php?title=J%C3%BAlio_de_Ara%C3%BAjo acedido a 22 de Janeiro de 2014.

219 Júlio Araújo, «O «foot-ball» e os «sports» ricos e pobres. A aplicação das receitas dos

desafios», Diário de Lisboa, 17 de Janeiro, 1924, 2. A crónica de Júlio Araújo surgia na sequência do encontro entre o Sporting e o Sparta de Praga, considerada uma das mais fortes equipas europeias da época, realizado a 13 de Janeiro de 1924 no Campo Grande, e ao qual terão assistido ao vivo «nove ou dez mil» espectadores, mesmo se «nunca a popularidade mimou os homens do Sporting. Quase todos os seus jogos têm sido feitos contra onze adversários em campo, e milhares de adversários fora dele». Para uma reportagem mais detalhada daquele encontro veja-se «O ‘Sparta’ de Praga empatou ontem com o ‘Sporting Club de Portugal’ por dois ‘goals’ a dois», Diário de Lisboa, 14 de Janeiro, 1924, 3.

O artigo de Júlio de Araújo pode ser lido como uma resposta, entre outros, a um editorial do Diário de Lisboa, assinado pelo jornalista Carlos Sérgio, em que este sublinhava o facto de o “meeting sportivo” do dia anterior apresentar uma “significação que não pode ser deixada passar em claro”, interrogando-se sobre “que manifestação conseguiria manter a pé firme e debaixo de chuva, dez mil pessoas?”. O jornalista que procurava ainda assim distinguir o “sport”, definido como “a tensão para a perfeição física, para uma maior harmonia plástica”, dos “espectáculos sportivos” tidos como “apenas uma consequência do actual momento de regeneração física”. Numa nota um pouco dissonante em relação a Júlio de Araújo, o cronista não deixou de alertar para os excessos do espectáculo desportivo, nomeadamente as questões económicas, reafirmando todavia a sua função de “meio mais eficaz de difusão” do sport. A ilustrar o artigo encontrava- se um desenho de Almada Negreiros intitulado “Uma defesa de Francisco Vieira, no desafio Sparta-mixto”.220

Noutras publicações, o chamado profissionalismo encoberto e a comercialização do desporto, eram debatido em termos menos cordiais. No jornal

Sport Ilustrado, em 1924, Armando Rato constatava que “escandalosamente, o

profissionalismo desmascarado, está tendo o seu início em Portugal” existindo no país “quem ganhe dinheiro jogando à bola, quem faça do «shoot» o seu modo de vida sem a preocupação que o foot-ball seja um «sport amador». Existe, sem receio de contestação, quem dê pontapés numa bola a troco de escudos, quem saia de entre a família, de entre a convivência dos amigos, para ir para longe auferir o suficiente para sustentar a sua vida, cheia de ócio, de mandrice e de vaidade”.221 O artigo de opinião surgia a propósito, entre outros casos, das transferências do jogador do Benfica, autor do primeiro golo da selecção portuguesa, Alberto Augusto, e de José da Fonseca, do Império, para o Braga, “por bons ordenados, hotel, deslocações pagas à parte e melhores gratificações no final da época”.222

Noutra coluna da mesma edição, era J. Ribeiro da Silva, quem exprimia a legítima repulsa dos “acérrimos adversários do profissionalismo” por uma “proposta vantajosa” que o Olhanense havia feito a Carlos Guimarães, guarda- redes internacional, para integrar a sua embaixada a Espanha para participar em

220 Carlos Sérgio, «O Sport», Diário de Lisboa, 14 de Janeiro, 1924, 1.

221 Armando Rato, «Há profissionalismo em Portugal», Sport Ilustrado, 25 de Outubro, 1924, 1. 222 «O que se diz», Sport Ilustrado, 25 de Outubro, 1924, 2.

cinco encontros, num momento que circulavam rumores que aquele clube havia exigido 12 contos aos franceses do F.C. de Cette para realizar um encontro amigável.223 Manuel Dias, por outro lado, na sua história do futebol no Porto, situa em 1933 a afirmação plena, ainda que fugaz, do profissionalismo oficial em Portugal. No Boavista, presidido por Artur Oliveira Valença, director do jornal

Sporting, o primeiro diário desportivo português, um dos inventores da Volta a

Portugal em Bicicleta e oposicionista militante,224 um “bom número de vitórias sobre variados adversários, incluindo os lisboetas Benfica e Sporting, desembocaram num pressionante boicote dos futebolistas amadores”, que levaram inclusivamente o clube a ser afastado das competições.225 Retornou rapidamente ao amadorismo oficial, que era igualmente reafirmando noutros locais, ao mesmo tempo que se multiplicavam as notícias sobre remunerações aos jogadores.226

O debate em torno da pureza do desporto, do amadorismo desinteressado e do amor à camisola não se ficava apenas pelas páginas dos jornais. A questão dividia os clubes e as suas direcções, muitas vezes ainda compostas pela geração dos fundadores. O caso mais representativo será a longa crise benfiquista de 1926, que opôs Cosme Damião e Ribeiro dos Reis, possivelmente os dois homens mais influentes da história do clube até então e fundamentais na forma como o Sport Lisboa e Benfica ultrapassou as sucessivas dificuldades que colocaram em causa a sua existência. A inauguração do campo das Amoreiras, a 13 de Dezembro de 1925, na presença de 15.000 espectadores, e numa altura em que o clube contava já com o apoio de 2000 sócios227, marcou um ponto de viragem decisivo na história da instituição. Cosme Damião, apesar de ter sido um dos impulsionadores

223 J. Ribeiro da Silva, «Caso grave, um exemplo», Sport Ilustrado, 25 de Outubro, 1924, 2. 224 Sobre Artur Oliveira Valença ver José Manuel Tavares Rebelo, «Artur d’Oliveira Valença: um

tripeiro de fibra», Revista Tripeiro, Janeiro, 2010.

225 Dias, O Futebol..., 161.

226 Como refere Romeu Correia, «torna-se frequente a troca de camisola pelos futebolistas. Os

clubes grandes recrutam nos clubes pequenos os jogadores mais habilidosos. Jornais e revistas desportivas debatem os problemas do amadorismo e do profissionalismo com uma frequência obsessiva. Deparam-se-nos entrevistas com os ‘ases’ mais célebres fotografados em plena actividade profissional. Este na oficina, aquele no balcão da loja, aqueloutro à secretária de um escritório, etc. São quase sempre os directores dos clubes que sofrem as dores de cabeça para não deixarem fugir jogador A ou B, uma vez que estes são imprescindíveis no grupo da casa. E mexem-se para os colocar nas suas próprias empresas ou em lugares em que têm influência. Há também um cómodo recurso a que, por este tempo, se recorre para prender o futebolista ao clube: comprar-lhe um automóvel, pagar-lhe uma carta de condução e pô-lo numa praça de táxis...» Romeu Correia, Jorge Vieira e o Futebol do seu Tempo (Lisboa, Edição de Autor, 1981), 138.

e o principal responsável pela iniciativa, viu as suas concepções de gestão do clube gradualmente contestadas.

Menos de um ano depois, como refere Astregildo Silva na biografia de Ribeiro dos Reis, nas eleições para a presidência do Benfica, realizadas a 5 de Agosto de 1926, encontravam-se em avaliação, “as características de acção e a própria capacidade de trabalho de Cosme Damião. Cosme, nas suas ideias sobre desportos e desportistas, bem como as suas atitudes, não acompanhou a evolução de princípios e doutrinas que se registou em todos os desportos, mas sobretudo no futebol. A tendência de todos os clubes para compensação por despesas feitas por jogadores com treinos, as indemnizações por salários perdidos, subvenções para despesas de viagem, tudo quanto apareceu no sentido de facilitar a prática do futebol a rapazes de condição modesta, tudo isto esbarrou com os sentimentos de Cosme Damião, de quando ele jogava numa altura em que os atletas pagavam pontualmente as suas quotas e os jogadores de futebol andavam com as balizas às costas”.228

Em jogo estava não somente aquilo que alguns sócios classificavam como

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