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Princípios norteadores da arbitragem

3. ASPECTOS GERAIS DA ARBITRAGEM NO BRASIL

3.3. Princípios norteadores da arbitragem

Quando se aborda a expressão “princípios norteadores da arbitragem”, logo vem a ideia de conjunto de condutas explícitas ou implícitas, norteadoras do instituto.

Para Celso Antonio Bandeira de Mello57, princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente porque define a lógica e racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico.

E é na própria Lei de Arbitragem nacional que vemos diversos princípios jurídicos inseridos e que alicerçam o instituto em nível nacional, devendo ser seguidos, caso contrário, afastariam o seu propósito.

Na Lei de Arbitragem, bem como em sua doutrina, os expoentes da arbitragem seriam: a autonomia da vontade das partes, da boa-fé, da imparcialidade do árbitro, do contraditório e igualdade das partes, da livre convicção do árbitro, da obrigatoriedade da convenção, do devido processo legal e da Kompetenz-

Kompetenz.

Sobre a autonomia da vontade da parte, pode-se dizer que constitui a própria essência dela, visto que o instituto baseia-se essencialmente nessa premissa.

A par do princípio, Giovanni Nanni refere que

a autonomia privada está ligada à capacidade negocial, pois é a possibilidade de o autor regrar-se, reconhecida pelo direito, criando normas individuais dentro de sua capacidade [...] não se fala mais na vontade ilimitada do indivíduo para firmar um negócio, mas na relação da vontade privada que encontra espaço ou autonomia no ordenamento jurídico com a vontade de outrem para firmar-se uma relação jurídica obrigacional. Não prevalece mais a vontade interna do sujeito, mas a vontade observada externa e objetivamente, diante

57 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social, RDP, v. 57/58, p. 247, 1981.

do ordenamento jurídico, em consonância à autonomia da vontade para a autonomia privada58.

O entendimento, do que se observa, baseia-se na visão moderna e de acordo com a nova redação do instituto em nosso diploma civil, em detrimento daquele antes centrado no individualismo que se registrava na redação anterior.

E, assim, o princípio da autonomia da vontade respalda-se na voluntariedade, calcada na liberdade de escolha adstrita às partes para submeterem a lide à justiça arbitral, como refere, inclusive, Renan Lotufo59, atribuindo à autonomia privada caráter potestativo.

Portanto, nesses dizeres, a autonomia da vontade das partes, em sede de arbitragem, fica limitada a que atendam aos critérios da arbitrabilidade objetiva e subjetiva determinados pela lei.

A par do princípio do contraditório, de se destacar que, como elemento constitucional fundamental, não poderia ser relegado em sede de arbitragem, visto que tem o condão de equilibrar o procedimento e sua dinâmica.

A questão importa na obviedade; afinal, é preciso antes de qualquer coisa oportunizar a manifestação das razões de cada uma das partes envolvidas para que se possa decidir a questão controvertida.

Em verdade, o princípio do contraditório equivale ao da igualdade das partes, uma vez que por meio do contraditório oportuniza-se a outra parte, vale dizer, são dadas a elas as mesmas oportunidades para se manifestarem no procedimento arbitral, ficando ambos os princípios associados de certa forma.

A igualdade das partes, por sua via, é princípio que encontra respaldo nas regras do processo civil, quando trata da paridade de tratamento60.

Consiste, por sua vez, em respaldar as partes equidade de tratamento perante o direito e os bens em tutela.

No que pertine ao princípio da boa-fé, contemplado expressamente no Código Civil, pode-se dizer que é a essência da arbitragem e deve estar presente em todos os momentos do procedimento, e tal qual menciona Maria Helena Diniz61:

58 NANNI, Giovanni Ettore. A evolução do direito civil obrigacional: a concepção do direito constitucional e a transição da autonomia da vontade privada. In: LOTUFO, Renan (Coord.). Cadernos de autonomia privada. Curitiba: Juruá, 2001, Caderno 2, p. 169-172.

59 LOTUFO, Renan. Questões relativas à clausula penal contratual. Revista do Advogado. São Paulo, ano 32, n. 116, p. 161-167, jul. 2012.

[...] o sentido literal da linguagem não deverá prevalecer sobre a intenção inferida da declaração de vontade das partes – mas também ao interesse social de segurança das relações jurídicas, honestidade, honradez, denodo e confiança recíprocas, isto é, proceder com boa-fé, esclarecendo fatos e o conteúdo das cláusulas, procurando o equilíbrio nas prestações, evitando o enriquecimento indevido, não divulgando informações sigilosas etc.

Sem dúvida, a boa-fé seria substancial à própria eficácia e validade do instituto, dele não podendo ser afastada dentro da ideia do que a arbitragem se propõe.

O princípio da boa-fé, em termos de Lei de Arbitragem, decorre também da obrigação contratual assumida entre as partes de solver a questão controvertida apresentada no curso pactual por arbitragem. Não pode uma das partes, após ter firmado o contrato e eleito a arbitragem, deixar de honrar o compromisso assumido nesse sentido, caso contrário, não se pode dizer que estivesse agindo de boa-fé.

Quanto ao norteador da imparcialidade do árbitro, de destacar que não difere das regras do processo em geral e sua imparcialidade constitui uma garantia às partes, que poderão arguir questões prejudiciais, como suspeição e impedimento, tendo este apenas interesse na solução da controvérsia.

Ainda sobre o princípio da imparcialidade do árbitro, constitui, em verdade, um pressuposto à instauração válida do procedimento arbitral, garantindo um julgamento válido e ético.

Ressalto nesse particular que, seja por ocasião de disposição legal ou por previsão regulamentar de instituições arbitrais, os árbitros têm o dever de revelar qualquer fato que implique dúvida quanto à sua independência e imparcialidade, pena de corromper a eficácia do seu julgado.

Ao árbitro, e por força de disposição legal da própria Lei de Arbitragem, cuidou o legislador de respaldar suas decisões no princípio do livre convencimento, que significa a liberdade, limitada as regras jurídicas, do entendimento livre do terceiro que irá julgar o caso em arbitragem, e desde que tenha suporte em fatos aos quais se funda o conflito e suas provas.

Com respaldo nesse princípio, portanto, ao árbitro é permitido o poder de formar sua livre convicção quanto aquilo que lhe é submetido à analise e decisão no

61 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. 6. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2006, v. 1, p. 86.

procedimento arbitral, apreciando com liberdade de entendimento as provas produzidas, os argumentos trazidos pelas partes relativos aos fatos, e tudo o que se some para firmar a sua convicção a respeito da lide.

Nesse sentido, assim como o juiz, o árbitro formará seu convencimento e por meio da sentença arbitral decidirá a questão posta, fundamentando-a, naturalmente, inclusive em casos em que autorizado a julgar por equidade.

No que pertine à obrigatoriedade da convenção arbitral, como princípio norteador da arbitragem, além de constituir, em tese, um apêndice ao princípio antes abordado, da boa-fé, e que não se pode dissociar, convém mencionar que tal norteadora consiste na independência, conferida pela própria lei, da cláusula compromissória em relação às demais estipulações previstas no contrato, de modo que a nulidade de um contrato não seja alegação para que se sublime ou afaste a utilização da arbitragem para solver a questão controvertida apresentada e decorrente dos limites impressos no clausulado.

Ainda, como princípio norteador da arbitragem, podemos mencionar a garantia do devido processo legal e da Kompetenz-Kompetenz.

Quanto a este último, resulta na premissa de que os árbitros têm competência para dizer da sua própria competência, apreciando, de oficio ou a requerimento das partes, o seu âmbito de atuação, inclusive no que diz respeito às exceções relativas à existência e validade do acordo de arbitragem, conforme preleciona Fernanda Levy62.

E de Cahali obtém-se ainda que essa regra é fundamento do instituto, ao passo que, se coubesse ao Judiciário a análise da competência do árbitro, em primeiro plano, estaríamos possibilitando o intuito protelatório de alguma das partes, que submeteria a questão ao moroso Judiciário, ou mesmo postergado o seguimento do procedimento arbitral, o que não é compatível ao instituto63.

Norteada pelo princípio do devido processo legal, que se insere hierarquicamente em nossa Constituição Federal (art. 5º, LIV e LV), e do qual não se pode afastar, a arbitragem dá provisão deste, quando na Lei n. 9.307/96, em seu art. 21, determina que:

Art. 21. A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às

62 LEVY, Fernanda. Op. cit., p. 72.

regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento.

O dispositivo legal aponta, sem dúvidas, que a observância do princípio norteador do devido processo legal, em sede de arbitragem, respalda-se no cumprimento das formalidades e exigências previstas, quer por construção regulamentar pelas partes, quer por instituídas institucionalmente, o que assegurara a segurança jurídica, devendo as partes estrita observância desses normativos.

Nelson Nery Junior64, ao abordar o princípio constitucional mencionado, ensina que o devido processo legal é o princípio fundamental do processo civil, servindo de base de sustentação a todos os demais princípios. E resume seu conteúdo na "possibilidade efetiva de a parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e defendendo-se do modo mais amplo possível [...]".

O procedimento arbitral, portanto, deverá nortear-se pelos princípios vistos, tecidos pela própria Lei de Arbitragem, ainda que sua operacionabilidade seja disposta pelas partes, ou regulamentadas por instituições arbitrais, suporte no princípio da autonomia da vontade e suas limitações legais. E, sendo tal lei composta de elementos basilares, vão conferir eficácia e validade aos atos praticados em seu âmbito, para que se dê a solução de conflitos.