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5.4 AS PRINCIPAIS DIFICULDADES ENCONTRADAS PELOS EMPREENDIMENTOS

5.4.1 A Produção e suas Limitações

A produção realizada nas cooperativas pesquisadas acontece de forma distinta, onde no grupo EES1 acontece tudo no mesmo espaço, na sede da cooperativa, enquanto no EES2 a produção acontece em espaços separados, sendo que um grupo de cinco pessoas fica na sede do empreendimento em um espaço cedido em comodato pela OCERGS49 e o restante do grupo trabalha em suas casas, ou reunindo-se em pequenos grupos para a realização da confecção. No desenvolvimento de suas atividades, os grupos foram enfáticos em afirmar que

48 Facção são os grupos que desenvolvem atividades para outros grupos ou para outras empresas. 49 Sindicato e organização das cooperativas do Rio Grande do Sul.

existem algumas dificuldades neste processo, como as que serão apresentadas a seguir e que, no entanto, muitas já estão sendo superadas.

Junto aos obstáculos iniciais, agregam-se as dificuldades no desenvolvimento da produção, como a falta de um padrão de qualidade dos produtos, a falta de conhecimento para desenvolver todos os produtos, entre outras que nasceram juntamente com os grupos e que permeiam até a atualidade.

[...] Agora vamos costurar. Pegamos os moletons e a gente dividiu. A casa tinha duas máquinas e eu era costureira. Ia todo mundo pra lá. Aí tinha gente que acabava não fazendo, umas ficavam olhando [...] aí a gente pegou um serviço que eram umas roupas de, que era um tecido plano, era meio complicado assim, era microfibra e algumas peças vieram sujas. A gente foi lá entregar, mandaram metade de volta. Num dia de chuva, a gente pegando um diretão, porque era obrigado a entregar até as seis. Era cinco e meia quando a gente saiu daqui. A gente chegou lá já tava fechando. Ela foi pegando peça por peça, foi separando, essa passou, essa não passou, essa passou, essa não passou. Quando terminou tinha sobrado a metade só. Chegou a dona da empresa, ela foi olhar de novo. Daí que não sobrou quase nada, ela mandou tudo de volta (EES1).

Inicialmente, essa cooperativa que contava com 35 associadas com idades que variavam, neste período, de 18 a 64 anos possuía diversas limitações na produção, como a falta de qualificação de suas associadas, a falta de equipamentos para que todas pudessem trabalhar ao mesmo tempo, a falta de matéria-prima, a falta de credibilidade para comprar a matéria-prima necessária, a saída de algumas associadas após terem obtido conhecimento na confecção ou por outros motivos, entre outras limitações que desde o princípio dos empreendimentos os acompanham.

A presença, em alguns casos, de associados que procuram os empreendimentos de Economia Solidária sem ter a clareza de como é desenvolvido o trabalho coletivo dentro destas cooperativas é um fator que contribui para a ampliação das dificuldades na produção.

[...] porque, até a própria, assim, por exemplo, se a gente abre para outras pessoas irem fazer parte da cooperativa, a maioria não sabe como funciona uma cooperativa. Falta de conhecimento. Daí tu explica, explica. Ah, não então quero, não quero, por quê? Porque não tem uma garantia, não tem um décimo terceiro, não tem férias, não tem um dinheiro certo que eu possa contar. Mas a primeira coisa que perguntam, depois que a gente explica, há, mas quanto é que eu vou ganhar? Vai ganhar pelo que tu vai produzir. Ah, não, então eu já vou embora (EES2).

A falta de conhecimento sobre o funcionamento de uma cooperativa, como apresenta a presidenta do EES2, interfere na produção pela falta de pessoas com conhecimento na área que queiram trabalhar de forma autogestionária.

Para uma associada da cooperativa EES1, a dificuldade na produção é que “poucas que sabem fazer trabalhos, fazer algumas coisas, tem certos trabalhos que algumas costureiras sabem fazer e umas não sabem, então essa é uma das dificuldades”. A falta de conhecimento para desenvolver todo o processo de confecção ou na produção de alguns produtos que necessitam de uma técnica mais avançada, como apresenta uma das associadas quando indagada sobre as dificuldades na produção, que “tem uma colega que tem tudo, faz jaquetas, faz calça, faz tudo e tem uma outra que não faz e aí acaba sobrecarregando as que fazem. Mas a gente tá tentando melhorar, tentando ensinar” (A3EES1).

Segundo essa mesma associada ainda, o grupo tem como dificuldade também a falta de costureiras.

[...] achar costureiras é tão difícil. O trabalho está crescendo e a gente tem trabalho aos montes e falta costureira. Agora mais uma saiu esse mês passado. Já estava faltando e ainda sai mais uma que foi trabalhar por conta. A gente já tava com dificuldade e ainda sai mais uma, e outra, poucas que sabem fazer trabalhos, fazer algumas coisas. Tem certos trabalhos que algumas costureiras sabem fazer e umas não sabem. Até essa semana veio um cliente pra fazer umas camisetas pólo, e uma não conseguiu fazer, e a outra diz que era errado ela fazer e dar certo porque depois as outras não iriam fazer, porque aí elas iriam ficar super carregadas. Então essa é uma das dificuldades (A3EES1).

Entre as dificuldades que respingam na produção estão também a saída de associadas, ou por entender que em especial no começo dos empreendimentos, não vai dar certo, ou nas primeiras limitações encontradas, “algumas foram saindo fora. Eu não vou reformar isso, isso aqui é impossível de dar certo. Daí cada serviço que tinha nós fomos perdendo algumas sócias” (ESS1). Nesse grupo acontece que as sócias vão saindo por entender que o empreendimento leva tempo para se tornar viável, mas no outro (EES2), a saída, quebrando muitas vezes o planejamento da produção e o desenvolvimento do empreendimento, acontece após obterem conhecimento, terem qualificação para procurar emprego nas fábricas e em outros espaços formais, ou seja, de carteira assinada.

[...] a gente trabalha aqui com o limite da gente. Não adianta a gente querer expandir, querer fazer assim um trabalho. Desenvolver uma coisa maior,

crescer mais, porque tu não tem pessoal, e às vezes o pessoal chega aqui e não é pessoal qualificado. Tem que ensinar. Tem pessoal que não sabe nem enfiar linha, daí, o que já aconteceu aqui, com cinco aqui, que não sabiam nem enfiar uma linha, a gente pegou e ensinou, porque não é a mesma coisa que ter uma máquina doméstica em casa. Esse é outro problema, ensinar e tal e coisa. Saíram daqui por quê? Pra trabalhar no Renner (EES2).

Essa fala da presidenta do EES2 caracteriza o que a Economia Solidária pode proporcionar, ou seja, que esses espaços proporcionam para muitos geração de trabalho e renda, obtenção de conhecimento, nesse caso, referente à confecção, mas pode ser também apenas uma alavanca para encontrar um emprego formal, reforçando a ideia de que muitos trabalhadores ficam nos empreendimentos de Economia Solidária apenas até encontrarem um emprego formal.

Além desta instabilidade dos associados, que foi citada pelo EES2, a não realização do todo o trabalho pelas associadas desses grupos, muitas vezes pela falta de conhecimento e de equipamentos, amplia as dificuldades do grupo. “às vezes também tem algumas que não fazem a peça inteira, também porque não tem a máquina” (EES2).

Outra dificuldade na produção é manter um mesmo padrão, como apresenta o EES1:

De a gente poder ter um padrão mesmo de qualidade. Porque nós optamos aqui que a gente não queria trabalhar em série, assim, tu faz o bolso, o outro faz a manga, não. A pessoa faz o produto por inteiro, a pessoa tem que sentir orgulho e se enxergar na capacidade de fazer um produto. Ela pega um jaleco, ela pegou do começo ao fim e ela é capaz de fazer um jaleco. Então, trabalhar essa questão também da capacidade da pessoa. Isso é difícil, então, de manter um padrão, assim, sai o teu desse jeito e o outro. A gente tem as medidas, tem um padrão decidido entre todas. A distância vai ser essa, então eu acho que isso é uma busca nossa (EES1).

Por não trabalharem em linha de produção dificulta ter um mesmo padrão, no entanto, apresenta-se aí mais uma dualidade presente na Economia Solidária, a forma de organização. Mesmo tendo a dificuldade de manter um padrão, muitas vezes tendo que reparar alguma peça, permite que os associados tenham um conhecimento de todas as partes na confecção do produto, não trabalhando de forma fragmentada e alienada, o que está muito presente nas grandes indústrias.

Essa forma de organização na produção pode-se avaliar de duas maneiras, pois em muitos empreendimentos, como apresenta Barbosa (2007, p. 136), “se repete a lógica Taylorista” ou em outros grupos, em empreendimentos mais

artesanais e rudimentares que nem mesmo chegam à forma de organização idealizada por Taylor. Pode-se destacar que nos empreendimentos pesquisados, mesmo dentro de suas limitações, procuram organizar a sua de forma conjunta, ou seja, as associadas, em especial do EES1, desenvolvem todas as atividades referentes ao corte e à costura, não se inserindo apenas na serigrafia, a qual necessita de uma maior capacitação técnica. Destaca a presidenta do EES1 que nada impede que qualquer associada se capacite e possa trabalhar também na serigrafia.

O que diferencia essas experiências solidárias das empresas capitalistas é a oportunidade de realizar toda a produção. No caso desses empreendimentos de confecção, as associadas confeccionam a gola, o punho, e as outras costuras de uma peça de roupa. É importante para o associado entender todo o processo. Por trabalhar desta forma diferenciada, os grupos apresentam as dificuldades de manter o padrão de qualidade, por não trabalhar em forma de linha de produção, onde cada associado faz uma parte.

O grupo EES1 apresenta que está superando essa dificuldade através dos encontros mensais nas assembleias para discussão da gestão e da produção.

A gente já discutiu muito, assim. Já veio para a assembleia, mostrando pra todo mundo olhar a qualidade do trabalho, chamando também quando a gente tá dobrando, assim, pra entregar pro cliente. Quando tem um problema a gente chama a pessoa, [...] compara um com o outro, pra ir, pra ir aproximando cada vez mais, e quando alguém descobre algum jeito melhor de fazer passa pra outra (EES1).

Essa dificuldade pode ser também que seja encarada como um desafio para as associadas, como apresenta a presidenta do EES1, que pela intensidade de trabalho, ou seja, no “pique de correr”, o produto perde um pouco de qualidade.

A gente tá qualificando mais o nosso trabalho para agregar mais valor. Ter uma jornada um pouco menor que a gente tem, eu acho que é um grande desafio que a gente tem. Qualificar melhor o nosso produto é um desafio. Ter um acabamento perfeito. Isso faz com que agregue mais. De vez em quando, com esse pique de correr, a gente acaba realmente é não trazendo como retorno um produto com a qualidade que a gente gostaria que tivesse (EES1).

O ritmo de trabalho nas cooperativas pesquisadas ainda não é o ideal, o que pode ser prejudicial à saúde dos associados. Isso acontece tanto pela jornada de

trabalho, quanto pelas condições que os compradores impõem para a entrega do produto, obrigando os associados a ampliarem o ritmo de trabalho, como apresenta o EES.

O desafio de qualificar o produto também está presente no grupo EES1, como seus associados apresentam. Esta limitação é encarada como um grande desafio pelos integrantes do grupo, mas estes acreditam que podem, através da conversa das reuniões, vir a encontrar soluções para reduzir, amenizar e solucionar esse limite.

Essas são as dificuldades que esses grupos estão superando através da conversa e dos planejamentos em conjunto nas assembleias, a grande demanda, a necessidade de produção em escala superior a sua capacidade, em tempo reduzido, que é uma das dificuldades encontradas pelos empreendimentos solidários, destacada pela presidenta do EES2. Quando a demanda vem de empresas maiores, muitas vezes inviabiliza que os empreendimentos de Economia Solidária possam desenvolver esse trabalho. O grupo EES2 apresentou que estão discutindo maneiras de solucionar essa dificuldade.

Avalia-se que, nesse caso, o trabalho em rede, entre empreendimentos de Economia Solidária seria uma das alternativas, pois quando existirem demandas maiores, vários grupos de forma solidária podem trabalhar em conjunto, como já acontece no EES1. No entanto, isso será retratado posteriormente, quando será abordado o tema sobre redes e cadeias produtivas solidárias.