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5.5 A VIABILIDADE ECONÔMICA DOS EMPREENDIMENTOS SEGUNDO A

5.5.2 A Renda ou Divisão de Sobras

Obter maiores rendimentos, ampliar a renda ou ter uma renda extra, são os termos utilizados nos discursos dos associados quando se falam sobre os motivos do surgimento dos empreendimentos e da sua inserção em empreendimentos já existentes.

O grupo EES1 afirma a existência de vários motivos para a criação do empreendimento, e um deles é a geração de trabalho e renda, sendo que também há “a necessidade de trabalho, pelas situações que as mulheres viviam, o desemprego, criança pequenas, fábricas que fecharam”.

A cooperativa EES2 também teve entre seus motivos de criação “uma forma de geração de renda para mulheres desempregadas”. O grupo evoluiu após uma tentativa “de uma senhora que tinha uma confecção”, que queria criar uma cooperativa apenas de fachada, criar uma “coopergato” para não pagar encargos sociais para seus integrantes. Após uma série de conflitos, essa cooperativada se desligou do grupo, sendo que o restante das associadas, em conjunto com uma entidade que as apoia até hoje, alavancaram a atual cooperativa. “Os trabalhadores engajados em cooperativas igualitárias e democráticas estão sempre procurando desvincular suas experiências do pseudocooperativismo, chamado de cooperfraude” (SOUZA, 2003, p. 38).

A renda, inevitavelmente, está entre os principais motivos de inserção dos associados, em empreendimentos já existentes, ou até mesmo ao montar novos grupos para a geração de trabalho e renda. Como já destacado, a renda média dos grupos pesquisados fica entre um e quatro salários mínimos, mas nem sempre foi assim. A renda depende da produtividade do empreendimento e de cada um, pois, como a grande maioria dos empreendimentos de setor de confecção, o rendimento é

por produtividade, onde os pesquisados não se diferenciam. Esse pode ser um importante fator para que o empreendimento atinja, mantenha, ou amplie a sua viabilidade econômica. A desigualdade de salários que está presente na economia de mercado, ou a pequena diferença que existe e por setores, não está presente nesse caso, como é apresentado pelos empreendimentos pesquisados.

Um grupo para ser considerado viável economicamente necessita, entre outros fatores, gerar renda para seus associados, e esse ponto é muitas vezes fatal para os empreendimentos solidários, especialmente no princípio dos grupos. O rendimento baixo no início faz muitos associados desistirem do trabalho cooperado, procurando novas alternativas através da economia popular ou ficando nas “listas de espera” por emprego formal.

No entanto, quando os grupos conseguem ter uma renda, passa a ser um dos principais fatores motivadores para dar sequência no grupo, mesmo recheado de dificuldades, como apresenta o EES1, onde conta como foi o processo da primeira sobra que pôde ser dividida entre os associados.

[...] O sindicato dos metalúrgicos estava fazendo uma tomada de preço. Fizeram três orçamentos e o nosso orçamento foi o menor. Daí a gente foi, em 15 dias, ele nos deu 15 dias, a gente comprou a malha com cheque pré- datado, numa loja aqui. Como a gente já era costureira e tal, já tinha crédito. A gente comprou as camisetas, confeccionou, mandou fazer a serigrafia fora porque a gente não tinha serigrafia e entregamos. Bom, aí foi muita emoção sabe, porque a gente dividiu aquele dinheiro. A gente viu que tinha dinheiro sabe, que dava pra dividir, e a gente viu que esse seria o jeito pra trabalhar. As camisetas no dia que a gente foi dobrar tinham duas que estavam só reformando, que não tava legal, pra fazer de novo [...] (EES1).

No relato da líder do empreendimento, verifica-se a dificuldade inicial desses empreendimentos até chegar à divisão das sobras, que nesse momento, para esse grupo, foi de extrema importância para fortalecer e dar confiança para seguir trabalhando de forma coletiva e solidária.

A renda para associados, como já destacado, depende da produção de cada um, como é o caso do EES2. O rendimento de cada associado, ou seja, a retirada, é de acordo com a produção mensal do associado. Uma ambiguidade novamente se apresenta, pois quando, por motivos diversos, algum associado não conseguir realizar suas atividades, não tem rendimentos, e isso pode inviabilizar os grupos pela desistência de associados. Um ponto que ainda necessita ser melhorado, talvez com a implantação da política pública.

No EES1, a divisão das sobras acontece de forma diferenciada dentro da própria cooperativa, no entanto, depende da produção de cada um em seu setor. A forma diferenciada é entre os três segmentos inseridos dentro da cooperativa, são eles: corte, costura e serigrafia. Destaca-se ainda que estão presentes a autogestão e a tomada de decisões coletivas nos empreendimentos.

A gente aqui tem duas formas de divisão. A gente já viveu outras formas também, então, assim, as costureiras, a gente viu que era legal ter um valor por cada, por cada parte do trabalho que se faz. Então fechamos uma camiseta, qual é que deve ser o valor que a gente acha que é possível pra gente tá dentro do mercado, mas ao mesmo tempo, assim, que não seja, que seja valorizado o trabalho, que seja motivador. Então a gente definiu um valor. Para fazer o acabamento da camiseta? Quer fazer as bainhas e tal, um valor também decidido entre todos, pra cortar qual que deve ser o valor? Mas o que compreende cortar? É cortar, é atender os clientes que chegam, é comprar matéria-prima, é embalar tal, então ta, tem um valor X (EES1).

O grupo definiu os valores para cada peça produzida, como apresentou a líder do grupo, não encontrando dificuldades nesse processo, pois cada associada sabe a sua produção e também seus rendimentos. Destaca-se na fala da associada que todas as partes são discutidas pelo grupo: “Todas as partes são discutidas, e tem um valor definido [...]” (EES1), ou seja, o grupo tentou encontrar um valor ideal. “Muito discutida. Não sei se ela é a ideal assim. Se a gente defende isso até a morte que nós chegamos num ideal, não. A gente acha que esse é o ideal para esse coletivo. [...] O justo e o correto é aquele que agrade a todos” (EES1).

O que facilita a divisão das sobras é a discussão entre todos os associados, a autogestão e a responsabilidade de cada associada quanto às suas tarefas, o que nos remete novamente a citar o EES1:

[...] Sobre todas que costuram. Elas não têm um horário que elas fazem coletivo assim. É a gente, a cooperativa abre das sete as onze e da uma as seis. Mas a costureira ela pode chegar às sete e meia, ela pode chegar às oito. Ela pode chegar às oito e meia. Ela pode chegar a hora que ela quiser e ela vai embora à hora que ela quiser. Mas ela sabe que ela vai estar ganhando pelo o que ela produzir. Todo mundo faz um esforço pra cumprir esse horário porque ela tem um valor também que ela vai estar recebendo. E aí chega no final do mês, soma, e aquele valor, e ela sabe que é aquele valor, na divisão das peças é que se faz quando se divide o trabalho, não é porque você é rápido (EES1).

O horário não é priorizado nas cooperativas, sendo que cada associado sabe que a retirada na cooperativa irá depender de sua produtividade. Pode-se analisar

nesse sentido, novamente, a dualidade presente na Economia Solidária, onde se pode avaliar como uma forma de precarização do trabalho obter rendimentos somente sobre sua produtividade, não obtendo direitos em casos de falta por motivos como de saúde. Concomitantemente com essa limitação, destaca-se que a produção exercida, em se tratando de rendimentos, poderá ser superior aos baixos salários que os mesmos poderiam estar ganhando em outros locais. No entanto, esses associados não encontram outras formas de geração de renda.

Destaca o EES1 que os rendimentos possuem semelhança, sendo que as retiradas nesses empreendimentos possuem poucas diferenças em valores, mesmo existindo divergências nas capacidades técnicas dos associados. “então você vai fazer 100 camisetas e eu sou mais lenta e vou fazer 20. Não. Camiseta é o que todo mundo gosta de fazer, então se divide por igual [...]”. A solidariedade entre os colegas se apresenta dessa forma onde “os serviços mais difíceis se dividem proporcionalmente ao que cada um pode estar fazendo. Então o fácil pra todo mundo é igual e o difícil é proporcional à capacidade de cada um” (EES1).

As associadas são constantemente desafiadas a melhorar as suas qualidades técnicas e aprender com as colegas, pois, como afirma uma das associadas do ESS1, “tem um jaleco de botão e gola tal, tem um valor X. Você pode não fazer, mas você sabe que vai ser prejudicado. Então você também faz um esforço para estar fazendo, porque também isso vai te dando mais valor no teu trabalho” (EES1).

A distribuição da renda na costura é pelo que produzem. No corte, como são cinco associadas, através de um pacto entre elas, possuem o mesmo horário e por isso os rendimentos são iguais, independente do corte que cada associada estiver fazendo. Essa forma de organização e de retiradas acontece também na serigrafia, onde os responsáveis pelo setor têm os mesmos horários e rendimentos. E é assim que se organiza a cooperativa EES1.

As retiradas, como chamam os associados, também devem ser comprometidas com os empreendimentos, pois “[...] você não pode ter uma retirada porque tá comprometida com uma nova compra” (EES1), ou seja, os grupos tem o cuidado em não fazer retiradas superiores ao que o grupo pode comportar, mantendo assim o capital de giro e, consequentemente, a sustentabilidade do empreendimento.

Os empreendimentos se organizam da seguinte forma para manter a viabilidade do empreendimento: o EES2, na divisão das sobras, contabiliza uma

parcela como sendo mais um associado, que fica para a cooperativa, como o exemplo citado pela presidenta do grupo: “Sim, todo mês, quanto a gente faz, quando a gente vai dividir, por exemplo, se são dez pessoas que trabalharam ali a gente faz como se fossem onze, aquela décima primeira é a parte da cooperativa (EES2).

Enquanto no EES1, 5% dos rendimentos de cada associado ficam para a cooperativa manter as contas cotidianas desta. Ressalta esse grupo que sempre estão em constante discussão e “no momento que tiver alguém que não tá se sentindo bem com essa forma, vamos parar e vamos conversar porque pode existir uma outra forma” (EES1).

O grupo EES1 tem também outros fundos:

A gente tem um fundo de solidariedade. A gente faz divisão de sobras. Nos últimos três anos a gente tá conseguindo fazer divisão de sobras. A gente valoriza as cotas, então uma parte das sobras vai pras cotas. E tem uns fundos oficiais também, obrigatórios de lei, que é o fundo de educacional. A gente tem também um fundo de formação, criado pela gente, tem um fundo reserva (EES1).

Outro fundo, que demonstra também a solidariedade que existe nesses grupos, é o fundo de representação. Esse grupo, após ganhar destaque no comércio local, estadual e, porque não, nacional, passou a apresentar as suas experiências. Esse fundo foi criado para manter estes associados que vão compartilhar a experiência enquanto trabalhadores solidários e autogestionários. “Alguém convida pra ir lá numa faculdade falar sobre a cooperativa e daí qualquer uma de nós vai. Tem uma ajuda de um fundo que a gente criou pra que quando a pessoa for, ela sair do trabalho, ela não perca o seu tempo de trabalho” (EES1).

Os grupos de Economia Solidária, mesmo enfrentando muitas dificuldades e limitações, conseguem a viabilidade econômica, e dentro dessa viabilidade proporcionam muitas possibilidades a seus associados, fundamental para a sustentabilidade dos próprios grupos.

5.6 O TRABALHO COLETIVO ATRAVÉS DA ECONOMIA SOLIDÁRIA E AS