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Principais Teorias e Paradigmas ligados à Aprendizagem e à Formação

Parte I Enquadramento Teórico e Legislativo

5.8 Principais Teorias e Paradigmas ligados à Aprendizagem e à Formação

APRENDIZAGEM E À FORMAÇÃO

Conscientes da complexidade e diversidade conceptual do processo de (re) aprendizagem dos séniores, os modelos e abordagens considerados pretendem articular o conceito de aprendizagem formal com dimensões experimentais dessa mesma aprendizagem. Numa sociedade em que se valoriza a educação ao longo da vida, a aprendizagem assume-se como um importante capital, no sentido de valorização da experiência, história de vida, autonomia, reflexão e consciencialização, em que o sénior se assume como actor principal da sua (re) aprendizagem.

A aprendizagem é objecto de reflexão, por parte de diferentes autores, a utilização da palavra aprendizagem tem sido alvo de uma certa ambiguidade, evidenciada por diferentes perspectivas e abordagens, que nem sempre reúnem consenso no que respeita à natureza e compreensão dos mecanismos que lhe estão associados no campo da educação-aprendizagem dos séniores.

129 Dos autores referenciados ao longo deste trabalho é dada especial ênfase, a uma concepção de aprendizagem integrada num processo de construção e desenvolvimento do sénior, assumindo uma identidade dinâmica e distinta da mera aquisição de informação.

Paulo Freire, considerado como um dos teóricos mais influentes na educação de adultos, evidencia uma concepção humanista no centro das suas ideias, avançando que a educação constitui “um factor de condução a uma maior participação das pessoas no mundo” (Freire, 1997, p. 12). Foi o autor do desenvolvimento dos fundamentos da “educação crítica” e do conceito chave de “consciencialização”.

Defensor do princípio de que a educação não pode ser um processo neutro, defende a ideia da educação como promotora da liberdade, como acto de conhecimento e uma aproximação crítica da realidade. Enfatizando aspectos culturais e políticos da aprendizagem, este autor baseia-se no pressuposto de que quem aprende tem uma visão pessoal do mundo, culturalmente influenciada com consequências ao nível dos sentidos e significado que cada pessoa atribui às coisas, a partir do contexto onde se insere.

Diante de uma posição ingénua perante o mundo, a consciencialização supõe o ultrapassar da esfera da espontaneidade de apreensão da realidade de modo, a que, o ser humano assuma o posicionamento crítico, capaz de construir saber. O autor defende o respeito pelos saberes de quem aprende, saberes estes constituídos socialmente no confronto com a realidade concreta.

Para o autor, “o homem é um ser histórico e inacabado, aberto à existência e à produção de novos conhecimentos” (Freire, 1997, p. 55). A ideia de “inacabado humano” permite, segundo o autor, ultrapassar a visão adaptativa do homem ao mundo, permitindo-lhe uma posição mais de sujeito do que apenas objecto. Este autor não nega os condicionalismos inerentes ao homem, de ordem genética, cultural e social no entanto, nega a sua determinação. Embora possam condicionar o conhecimento o sénior, como sujeito do processo de aprendizagem que constrói o seu próprio conhecimento é esta perspectiva de um contínuo caminho de construção que torna dinâmica a formação aprendizagem, sempre em processo.

A construção do conceito de “consciencialização objectiva-se, no processo através do qual as pessoas compreendem que a sua visão do mundo e o lugar que nele

130 ocupam é modelado por forças históricas e sociais, que se opõe aos seus interesses pessoais” (Pires, 2002, p. 132).

Este fenómeno conduz ao desenvolvimento de uma consciência crítica e à capacidade de reflexão e acção sobre o mundo, com o intuito de o transformar. Enquanto crítica às formas existentes de opressão, a pedagogia de Freire é vista como um “caminho para mudar o mundo”, criando novas formas de humanização. Para o autor, o professor deve assumir-se como produtor do saber e “convencer-se que ensinar não é transmitir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção” (Freire, 1997, pp. 24-25).

Para além da visão transformadora do mundo, o autor valoriza a dimensão reflexiva da aprendizagem experimental, numa dimensão mais alargada do processo educativo. Destaca o seu contributo no processo de aprendizagem informal, considerando-a como uma “unidade dialéctica que constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza os homens” (Freire, 1980, p. 26).

Valorizando a relação entre a acção e reflexão o autor reconhece a existência da

capacidade que “os indivíduos possuem de trabalhar as suas experiências através da

reflexão, encontrando-se esta capacidade de origem da tomada de consciência de novas realidades” (idem, 1980, p. 29). É relevado que o sénior torna a sua aprendizagem em conhecimento activo e critico transformando a realidade que o rodeia e ao mesmo tempo torna-se promotor e decisor, nessa realidade. O autor defende que mais do que receber informação do meio, os sujeitos analisam, “os aspectos da sua própria experiência existência representada na codificação” (idem, p. 31).

A pedagogia de Freire encontrando-se impregnada de uma perspectiva política, a par das influências humanistas que valorizam o homem e o desenvolvimento do seu potencial transformador. No sentido de um pensamento da educação enquanto prática de liberdade a teoria de Freire contribui para a descoberta do sujeito capacitado a interagir com o meio, contribuindo para a sua mudança. É inegável o contributo dado pelo autor na defesa de que o processo de aprendizagem se deve centrar na consciencialização e conduzir à participação mais activa dos indivíduos no mundo definindo a educação como “provocadora da atitude crítica e reflexão que comprometa a acção” (idem, 1980, p. 40).

131 A aprendizagem dos séniores é considerada enquanto processo em articulação com a experiência; a consciência da pessoa humana enquanto ser inacabado, desafia a aquisição e reconhecimento de novos saberes e consequentemente de novos poderes “saber é poder” que podem funcionar como factores facilitadores de novas dinâmicas formativas do sénior.

CAPÍTULO 6

6. PARTICIPAÇÃO ASSOCIATIVA: COMO CONTRIBUTO

DA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA

Na última década do séc. XX assistiu-se por todo o mundo, a um aumento significativo dos estudos sobre o tema da cidadania. O conceito de cidadania enquanto direito a ter direitos, foi abordado de várias perspectivas.

Já no séc. XX, em especial a partir de 1945, vigorou nas sociedades democráticas, um “contrato social” tacitamente aceite, “mediante o qual os cidadãos se despojavam dos seus poderes políticos”, desresponsabilizando-se, desse modo, de muitos dos seus deveres cívicos, “a favor de dirigentes e administradores profissionais que, por sua vez, asseguravam e geriam um Estado-Providência, capaz de prover às necessidades básicas da população” (Melo, 2003, p. 92).

As rápidas mudanças a nível mundial trazem consigo uma série de contradições e de problemas de modelo tradicional de Estado. Assim se tem falado muito da cidadania, do poder das comunidades, do «empowerment» que corresponde a dar poder às pessoas e aos seus grupos de pertença.

A ideia moderna de cidadania apareceu associada, “à emergência de indivíduos dotados de direitos na sua relação com os governos de Estados Soberanos: direito de liberdade, no sentido de espaços de autonomia em face do Estado e aos outros indivíduos” (Gonçalves, 2003, p. 27). Contudo, para Melo (2003), no regime democrático as pessoas acabam por ser desapossadas no exercício efectivo do poder a favor das escolhidas e eleitos pela maioria das vontades, não havendo assim uma responsabilidade directa dos indivíduos. Neste sentido, ao defender a ideia de cidadão

132 como aquele que tem acesso à decisão política, acentua-se a precariedade da condição de cidadão, no eleitor contemporâneo.

A concepção de cidadania tem vindo a ser enriquecida por vários autores, estudiosos da matéria, tendo em conta as suas próprias realidades nacionais, como foi o caso de Bendix 1964, como citado em (Vieira, 2001) que estendeu o conceito de cidadania às classes trabalhadoras, por meio dos direitos de associação, educação e voto. Outro autor focalizando a sua atenção na teoria do conflito, considera que, “os movimentos sociais, como uma força dinâmica necessária ao desenvolvimento dos direitos de cidadania” (Turner, 1986, como citado em Vieira, 2001, pp. 33-34). Ainda, para o mesmo autor, a cidadania é ainda uma construção social definida por um conjunto de práticas e assim acaba por ser aprendida socialmente através do seu exercício ou da sua prática efectiva, sendo que, “a educação para a democracia e a socialização para a cidadania democrática não se constituem como monopólio das organizações educativas escolares e não escolares” (Twinw, 1994 como citado em

Lima, 1996, p. 92).

Steenbergen (1994, como citado em Lima, 1996, p. 287), por seu turno, defende que a cidadania representa a noção de participação na vida pública (que é mais abrangente que a vida política), sendo justamente a relação entre o cidadão e a sociedade que tem vindo a ser estimulada, criando condições, na sua opinião, para um retorno a uma “definição, política restrita de cidadão”.

Steenbergn e Liszt Vieira fazem referência a um conceito de cidadania, apresentado por Janoski (1998) que diz: “a cidadania é a pertença passiva e activa de indivíduos num Estado-Nação com certos direitos e obrigações universais num específico nível de igualdade”. Na explicação de Janoski reúne contributos vários e não somente das ciências sociais, abarcando na sua definição, questões ligadas aos direitos dos grupos minoritários estigmatizados (pertença interna) e aos cidadãos estrangeiros naturalizados (pertença externa). Um outro elemento importante nesta definição é a distinção entre direitos e deveres activos e passivos, sendo os direitos passivos de existência, legalmente limitados, e os direitos activos, aqueles que propiciam a capacidade de influenciar o poder político.

Deste modo, cidadania na perspectiva de Steenbergen (1994), diz sempre respeito a uma relação entre Estado e cidadão, ou entre sociedade e cidadão. É

133 considerada não tão restritiva como a anterior, especialmente no que toca a direitos e deveres.

A sua definição torna-se complexa, na medida em que, como sublinha Vieira (2001), diz respeito a uma relação que diverge conforme as teorias políticas e tipos particulares de regime.