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Análise dos juízes sobre os instrumentos de medida e registro

3. Produção de conhecimento e desafios da pesquisa-intervenção

De uma maneira genérica, um dos objetivos da pesquisa-intervenção é criar conhecimento a partir da prática, por exemplo, verificando se as condições de ensino estabelecidas geraram ou não mudanças no indivíduo (avaliação de efetividade). Quando o objeto do estudo é a prática, pode-se focalizar diferentes possibilidades de investigação e, portanto, variadas possibilidades de produção de conhecimento, tais como: efetividade da intervenção e sua generalização, características da própria intervenção, possibilidades de aplicação com outras pessoas, identificação de componentes críticos do procedimento (diferentes tipos de avaliação e procedimentos de treino e a efetividade de cada um deles) e de variáveis do terapeuta na aplicação e condução destes.

Após a delimitação do problema de pesquisa, embasamento teórico e investigação sobre a relevância social e científica, o pesquisador planeja e estrutura os passos a serem seguidos para responder à sua questão inicial. A partir de então fantasia um modelo “ideal” para a concepção de seu estudo que irá remodelar-se às novas exigências e aos desafios surgidos, tantas vezes quantas se fizerem necessárias ao longo do seu desenvolvimento.

As dificuldades de se produzir conhecimento a partir da atuação profissional podem envolver desafios práticos, de controle de variáveis, de atuação no campo, do repertório do pesquisador, de condições culturais, estruturais e institucionais, dentre outros. O controle desse conjunto de variáveis é muito importante para que o conhecimento produzido seja realmente válido.

Assim, uma das dificuldades comuns na pesquisa-intervenção relaciona-se à dependência do pesquisador às diferentes situações, contextos (educacional, profissional, residencial) e pessoas (familiares, profissionais). Essa dependência leva à necessidade de adaptações tanto do pesquisador quanto das pessoas envolvidas com o estudo, o que, em muitos momentos, impõe mudanças naquele modelo idealizado. Como foi visto neste estudo, estas mudanças podem incidir sobre aspectos estruturais como alterações no cronograma, mas até mesmo sobre aspectos mais centrais como os objetivos do mesmo.

Gomes (2001) referindo-se a um estudo que envolveu a elaboração e aplicação de um programa de habilidades sociais junto a um grupo de adolescentes abordou também as dificuldades e desafios da pesquisa-intervenção. A autora refletiu sobre a competência necessária para lidar com diferentes instituições, funcionários, filosofias, pessoas e até animais, ao se fazer uma intervenção psicoeducacional desse tipo. Enfatiza que cada uma

dessas variáveis pode levar à reestruturação do programa, abordando a necessidade de alta resistência à frustração e uma grande disposição para enfrentar os desafios impostos pela própria situação de intervenção.

De uma maneira geral, nas etapas do planejamento, desenvolvimento e condução do programa de intervenção, a pesquisadora enfrentou situações e imprevistos que levaram a alterações da proposta inicial, revisão de etapas e seqüência destas, bem como alterações de aspectos mesmo após o início do programa. Estes percalços constituem aspectos críticos a serem abordados quando se pensa na produção de conhecimento sobre e com base na em intervenção. A pouca divulgação das dificuldades enfrentadas no decorrer de uma pesquisa-intervenção, pode, ainda, distanciar em muito a pesquisa da prática e gerar falsos mitos e impressões para ambos os lados.

O conhecimento científico é geralmente disponibilizado de forma muito fragmentada, não vindo, por exemplo, na forma de modelos de intervenção ou de diretrizes para uma intervenção. Com base nos desafios enfrentados neste trabalho, é possível extrair alguns itens nessa direção, visando trazer isso também, pretendendo oferecer possibilidades e oportunidades aos profissionais de pesquisa e da prática de reproduzirem e aperfeiçoarem o mesmo.

O primeiro objetivo deste estudo – a elaboração e descrição de instrumentos e procedimentos para a promoção de habilidades comunicativas de adultos deficientes mentais - possibilitou a descrição de diversas etapas e das decisões que precisam ser tomadas ao longo de um programa de treinamento desenvolvido, trazendo contribuições para futuras pesquisas semelhantes ou ainda para a condução de programas de Treinamento de Habilidades Sociais-Comunicativas semelhantes. Essa contribuição é particularmente importante para os profissionais da Fonoaudiologia que carecem de modelos práticos de intervenção sobre tais habilidades na literatura da área.

Considerando-se a descrição das etapas e decisões tomadas ao longo da intervenção relatada neste estudo, podem-se arrolar alguns dos principais desafios deste estudo: a) recursos pessoais; b) recursos físicos; c) restrições temporais; d) redefinição dos componentes a serem treinados; e) adaptação de materiais e procedimentos de treino. Dentre os recursos pessoais, o fundamental relacionou-se ao contratempo da disponibilidade de um profissional da escola - na qual seria realizado o programa – permanecer no local de intervenção no período das sessões. Tal aspecto tornava-se necessário e importante em termos de legislação escolar, uma vez que parte da sessão seria

realizada após o horário de funcionamento da escola. A possibilidade de somente um profissional poder exercer esse papel gerou uma primeira mudança quanto ao número de sessões semanais e diminuição do tempo de cada sessão.

A investigação dos fatores relacionados à falta de disponibilidade dos profissionais em colaborar com a pesquisa-intervenção na área de habilidades sociais-comunicativas, no caso deste estudo, aponta para a necessidade de ouvir os prestadores de serviços/profissionais quanto a concepção, disposição, grau de importância e conhecimento atual que possuem quanto a questão da promoção de habilidades sociais-comunicativas em pessoas com deficiência mental. Assim, poderia ser pensado e desenvolvido um instrumento para captação desses dados que pudesse ser útil em estudos futuros.

Além da diminuição do tempo e quantidade das sessões semanais, após o início do programa de intervenção evidenciou-se a necessidade de um número maior de sessões para o treino de muitos dos componentes, o que impossibilitaria o cumprimento do cronograma proposto e a contemplação de todos esses componentes. Com isso chegou-se ao novo desafio: recurso físico. A busca de um novo local para realização das sessões para ampliar a quantidade e duração das sessões levou à adaptação de uma dependência na própria casa da pesquisadora para este fim. Este novo local desencadeou, ainda, a necessidade de auxiliares de pesquisa para buscar e levar os participantes que não tinham independência de locomoção e não poderiam ser acompanhados por algum familiar.

A possibilidade de incorporação desses novos horários e local ocorreu devido a dificuldades financeiras da escola que ocasionaram o fechamento da mesma durante meio período no último dia de cada semana. O terceiro módulo de intervenção somente foi possível com a realização de sessões no período de férias escolares, de final de ano, dos participantes, as quais também aconteceram na sala adaptada na casa da pesquisadora. A incorporação dessas sessões dependeu de negociação entre a pesquisadora e os familiares para definição de horário satisfatório para todos os participantes e suas famílias. O novo local foi avaliado positivamente pela maioria dos familiares que relataram maior motivação dos participantes em freqüentarem um ambiente diferente do habitual. Apenas uma família avaliou negativamente referindo-se à distância de sua residência e à dificuldade devido aos horários dos transportes interurbanos. Visto por outro ângulo, essa avaliação sugere a importância de diferentes contextos físicos para intervenções desse tipo, especialmente com esse tipo de clientela, habitualmente confinada ao ambiente doméstico e/ou institucional.

A dificuldade de locomoção para esta família em particular pode ser amenizada apenas parcialmente. Uma vez que outros participantes não dispunham de nenhum familiar que pudesse levá-los ao local das sessões (horário de trabalho) e que havia apenas um veículo disponível para o transporte foi feita uma seleção de prioridades, na qual a participante em questão fazia uso deste veículo apenas para as situações semi-estruturadas (atividades práticas). Acredita-se que por este ser um contratempo diretamente relacionado a recursos financeiros, uma das soluções possíveis seria realizar o programa, sempre que possível somente em locais nos quais os participantes já freqüente sem problemas de horários e transporte. Outra solução seria tentar convênios com entidades de transporte coletivo para o transporte gratuito dos participantes anteriormente ao início do programa de intervenção.

Mesmo diante dos artifícios encontrados para amenizar os obstáculos surgidos quanto aos horários e locais das sessões, estes não foram suficientes para possibilitar a incorporação de todos os componentes em um número adequado de sessões, o que levou à redução dos componentes comunicativos inicialmente previstos. Com isso, os componentes mais complexos foram contemplados como objetivos específicos em um número menor de sessões, o que pode ser associado ao alto índice de itens que requeriam intervenção, mas para os quais não foram identificadas mudanças. Isto sugeriu a importância da observação e análise das necessidades e condições institucionais onde esse tipo de intervenção será desenvolvida.

Foi observada, também, a necessidade do desenvolvimento de materiais de apoio aos participantes, da presença de auxiliares de pesquisa para a leitura e auxílio nas tarefas de casa, da adaptação de materiais, atividades e vivências, bem como de diferentes procedimentos para o treino de um mesmo componente e a realização de uma mesma atividade e vivência em mais de um momento. Estes aspectos sugerem a importância de criatividade e flexibilidade por parte do pesquisador na busca de materiais e procedimentos alternativos e adaptados que atendam melhor sua clientela.

Considerando as etapas do desenvolvimento do programa, as adversidades vivenciadas e os resultados observados neste estudo, são a seguir apresentadas algumas diretrizes para profissionais no desenvolvimento de pesquisas futuras e na condução de intervenções práticas nessa área. Estas diretrizes foram dividas, em quatro categorias mais amplas: a) local e contexto da intervenção; b) avaliação; c) objetivos de intervenção; d) auxiliares de pesquisa; e) materiais e procedimentos de treino.