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PRONERA EXPERIÊNCIAS COM A EDUCAÇÃO DO CAMPO PELO BRASIL

Nos anos 90 os movimentos sociais do campo em processos de mobilização alcançaram transformações efetivas em detri- mento de interesses capitalistas e suas lutas intensificaram-se em defesa da reforma agrária. Nesse cenário, os movimentos sociais do campo, através do MST6, participaram ativamente resistindo às intensas mudanças ocorridas em função do sistema capitalista, reivindicando direito à terra, acesso ao conhecimento e à escolarização da população assentada como 6 Movimento dos Trabalhadores Sem Terra.

parte das estratégias de resistência à expropriação provocada pelo sistema capitalista.

A luta dos movimentos sociais vai para além da terra. Eles reivindicam educação e isto é um forte componente das lutas e conquistas que compõem um amplo processo que envolve a massificação, organização interna e políticas públicas para a população assentada da reforma agrária. As políticas públicas educacionais devem atender interesses universalizantes, mas devem também ser específicas, para que determinados grupos vulneráveis da sociedade possam ter acesso aos direitos previstos nos documentos oficiais. Nesse sentido, o PRONERA representa uma conquista dos movimentos sociais que lutam por acesso à educação para as pessoas que vivem no campo. Esse programa tem tido papel fundamental na redução das desigualdades sociais e regionais em nosso país, assegurando o acesso à educação para a população assentada.

A educação do campo, historicamente, é uma pauta de reivindicação e luta das populações do campo no Brasil. O PRONERA tem como objetivo a ampliação dos níveis de escolarização formal dos trabalhadores rurais assentados, além de se propor a apoiar projetos de educação que utilizam metodologias voltadas para o desenvolvimento ambiental, social e econômico dos acampamentos e assentamentos.

Segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que opera o Programa, os jovens e adultos de assentamentos participam de cursos de educação básica (alfabetização e ensinos fundamental e médio), técnicos profissionalizantes de nível médio e diferentes cursos supe- riores e de especialização. O Programa capacita educadores

e coordenadores locais, que agem como multiplicadores e organizadores de atividades educativas comunitárias. Na última década foi assinado, pelo governo, o Decreto nº 7.352, de 04 de novembro de 2010, que institucionaliza o PRONERA como política pública, sendo um dos principais programas que garante a educação em áreas de Reforma Agrária, de forma a atender as necessidades do povo do campo.

No âmbito desta pesquisa selecionamos dois artigos que apresentam temáticas relacionadas ao PRONERA. ANJOS, GOMES & ALMEIDA (2013) tratam das diversas concepções dos professores e estudantes com relação ao ensino tradicional e sua posterior mudança e percepções após participarem de curso de formação do PRONERA, desenvolvidos pela UFPA na Cidade de Marabá, Pará. A pesquisa que realizaram, entrevistando as pessoas que passaram pela formação do PRONERA, mostra a importância dos conceitos fundantes deste programa especialmente para os sujeitos do campo, quando usado de forma correta.

Os autores demonstram pela própria fala dos entrevista- dos (professores que atuavam nos assentamentos e alunos em formação para se tornarem professores) que estes tinham uma concepção de escola, de ensino-aprendizagem, de relação professora-aluno, de avaliação, todos centrados na escola tradicional, do tipo de educação bancária conforme aborda Paulo Freire em seu livro Pedagogia do Oprimido. Todos de- monstraram a surpresa ao se depararem com entrevistadores que pediam a descrição de suas vivências em suas comunida- des, a produção de textos de suas percepções e a realização de debates em sala, levantamento dos problemas a partir da realidade de suas comunidades, suas histórias de vida, etc.

Embora o curso não tenha resolvido todos os problemas de formação que os professores possuíam, foi muito importan- te para que tomassem outra perspectiva sobre a sua prática docente, seja de quem já estava na ativa, seja de quem iria iniciar. Foi muito importante os professores perceberem que existe um ensino tradicional onde são realizadas provas como única possibilidade de avaliação, o livro didático como pos- suidor das verdades absolutas e incontestáveis, os currículos prontos, entre outros, e, em contrapartida, se depararem com outras possibilidades de se constituir uma educação, como tendo uma avaliação contínua sem quebra das atividades de ensino-aprendizagem, a possibilidade de estabelecer processos de ensino-aprendizagem sem o livro didático e que ainda é possível estabelecer conteúdos importantes para os alunos a partir de suas histórias de vida. Modelos de ensino e de escola são organizados com uma intencionalidade e o professor, ao perceber isso, pode mudar a sua práxis para interferir de forma crítica na realidade com possibilidades de mudança. Se o curso não permitiu isso de uma forma radical, pelo menos possibilitou que uma pequena semente fosse plantada.

DI LORENZO (2013) nos traz uma experiência no ensino superior, nas ciências agrárias, tida como resistência à classe hegemonicamente dominante, contra o capitalismo agrário, contra a reprodução ampliada do capital e contra a inércia do poder público. O curso foi materializado graças às parcerias entre PRONERA, Universidade Federal da Paraíba e Movimentos Sociais, no período de 2009 a 2013. O curso foi desenvolvido todo dentro do que estabelece os princípios do PRONERA para a Educação do Campo de forma que seja realmente transfor- madora, pautada na interação sujeito-objeto, pelo pensamento

do Movimento por uma Educação do Campo, pelo diálogo, pela transdisciplinaridade, tendo o trabalho como princípio educativo, pedagogia da alternância, campo como elemento pedagógico de aprendizagem participativa, entre outros.

DI LORENZO (2013) considera que o curso, além de atingir seus objetivos específicos e didáticos de ensino- -aprendizagem, possibilitou que seus integrantes passas- sem a questionar o Estado, reivindicando os seus direitos através de atitudes afirmativas, dentro da sociedade civil organizada, através dos movimentos sociais. Essa dimensão política de participação ativa se deu especialmente porque o curso foi levado a cabo dentro de uma perspectiva onde não havia “distinção entre educação e trabalho” tendo o “trabalho como princípio educativo”, ou seja, a formação do estudante foi integral articulando educação intelectual com a produção material e tudo que diz respeito a esse estudante: o seu trabalho enquanto sujeito do campo, a sua formação técnica, a sua percepção de pertencer a um mundo material no qual o Estado articula os seus interes- ses conforme a classe que está no poder e todas as ações pelas quais a materialidade da vida traz a esse estudante.

A questão da produção do conhecimento foi outro ponto importante nesta experiência onde se articulou saberes científicos com os saberes populares, numa dimensão de utilidade prática para os sujeitos do campo. A metodologia empregada foi baseada em princípios como os da Pedagogia da Alternância, abordando temas como o Desenvolvimento Sustentável e Educação do Campo, que foram imprescin- díveis para que o curso atingisse os seus objetivos. Dessa forma percebe-se muito bem que o campo tem identidade

e tem necessidades específicas que precisam ser atendidas com metodologias próprias e não importadas da cidade ou da classe dominante, que possibilite o empoderamento e a alteridade dos sujeitos que vivem nessas realidades.

A possibilidade de discussões na universidade na perspec- tiva do sujeito do campo foi uma das principais contribuições dessa experiência. Entretanto, fato é que ainda é frágil a situa- ção de permanência desse sujeito em seu local, especialmente os que dispõem de formação profissional qualificada, pois o Estado não apresenta alternativas para que esses sujeitos permaneçam e organizem os seus territórios do campo. A ex- periência pode ter alcançado êxito, pela sua forma de execução e pelos resultados obtidos, mas é uma experiência com início e fim. Não é uma experiência de longo prazo, com possibilida- des de formação constante para os sujeitos do campo. Então, fica entendido que apesar de ser possível fazer uma educação diferente da que massifica, exclui e não liberta, subsumida ao capital, essa possibilidade ainda está longe de se constituir em uma prática comum nas escolas, mesmo na universidade.