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O PROBLEMA DA RELAÇÃO DA HUMANIDADE E DA DIVIN DADE EM CRISTO

[A o térm ino da controvérsia ariana, a divindade v erdadeira e a hum ani­ dade verdadeira de C risto foram incorporadas à d o utrina católica. A especulação teológica do século seguinte dedicou-se principalm ente ao problem a do m odo da união, em Cristo, en tre a divindade e a hum anidade. T rê s grandes heresias p rep araram cam inho p a ra a definição de C alcedônia.]

I . O A P O L IN A R IS M O

[A polinário, Bispo de L aodicéia ( f . 392), foi um vigoroso adversário do arianism o, mas na sua doutrina sôbre a união das duas naturezas deu ênfase à divindade do Senhor sacrificando a sua genuína hum anidade. O pinava que em C risto o Logos tom ou o lugar da alm a hum ana ( i .e ., a alm a racional ou m e n te). A s opiniões de A polinário nos são conhecidas atrav és de citações e refutações feitas pelos seus críticos. M uitos estudiosos m odernos pensam que A polinário não foi tão longe quanto tem iam os u ltra -o rto d o x o s. ]

Um exam e do apolinarism o

Gregório Naz., A rcebispo de C onstantinopla, 3 8 0 /1 , E p . C l N ão deixem os os hom ens enganarem a si mesmos ou a outros com a afirm ação de que carecia de alm a hum ana o ‘H om em do S enhor’ — assim é como chamam À quele que antes é “ Nosso Senhor e D e u s” . N ós não separam os o hom em da divindade, m as afirm a­ m os o dogm a da unidade e identidade dessa pessoa, que inicialm ente não era homem m as unicam ente D eus, F ilh o único de D eus anterior a tôdas as épocas, e que n os últim os dias assum iu a hum anidade para nossa salvação, fazendo-se p assível na cárne, em sua im passível d ivin d ade; circunscrito no corpo, porém incircunscrito no esp írito; ao mesmo tem po terrestre e celeste, tan gível e in tan gível, com preen­ sível e incom preensível; a fim de que, m ediante um a só e mesma

pessoa, perfeitam ente homem e perfeitam ente D eus, a hum anidade inteira caída pelo pecado pudesse novam ente ser criada.

P ortanto, se alguém não crê que S anta M aria é a m ãe de D eus, êle não tem com unhão com D e u s . . . . se alguém afirm a que a hum anidade fo i form ada e só depois revestida da divindade, êsse ta l m erece condenação. . . S e alguém sustenta a idéia de dois filhos, um de D eus P a i e outro da V irgem mãe, êsse ta l não tem p arte na ad oção. . . porquanto d ivindade e hum anidade são duas naturezas, como a alm a e o corpo, m as não há dois filh os nem dois d eu ses. . . A m bas as naturezas, por m eio da união, são um a, seja divindade fe ita homem, seja hum anidade fe ita D eus, ou seja qual fôr a expres­ são correta. . .

Se alguém disser que em Cristo a divindade operou por g r a ç a .. . não estêve nem está unida com êle em essência, ou que foi reputado digno da filiação a d o tiv a . . . ou que sua carne desceu dos céus e não nasceu aqui, sendo superior à nossa e não exatam ente igual à n o s s a .. . (seja a n á te m a ).

Se alguém coloca sua confiança em Cristo como num homem carente da racionalidade hum ana, êsse ta l é d estituído de racionali­ dade e é ind ign o da salvação: pois o que Cristo não assum iu, isso Cristo não curou: só será salvo aquilo que Cristo u niu à sua d iv in ­ dade . . . N ão deixem os que se nos invejem a salvação total, ou que revistam o Salvador apenas de ossos, nervos e aparência de h u m an id ad e. . .

O bjeta-se-nos que Ê le não podia conter duas naturezas com­ p leta s. E videntem en te que não para quem o considerar fisicam en te. U m alqueire não pode conter dois a lq u e ir e s.. . P o is quem quer con­ siderar o m ental e o incorpóreo, tem em m ente, sem dúvida, que na m in ha personalidade encerro a alm a, a razão, a m ente e o E sp írito S a n t o ... Se invocam o texto “ O Verbo se fêz carne”. . . não com ­ preendem que esta frase con stitu i um a sinédoque onde se tom a a parte pelo tod o.

[O apolinarism o foi condenado por um sínodo em A lex an d ria em 362, e pelos sínodos de R om a (sob o pontificado de D ám aso) e C onstantinopla em 381.] I I . O N E S T O R IA N ISM O

[N estório, Bispo de Constantinopla, 428-431, representa a posição oposta ao pensam ento antioquiano acerca dêste problem a. O s teólogos antioquianos tencionavam ressaltar a realidade hum ana de Cristo, contrastando com a escola m ística de A lex an d ria enpenhada em realçar sua com pleta realidade divina. A parentem ente, N estó rio aprendeu sua doutrina de T eodoro de M opsuéstia, que

ilu strav a a união das n aturezas em C risto com a união conjugal de m arido e m ulher tornados um a só carne sem deixarem de ser duas pessoas e duas n atu ­ rezas separadas. (E m vez de união, êle dizia conjunção, s y n á p h e i a , têrm o que

representa perfeitam ente a opinião nestoriana e ju stifica sua in ad m issib ilid ad e).]

a . A n á tem a s de C irilo de A le x a n d ria

Cirilo, B ispo de A lex., 412-444, E p . X Y I 1

[A controvérsia surgiu em 428, quando N estó rio se m anifestou contrário ao título T h e o t o k o s dado a M a ria . (T h e o t ó k o s , D eípara, e ra m enos assustador

do que o português ‘m ãe de D eus’ : realçava m ais a divindade do F ilho do que o privilégio da m ã e ) . Ê ste títu lo e ra usado com um ente, pelo m enos desde O rígenes, e os alexandrinos estavam bastante atentos p ara perceberem a s suas implicações possíveis. C irilo conseguiu a condenação de N estó rio no sínodo rom ano de agôsto de 430, ratificada num sínodo de A lex a n d ria. E nviou a C onstantinopla um a ca rta extensa que expunha sua d o utrina e term inava com os doze an átem as:]

1 . Se alguém não confessar que o E m an uel é verdadeiro D eus e que, portanto, a S anta V irgem é Theotókos, porquanto deu à luz, segundo a carne, ao V erbo de D eus feito carne, seja anátem a.

2 . S e alguém não confessar que o V erbo de D eus P a i estava unido pessoalm ente [k a th ’h yp ó sta sin ] à carne, sendo com ela p ro­ p riam en te um só Cristo, ou seja, um só e mesm o D eu s e homem ao mesmo tem po, seja anátem a.

3 . Se, no único Cristo, alguém d iv id ir as pessoas [h ypos-

táseis] já unidas, unindo-as m ediante um a sim ples união de acôrdo

com o m érito, ou um a união efetu ad a através de autoridade e poder, e não propriam ente um a união de naturezas [k a th ’hênosin p h ysík en ], seja anátem a.

4 . S e alguém d istin gu e entre dois caracteres [p ró sô p a ] ou pessoas [h yp o stá seis] . . . aplicando algum as apenas ao homem Jesus concebido separadam ente do V e r b o ... outras apenas ao V e r b o ... seja anátem a.

5 . Se alguém presum ir cham ar Cristo de ‘hom em portador de D e u s’ [theophóron á n th rô p o n ] . . . seja anátem a.

6 . S e alguém presum ir cham ar de Verbo a D eus ou Senhor de C r is t o ... seja anátem a.

7 . S e alguém disser que Jesus, enquanto homem, era operado [en êrgêsth ai] por D eu s o Verbo, que a “ glória do U n ig ên ito ” lhe fo i concedida como algo existente fora do V e rb o .. . seja anátem a.

8 . Se alguém ten tar afirm ar que, “ jun tam en te com o Verbo D ivino, se deve co-adorar, co-glorificar, co-proclam ar D eus ao homem assum ido pelo Verbo, como se fôsse estranho ao Verbo, — e a con­ junção ‘com ’ ou ‘c o ’, necessariam ente, ind ica ta l assunção, — e que

não se deve adorar com a m esm a adoração, glorificar com a m esm a glorificação ao E m an uel feito carn e”, seja an átem a.

9 . S e alguém ensinar que o Senhor Jesu s Cristo fo i glori- ficad o pelo E sp írito Santo, como se êle operasse um poder estranho a si concedido m ediante o E sp írito S a n to . . . seja an átem a.

1 0

.

1 1. ...

1 2 . Se alguém não confessar que o V erbo de D eu s sof na carne e fo i crucificado n a ca r n e. . . seja an á tem a .

[O C oncilio de É feso em 431 aprovou esta carta e seus a n átem as. ]

b . E xposição ãe C irilo Cirilo, E p . IV

[E s ta “ C a rta D ogm ática” ( a “ Segunda C arta a N estó rio ” ) , fevereiro de 430, foi lida e aprovada em Éfeso e, posteriorm ente, em C alcedônia. A prim eira carta, a dos fam osos anátem as, não foi sancionada form alm ente em C alcedônia.]

. . . [Q uando afirm am os que o V erbo “ se encarnou” ] não pre­ tendem os que houve qualquer m udança na natureza do V erbo ao se encarnar, nem que o V erbo passou a ser um homem inteiro, form ado de alm a e corpo, m as afirm am os que, dum a m aneira in d escritível e in efável, o V erbo assum iu e u n iu a si mesm o, pessoalm ente [k a th ’h yp ó sta sin ] , carne anim ada com alm a racional, fazendo-se assim hom em e sendo cham ado de P ilh o do H om em . Isto não acon­ teceu por um sim ples ato da vontade ou de favor, nem m ero desem ­ penho de um p ap el [prósôpon — m áscara]. A s duas naturezas que foram unidas a fim de form arem a verdadeira unidade, eram d ife­ rentes, m as de am bas houve um só Cristo e um só F ilh o . N ão pro­ fessam os que a diferença das naturezas fo i destruída em virtu d e da união, m as que, integrados inconcebivelm ente n a unidade, divindade e hum anidade produziram para nós um único Senhor e F ilh o Jesus C risto. É neste sentido que Cristo nasceu, na expressão bíblica, da carne de m ulher, embora existisse e fôsse gerado pelo P a i antes de todos os sécu los. . . D a V irgem não nasceu um homem com um sôbre o qual teria, posteriorm ente, descido o Verbo, m as o Verbo se uniu à carne no seio da V irgem ; e assim proclam am os que se su jeitou a n ascer segundo a carne porquanto fêz de si o nascer de sua própria carne.

D e ig u a l m aneira dizem os que “ padeceu e ressuscitou ” . Não crem os que D eu s o Verbo sofresse n a su a d ivin d ad e: a divindade, incorporai, é im p assível. M as o corpo, que tom ou como seu próprio corpo, sofreu ta is coisas, por isso êle mesmo disse tê-las sofrido por n ó s. O Im passível estava no corpo que padecia.

A ssim tam bém falam os de sua m o rte. . .

Confessam os, pois, nm só Cristo e Senhor, e a êle adoram os como ao único e mesmo Senhor e não como a um homem ao qual se incorpora o V e r b o .. . porque o corpo do Senhor não é nada estranho a êle, e é com êste corpo que está assentado à direita do P a i . . .

Não dividam os o único Cristo em dois filhos. Os que assim fazem querem ostentar que conhecem a união das pessoas; isto, porém , não basta para conferir integridade à sua doutrina. P ois a E scritu ra não afirm a que “ O V erbo se u n iu à pessoa de um hom em ” e sim que “ O V erbo se fêz carne” ; sign ifican d o precisam ente que com partilhou da carne e do sangue exatam ente como nós, fazendo seu o nosso corpo. N asceu de um a m ulher, sem porém rejeitar a divindade e a filiação de D eus P a i. A ssu m iu nossa carne e continuou sendo o que e r a __

I I I . O E U T IQ U IA N IS M O

[E m 433 elaborou-se um credo de união que conciliasse os princípios alexandrinos com os princípios antioquianos. A dm itiu-se o têrm o T h e o t ó k a s ,

e ‘união’ substituiu ‘conjunção’. N a realidade, ninguém ficou satisfeito : os alexandrinos, inquietos pelo que lhes parecia insistência excessiva na distinção das duas naturezas, estavam prontos, nem bem desaparecido Cirilo, p ara defen­ der o alexandrinism o ex trem ista de Eutiques, m onge de Constantinopla, cujo

antinestorianism o não se baseava num a teologia suficientem ente esclarecida. Eutiques, em novem bro de 448, foi convocado pelo Sínodo de Constantinopla p ara responder à acusação de h ere sia.]

a . E u tiq u es a d m ite q u e . . .

Cone. C onst. Sessio V I I (M ansi, V I, 744)

F la via n o (A rcebispo de C o n sta n tin o p la ): C onfessais que

Cristo possui duas naturezas?

E u tiq u e s: N u n ca presum i especular acêrca da natureza de meu

D eus, Senhor de céus e terra ; adm ito que nunca confessei ser Ê le consubstanciai conosco. . . A V irgem , sim , confesso que é consubs­ tan ciai conosco, e que dela se encarnou nosso D e u s. . .

F lo rê n c io : Sendo ela consubstanciai conosco, certam ente

tam bém seu F ilh o nos é consubstanciai?

E u tiq u es: N ote, por obséquio, que não afirm ei que o corpo

de um hom em passou a ser corpo de D eus, m as que êste corpo fo i hum ano e o Senhor encarnou-se da V irg em . Se desejais que acres­ cente que o seu corpo fo i consubstanciai com os nossos corpos, assim fá-lo-ei, m as entendo a palavra consubstanciai de modo a não acar­

retar a negação da filiação d ivin a de C risto. Sem pre evitei term i- nantem ente a expressão “ consubstanciai na ca rn e” . Mas, sendo que Y ossa S antidade mo pede, u s á -la -e i...

F lo r m e io : A d m itis ou não que Nosso Senhor nascido da

V irgem é consubstanciai [conosco] e portador, após a encarnação, de duas naturezas?

E u tiq u e s : . . . A dm ito que N osso Senhor teve duas naturezas

antes da encarnação e um a só depois d e la . . . Sou discípulo, neste p articular, do bem -aventurado Cirilo, dos santos padres e de Santo A ta n ásio; êles falam de duas naturezas antes da u nião; d epois da união e encarnação, apenas falam de um a natureza, não de d uas.

[Eutiques foi condenado; apelou p ara Leão, Bispo de Rom a, que apoiou a F laviano, Teodósio II, porém , convocou um concilio em Éfeso, sob a presi­ dência de D ióscuro, sucessor de Cirilo n a sede de A lex an d ria e seu herdeiro no que tin h a de pior, tan to no caráter, quanto nos m étodos de controvérsia teológica. Ê ste concilio, cham ado C o n c i l i o d e L a d r õ e s por Leão ( “ L atrocínio de Éfeso”, E p . 4 5 ), apoiou Eutiques e depôs F laviano. E n tretan to , Teodósio faleceu em 450 e em 451 o Concilio de Calcedônia aprovou o “ tom o de L eão ” e form ulou

a “ D efinição Calcedonense” .]

b . O Tom o d e Leão

Leão, B ispo de Rom a, 440-461. E p . X X V I I I , (a F la v ia n o ), 13 de junho de 449

[‘P ed ro falou por bôea de L eão. E sta é a d outrina de C irilo. A nátem a a quem pensar de outro m o d o !’ (os bispos em C a lced ô n ia).]

I . [O desvario de E utiques e sua incom preensão das E s c ritu ra s .] I I . B utiq u es, ignorando o que devia saber acêrca da encar­ nação do Verbo, não teve vontade de buscar a lu z da in teligên cia no estudo d iligen te das E scritu ras. D evia ter adm itido, ao m enos, com respeitosa solicitude, a fé com um e u niversal dos fiéis de todo o m undo que confessam crer E M D E U S P A I T O D O -PO D E R O SO E E M J E S U S C R IST O S E U Ú N IC O F IL H O , N O SSO S E N H O R , Q U E N A S C E U D O E S P ÍR IT O SA N T O E D A M A R IA V IR G E M . Ê stes três artigos derrotam as pretensões de qualquer h erege. Cre­ m os que D eu s é P a i onipotente, ao mesmo tem po P a i e on ip otente; segue-se que vem os o F ilh o co-eterno ao P ai, em nada d iferente do P ai, porque nasceu D eus de D eus, O nipotente de O nipotente, co-etem o de co-eterno, não lh e sendo posterior no tem po, nem in ferior no poder, nem diferente na glória, nem separado d ’Ê le na essência. Ê ste mesmo unigênito, F ilh o eterno do P a i eterno, nasceu do E sp í­ rito Santo e da V irgem M aria. Seu nascim ento no tem po, entre­ tanto, nada tirou e nada acrescentou a seu nascim ento eterno divino,

m as se entregou inteiram ente para a restauração do hom em desviado, a fim de poder vencer a m orte e por própria v irtu d e aniquilar o diabo, detentor do poder da m orte. N ós nunca poderíam os derro­ ta r o autor da m orte e do pecado se o F ilh o não tivesse tom ado nossa natureza, fazendo-a sua, o V erbo que nem m orte nem pecado podem d eter. M as desde que fo i concebido pelo E sp írito Santo no seio da V irgem M aria, cuja virgindade perm aneceu in tacta tan to em seu nascim ento como em sua con cepção. . . Ê ste nascim ento, unicam ente m aravilhoso e m aravilhosam ente único, não deve ser entendido como se im pedisse as propriedades d istin tivas da espécie [ i . e . da hum anidade] através de nôvo modo de criação. P o is é verdade que o E sp írito Santo deu fertilid a d e à V irgem , embora a realidade do seu corpo fôsse recebida do corpo d e la . . .

I I I . A ssim , intactas e reunidas em um a pessoa as prop