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PRINCÍPIOS GERAIS DOS INSTRUMENTOS DE POLÍTICA PÚBLICA

Estes princípios devem ser vistos como um conjunto mínimo e indivisível a reger os instrumentos de política ambiental, calcado em observações empíricas e no senso comum.

2.4.1 Instrumentos Independentes para Objetivos Independentes

As políticas públicas, de maneira geral, possuem mais de um objetivo concomitante. Deve-se ter a preocupação de criar e implementar um instrumento para cada um dos objetivos que se pretende alcançar.

Como apontado anteriormente, o cerne do pensamento da Economia Ecológica tem a sustentabilidade calcada em três alicerces básicos: 1) escala sustentável; 2) justa distribuição de renda e 3) alocação eficiente. É necessário que esforços sejam empreendidos no sentido de criar e manter instrumentos diferenciados para esses diversos objetivos. Sabendo-se quantos instrumentos são necessários de acordo com os objetivos almejados, há de se buscar o tipo de instrumento que melhor se ajuste a cada situação.

2.4.2 Microssacrifício das Liberdades Individuais

Políticas públicas devem buscar o macrocontrole da situação, exigindo da população um sacrifício mínimo das suas liberdades individuais, permitindo a ocorrência de microvariabilidades.

Ao se estabelecer a necessidade de preservar uma determinada área, na qualidade de estoque de matéria-energia com baixa entropia, o importante é alcançar um determinado número de hectares preservados. A política deve estipular o quanto deve ser preservado (o macrocontrole). As pessoas devem estipular onde, como e quanto estão dispostas a sacrificar da sua produção para garantir o estoque de matéria-energia com baixa entropia . Existe espaço suficiente para microvariações em torno da média à luz de condições particulares, desde que o montante seja fixado.

O macrocontrole é compatível com níveis distintos de microvariações em torno da média. De maneira geral, deve-se optar pelo caminho menos restritivo que permita atingir o objetivo que se almeja.

O estabelecimento das microvariações, com base na premissa de respeito às liberdades individuais, deve levar em consideração a nossa responsabilidade na utilização dos recursos naturais, e esta deve ser levada a cabo dentro do “Princípio da Precaução”.

2.4.3 Princípio da Precaução

Existem inúmeras e distintas definições quanto ao “Princípio da Precaução”. Cada uma delas reflete o caminho através do qual a sociedade deseja aplicá-lo na sua política.

Em alguns países ele é formulado como um princípio global e generalizado. Existem países em que sua formulação é específica e está incorporada na legislação vigente.

A legislação brasileira traz o princípio da precaução de maneira generalista, estando de certa forma explicitado no caput do artigo 225 da nossa Carta Magna, bem como em seus parágrafos primeiro e quarto.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem

de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1° Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I – preservar, restaurar os processos ecológicos essenciais e promover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético.

§ 4° A Floresta Amazônica Brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e a sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a

preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais [grifo

nosso].

O princípio da precaução teve os seus primórdios na década de sessenta, na Alemanha, onde foi formulado e adotado com a finalidade de guiar as ações públicas para o cerceamento das atividades geradoras de poluição sonora (GODARD, 1999). A partir da segunda metade da década de oitenta, este princípio aparece no cenário internacional, vindo à tona como um megaprincípio em termos de estabelecimento de políticas públicas. Neste sentido, aparece como um dos principais princípios da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992), tendo destaque no “Princípio 15” (MACHADO, 1993, p. 571):

“Para proteger o meio ambiente, medidas de precaução devem ser largamente aplicadas pelos estados, segundo suas capacidades. Em caso de risco de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não deve servir de pretexto para procrastinar a adoção de medidas visando a prevenir a degradação do meio ambiente”.

Pode-se observar que, no âmbito desse megaprincípio, não se precisa de certeza absoluta nem de prova científica16 a respeito de que dano ambiental possa vir a ocorrer em conseqüência de uma determinada atividade, para que medidas de proteção ao homem e ao

16 No Brasil, os principais instrumentos de viabilização desse princípio são os Estudos de Impacto Ambiental e as licenças

meio ambiente venham a ser empreendidas. Medidas preventivas que visem à manutenção do estoque de capital natural não devem ser procrastinadas.

O princípio da precaução impõe-se como um novo rumo das decisões públicas, devido à nossa incapacidade de lidar com a abordagem clássica racional de prevenção ao risco, em que o julgamento das autoridades e a confiança da sociedade estão calcados em provas científicas provenientes da opinião de especialistas.

A gestão do princípio da precaução nos países com abundância de recursos financeiros é feita através do princípio do usuário-poluidor-pagador, que ainda não é usual em países com escassez financeira. Em situações de pobreza, na opinião de RIBEIRO (1998), é preciso virar pelo avesso este conceito; propõe, para tal, o princípio do protetor-recebedor ou do não- poluidor-recebedor, por se mostrarem eficazes na realidade concreta de países pobres, onde a disposição-a-receber é maior do que a disposição-a-pagar, distorcendo o objetivo do princípio do poluidor-pagador, que é o saneamento ambiental.

O princípio da precaução não pode ser visto como uma norma ética única, calcada no medo, pelo qual a possibilidade de uma catástrofe futura justifique a abstenção de todas as nossas ações. Tal idéia é incompatível com o contexto democrático, pois o medo, a partir de um determinado patamar, elimina as possibilidades de discussão no seio da sociedade civil. Este princípio deve ser entendido em conformidade com as abordagens e estratégias pluralistas de prevenção ao dano ambiental, respeitando o atual estado de coisas. Há de se perceber que mudanças são necessárias, mas que, e principalmente num processo participativo, devem ser gradativas, de acordo com o item abaixo.

2.4.4 Respeito às Instituições Existentes

O desenho dos instrumentos de política pública deve reconhecer que sua inicialização se dará no âmbito de condições historicamente reconhecidas. Assim, mesmo que o objetivo almejado se encontre distante das condições presentes, estas devem ser vistas como o ponto de partida para a implementação do caminho a ser seguido.

Existe a necessidade de se caminhar a passos lentos e seguros. O importante é haver disposição para aprender com as nossas ações e com os impactos que possam vir a ter sobre o meio ambiente e vice-versa.

2.4.5 Administração Construtiva

Mudança é uma variável incondicionalmente presente nas nossas ações e nas suas conseqüências. O impacto humano nos ecossistemas tem sido enorme e crescente, além de causar novos problemas através dos tempos. Por sua vez, os ecossistemas mostram uma natural e considerável variação.

O conhecimento humano cresce na mesma direção que os seus impactos. Se, por um lado, este conhecimento pode gerar mais danos ao meio ambiente, também pode gerar soluções, tanto para os novos quanto para os antigos problemas. Além disso, o nosso sistema econômico e cultural está constantemente evoluindo e políticas, hoje consideradas muito eficientes, poderão deixá-lo de ser amanhã, dentro de um novo contexto socioeconômico. Da mesma forma, inúmeros instrumentos considerados ideais para uma determinada situação teórica podem estar fadados ao insucesso por ocasião da sua implementação prática. Além disto, uma política pública comprovadamente eficaz para um determinado povo ou comunidade pode ter conseqüências diferentes em situações distintas. Na medida em que se implementa uma política pública, aprendemos como os seus instrumentos atuam no mundo real e assim podemos aprimorá-la a cada período.

O processo de desenvolvimento e implantação de instrumentos de política pública para dar suporte à solução dos nossos problemas socioambientais deve ser um processo de aprendizado de todas as variáveis que envolvem o cerne da questão a ser atacada.

2.4.6 Princípio da Subsidiariedade

Este princípio está ligado ao domínio das conseqüências das causas e efeitos das questões endereçadas na política. O domínio dos instrumentos de política pública deve ser compatível com o domínio da atividade que se pretende alcançar. A idéia intrínseca é de se lidar com problemas na menor escala na qual eles possam ser resolvidos. Em outras palavras, os problemas devem ser dirigidos por instituições na escala de sua existência. Por exemplo, o ICMS-Ecológico é um instrumento desenvolvido para o nível local (as municipalidades). Existem, entretanto, inúmeras ações que dependem da esfera estadual e da federal para que o instrumento tenha eficácia. Estas ações fogem do domínio local, mas precisam ser desenvolvidas. Nestes casos, deve-se pensar em mecanismos complementares.

Estes são os sustentáculos dos instrumentos a serem utilizados por uma política pública democrática, que visa à sustentabilidade do meio ambiente e da nossa sociedade. Eles não são,

certamente, o único caminho de sucesso na implementação de políticas públicas, mas um conjunto de parâmetros mínimos e indivisíveis que nos permitem perceber se o caminho traçado nos levará ao objetivo que almejamos. Este conjunto de princípios pode ser considerado um fator crítico, tanto na discussão quanto na análise e implementação dos mecanismos de proteção dos recursos naturais. Os mecanismos têm sido divididos em duas classes distintas, definidas como: 1) mecanismos regulatórios e 2) mecanismos de incentivo.

O sistema regulatório é por vezes referenciado na qualidade de comando-e-controle por aqueles que mais o desaprovam. Para COSTANZA et al. (1997), entretanto, o importante não é o estabelecimento de críticas em torno de um ou outro sistema, mas o estabelecimento de uma abordagem construtivista na qual os sistemas sejam vistos nos termos das suas complementaridades, em vez de em suas “excludabilidades17”.