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A PROPÓSITO DE UMA TEORIA PURAMENTE PROCESSUAL DA JUSTIÇA : ENTRE A POSSIBI LIDADE DEMOCRÁTICA E A PERDA DOS PRINCÍPIOS DE JUSTIÇA

No documento U MA HERMENÊUTICA DOH OMEMJ USTO (páginas 58-82)

A S DIMENSÕES DA IDÉIA DE JUSTIÇA E A CONCEPÇÃO PURAMENTE PROCESSUAL : ENTORNO DA INDIGNAÇÃO E A BUSCA PELO SENTI-

1.3 A PROPÓSITO DE UMA TEORIA PURAMENTE PROCESSUAL DA JUSTIÇA : ENTRE A POSSIBI LIDADE DEMOCRÁTICA E A PERDA DOS PRINCÍPIOS DE JUSTIÇA

Para desenvolver com mais detalhamento a terceira dimensão da idéia de justiça – a jurídica –, Ricoeur parte de uma análise da teoria da justiça de John Rawls segundo a qual o problema ganha um aspecto relativamente pragmáti- co-processual, isto é, Ricoeur volta seu olhar para a possibilidade de uma prática social que tenha como finalidade a efetivação de um ideal de justiça e não uma me- ra postulação vazia e morta, circunscrita no plano da lógica por princípios que pa- recem apenas cumprir um papel ideológico e nada concreto no cotidiano dos indi-

47 víduos integrantes da sociedade. Para que essa composição da idéia de justiça se dê de modo efetivo e próximo da realidade e da necessidade dos conflitos de inte- resses que emergem de casos em situação, é preciso identificar os princípios origi- nais da idéia de justiça, que servirão para justificar a solução apontada para os ca- sos concretos, e atualizá-los de acordo com as circunstâncias de justiça, ou seja, com as condições possíveis de sua efetivação. Esse processo de atualização, de mo- do a atender o mais pronta e proximamente aos interesses litigantes, constituiria aquilo que a tradição da teoria do Direito aprendeu a chamar modernamente de

jurisprudência.

Não se trata do exercício de reflexão elaborado no âmbito judiciá- rio como expressão de um mero processo lógico de subsunção do caso concreto à lei, nem tão pouco da identificação dos enunciados prescritivos que são elaborados pelos canais de justiça na forma de súmulas sapienciais com a finalidade de orien- tar os atores processuais na formulação de suas argumentações. A jurisprudência, nesse caso, é propriamente a reflexão judicial acerca das circunstâncias da justiça, o que acontece quando o caso extrapola os limites da previsão normativa vigente e requer a apreciação dos argumentos propostos pelas partes de modo a atender aos princípios de justiça almejados por uma sociedade determinada. Trata-se de algo substancial, motivado por princípios de justiça originais – os escolhidos numa situ- ação hipotética original de formação de um contrato social e de uma sociedade – e que requerem uma justificação de sua persistência dentro de um sistema de pen- samento e de sua permanência como estrutura básica destina à solução de confli- tos.

Para tanto, é necessário que aqueles “juízes, quer dizer, indivíduos como nós, reputados independentes” 50, sejam capazes de desenvolver uma refle-

xão que dê significado à ideia de justiça circunstanciada pela situação em discus- são: trata-se da busca por uma sabedoria prática que, tradicionalmente construída a partir do exame daquilo que Rawls chamara de situação original ou posição origi-

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nal e com vista à eqüidade51, seja capaz de pôr fim ao conflito de interesses. A justi-

ça, então, é vista como um processo de atualização de princípios originais de justi- ça, em face de casos concretos atuais, ou, simplesmente, casos em situação. Mas o que vem a ser essa situação original ou posição original que prenuncia a necessidade de não se perder o foco sobre um horizonte de eqüidade, isso quando se trata de verificar a aplicabilidade dos princípios de justiça nos casos em situação? Ou, dito de outro modo, o que é a posição original como fundamento de justificação dos princípios de justiça que devam ser aplicados aos casos aludidos numa discussão judicial?

Segundo Rawls, uma ideia de justiça como eqüidade deve considerar que seus princípios, eles próprios, devem ter sido objeto de um acordo original e numa situação originalmente definida52. Isso quer dizer que os princípios de justiça

destinados a fundamentar qualquer decisão judicial sobre conflitos de interesses atuais, devem ter sido escolhidos, assim como as demais regras e princípios de constituição da ordem política e jurídica vigente, no momento da formação da própria sociedade (e, supostamente, de seu contrato social). O principal argumento rawlsiano é “um argumento de „contrato social‟, um argumento sobre que tipo de moralidade política as pessoas escolheriam se estivessem estabelecendo a socieda- de a partir de uma posição original” 53. No entanto, o sentido desse „contrato social‟

deve ser tomado não como o de um acordo, mas como um dispositivo de verifica- ção das implicações da igualdade moral dos indivíduos que se encontram na situa- ção original, isso, num estado de natureza que caracteriza a todos os indivíduos conforme uma mesma condição: todos livres e iguais, ao menos moralmente (quer dizer, do ponto de vista da autonomia individual). É como ensina Apel, ao comen-

51 L1, p. 270. Diz o autor: “A equidade se revela assim ser um outro nome do sentido da justiça,

quando este atravessou os conflitos suscitados pela aplicação mesma da regra de justiça” (“L‟équité s‟avère ainsi être un autre nom du sens de la justice, quand celui-ci a traversé les conflits suscité par l‟application même de la règle de justice”).

52 TJ, p. 127.

53 KYMLICKA, Will. Filosofia política contemporânea: uma introdução. Trad. Luís Carlos Borges. São

49 tar o paralelo que Ricoeur faz entre o contrato (no plano das instituições) e a auto- nomia (no plano da moralidade):

“A transposição para o plano das instituições desta auto- nomia... e desta moral do respeito, contém, igualmente o contrato no seu cerne.

“Mas, ao contrário do contrato no sentido de Rousseau ou de H. Arendt, já não se trata de representar a vontade do constituinte (o con- trato social), mas de mostrar como o contrato se desliga das intenções dos „contratantes‟ e se autonomiza para estabelecer a igualdade entre as pesso- as” 54.

Trata-se de um modo de justificar uma mesma condição de igual- dade entre os indivíduos da posição original, segundo critérios que não poderiam ser refutados por qualquer um deles. Uma condição de moralidade capaz de justi- ficar a igualdade em que todos se encontram, além de garantir a mesma liberdade para escolher os princípios de justiça que devem ser eleitos nessa situação original, sem que qualquer um deles seja desprivilegiado em razão do outro, eis o que se espera para legitimar os princípios que serão escolhidos e aplicados nos casos em situação, sem que se perca uma primazia da idéia de justiça sobre qualquer noção de bem. Assim, a constituição da idéia de posição original na teoria de John Rawls, não se refere, portanto, a uma “afirmação antropológica a respeito da existência pré-social dos seres humanos, mas [a] uma afirmação moral a respeito da ausência de subordinação natural entre os seres humanos” 55 que se encontram, ao menos

hipoteticamente, numa mesma condição na situação original do contrato.

Conforme a teoria da justiça de Rawls, a legitimidade dessas esco- lhas prescinde, logicamente, de uma condição igualitária entre os membros funda- dores da sociedade no momento da origem da sociedade, de modo que ninguém

54 ABEL, Olivier. Paul Ricoeur: a promessa e a regra. Trad. Joana Chaves. Lisboa: Instituto Piaget,

1996. P. 76 e segs.

55 KYMLICKA, Will. Filosofia política contemporânea: uma introdução. Trad. Luís Carlos Borges. São

50 seja preterido em relação aos demais por conta de alguma vantagem natural pró- pria. Assim, os indivíduos que se encontram na posição original devem compartilhar das exatas mesmas condições de escolhas, que cada qual pode ter no momento da fundação da sociedade, para a escolha dos princípios de justiça que deverão ser aplicados para os casos em situação. Então, tais princípios devem ser aceitos por pessoas racionais e devem ser compreendidos como a melhor solução de futuros conflitos de interesses, independentemente do que pensa, sabe ou acredita cada qual dos indivíduos na posição original. Para Rawls o conceito de posição original é

“o que apresenta, do ponto de vista filosófico, a interpretação mais adequada dessa situação de escolha inicial para os propósitos de uma teoria da da justiça”. Nesse sentido, a posição original “é definida de modo a ser um status quo no qual qualquer consenso atingido é justo. É um estado de coisas no qual as partes são igualmente representadas como pessoas dignas, e o resultado não é condicionado por contigências arbitrárias ou pelo equilíbrio relativo das forças sociais” 56.

A posição original deve representar para qualquer indivíduo racional a melhor solução racional possível e aceitável – ou, simplesmente, a solução mais razoável –, para todos os membros da sociedade presente e futura, considerando os anseios de interesse geral e as crenças pessoais possivelmente conhecidas de todos. Trata-se de um argumento justificador acerca do contexto inicial de igualdade que não deve ser entendido como uma mera característica formal do procedimento de construção do contrato social e do respectivo centro de poder político, mas como um argumento moral substantivo, a partir do qual se pode reconhecer o ponto de partida de uma sociedade justa: algo fundado no reconhecimento de uma igualdade humana fundamental – uma igualdade moral –,

51 ou valor intrínseco igual dos seres humanos57. Dessa maneira, o resultado

esperado é que a dignidade dos indivíduos em geral seja respeitada, uma vez que eles desconhecem as particularidades dos membros da sociedade que se forma a partir de tal posição.

Nessa direção, Rawls sustenta que a posição original é uma situação puramente hipotética acerca de certa psicologia que todos têm acerca das crenças e dos interesses em geral: trata-se daquela noção geral que os indivíduos portam consigo na formação do contrato social, acerca de quem possivelmente é e do que é capaz de fazer o ser humano em geral58. Então, essa posição original em que se en-

contram os indivíduos no momento da escolha dos princípios de justiça, implica no reconhecimento de que todos os participantes são indivíduos racionais e de que todos, sem exceção qualquer, conhecem exatamente as mesmas coisas sobre os demais, de modo que qualquer vantagem pessoal seja logicamente impossível (e, como se verá mais adiante, implica também no conhecimento do que seria a justiça e a injustiça ou, ao menos, o injusto e o justo; o problema dessa possibilidade – e que constituirá uma das principais críticas à teoria da justiça de Rawls –, é que qualquer noção sobre o injusto e o justo implica no reconhecimento de uma míni- ma noção de bem, algo do qual a teoria rawlsiana tenta se afastar veementemente por todo o trajeto de pensamento). Ainda assim, nesse sentido, Rawls fundaria uma concepção de estado de natureza – o estado da natureza dos indivíduos na

posição original – como uma posição inicial de igualdades, segundo o próprio autor,

diferentemente daquilo que as teorias contratualistas modernas fizeram afirmar, propondo condições desiguais entre os indivíduos, já na posição original59. Álvaro

de Vita explica que

57 VITA, Álvaro de. A justiça igualitária e seus críticos. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007

(Col. justiça e direito). P. 181-183.

58 TJ, p. 128.

59 KYMLICKA, Will. Filosofia política contemporânea: uma introdução. Trad. Luís Carlos Borges. São

52 “A posição original deve ser concebida de forma que um acordo razoável sobre os princípios possa ser alcançado; concebê-la assim, por sua vez, é uma forma de exprimir a idéia de que uma sociedade bem- ordenada é aquela na qual a igualdade humana fundamental é apropriada- mente reconhecida.

“a razoabilidade de dada justificação depende de em que medida aquilo que se quer justificar pode fornecer as bases de um acordo in- formado e livre entre pessoas que divergem em suas concepções do bem” 60.

Os indivíduos na posição original têm o conhecimento logicamente possível do que qualquer ser humano – qualquer homem – é capaz de acreditar e de esperar dos outros, eles têm uma noção igualitária dos interesses que qualquer um pode ter na formação de uma sociedade organizada e de um poder político legítimo, mas não têm e nem podem ter – naquele momento inicial – o conheci- mento de anseios particulares, nem se reconhecer no anseio particular do próximo: eles apenas podem esperar certa capacidade racional para justificar razoavelmente as próprias ações aos outros indivíduos, de modo que eles não possam razoavel- mente rejeitar. Essa condição racional e sensível que acoberta e aproxima a todos na posição original é o que John Rawls chamou de véu de ignorância.

Ora, a idéia da posição original é a de estabelecer um processo eqüi- tativo de solução de conflitos, mediante a aplicação de princípios de justiça aceitos e considerados como justos61, o que somente se propicia sob certas condições de

não-reconhecimento de algumas características particulares dos indivíduos e do momento da formação. Por de trás de um véu de ignorância os indivíduos não sa- bem das várias alternativas que poderão afetar suas condições particulares. Desco- nhecem as circunstâncias particulares e os lugares em sua própria sociedade. Não podem saber da sua sorte na distribuição de dotes naturais e habilidades, como

60 VITA, Álvaro de. A justiça igualitária e seus críticos. 2. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007

(Col. justiça e direito). P. 184 e 185.

53 inteligência e força62. Assim como ninguém conhece sua concepção de bem, nem

mesmo traços característicos de psicologias pessoais. Ignoram plenamente a posi- ção política e econômica de sua sociedade, além do nível cultural e de civilização que ela é capaz de atingir. Na posição original as pessoas não sabem sequer a qual geração elas pertencem, isto é, elas desconhecem até mesmo suas ascendências e respectivos papéis desempenhados no interior de um grupo dotado de uma iden- tidade espiritual comum. Segundo Kymlicka, o véu de ignorância não pode ser compreendido como uma teoria da identidade pessoal, mas como um “teste intui- tivo da eqüidade” 63, a partir do qual os indivíduos são levados a fazer a escolha

dos princípios de justiça que deverão direcionar seus julgamentos. Uma vez que eles não podem ter conhecimento das condições individuais que a natureza lhes impõe, nem o conhecimento de como vão lidar com elas em face das oportunida- des sociais propiciadas pela estrutura de base da organização social e pela distribu- ição econômica dos bens e riquezas, os princípios de justiça, escolhidos na posição

original, devem ser capazes de beneficiar a si mesmo e ao outro de maneira equâ- nime.

Já além do véu de ignorância os indivíduos podem conhecer um ú- nico fato particular: a sociedade está sujeita às circunstâncias da justiça e a qual- quer consequência delas decorrente64, uma vez que todos estão envolvidos com a

condução de suas próprias vidas, e embora haja diferenças entre os planos de vida individuais, todos compartilham de um ponto em comum: há uma vida a ser con- duzida, há um plano de vida a ser vivido. Ora, parece que os indivíduos na situa- ção original têm um controle muito maior sobre os sentidos de vida que orientam suas escolhas, do que a teoria rawlsiana sugere haver. Não somente eles sabem que

62 Diz Olivier Abel (Paul Ricoeur: a promessa e a regra. Trad. Joana Chaves. Lisboa: Instituto Piaget,

1996. P. 77): “os parceiros, colocados por hipótese numa mesma situação em que ignoram qual será a sua posição na distribuição social dos papéis, encargos e vantagens, devem escolher os princípios de distribuição mais justos possíveis e menos vantajosos para os mais desfavorecidos, entre os quais qualquer um deles poderá encontrar”.

63 KYMLICKA, Will. Filosofia política contemporânea: uma introdução. Trad. Luís Carlos Borges. São

Paulo: Martins Fontes, 2006. P. 79.

54 existem interesses particulares – ainda que não possam lhe definir um conteúdo – como sabem que a satisfação de determinados interesses em detrimento de outros pode acarretar a constituição de práticas injustas. No entanto, saber o que é e o que não é injusto depende de certo direcionamento, de uma percepção pessoal, de uma intencionalidade quanto aos propósitos da sociedade ainda na situação original. Isso quer dizer, que esses mesmos indivíduos da posição original não podem ignorar totalmente certos interesses ou bens particulares, se o caso é o de escolher princí- pios de justiça que valham para todos em respeito à condição de igualdade e a li- berdade de que precisam.

Por conta desse quadro, onde um véu de ignorância recobre a todos sem exceção na posição original, Rawls o concebe como condição lógica e não histó- rica, como uma perspectiva atemporal que bem justifica a escolha dos princípios de justiça para os casos em situação65. E é exatamente porque ninguém sabe algo em

particular sobre o outro na posição original – o que se revelará somente posterior- mente à instauração do contrato social – que é possível afirmar a legitimidade dos princípios de justiça que são escolhidos para a solução dos conflitos em situação: sua justifica está no fato de que eles foram escolhidos sob uma base estritamente racional e pretensiosamente objetiva, para garantir que houvesse a mínima igual- dade moral entre os indivíduos na situação original.

No entanto, após esse momento, começam a surgir os casos em si- tuação ou conflitos de interesses reais (temporais), pois somente então os indiví- duos tomarão o conhecimento – e assim começaram a se re-conhecer acerca – de qual é o seu papel na sociedade, quais são suas vantagens reais e também as des- vantagens. Somente então questionarão por que têm tão pouco em relação a outros que têm muito mais ganhos, vantagens ou oportunidades: é momento que a indig- nação começa a sobressaltar e a fazer diferença na manutenção da paz das relações

65 Segundo Rawls a posição original “não deve ser considerada como uma assembléia geral que in-

clui, num dado momento, todas as pessoas que vivem numa determinada época... a posição ori- ginal deve ser interpretada de modo que possamos, a qualquer tempo, adotar a sua perspecti- va”, conf. TJ, p. 149.

55 sociais. Sob essas condições o indivíduo que se sente injustiçado irá pleitear uma espécie de revisão de sua participação na sociedade, alegando que não há mais qualquer tipo de relação igualitária que garanta a ele alguma vantagem possível: é o momento em que os princípios de justiça, escolhidos na posição original, são revi- sitados e revistos, agora, sob circunstâncias particulares de justiça, caso que envol- ve aquele que pleiteia o restabelecimento da igualdade – de uma justiça igualitária – e os seus pares, de quem se reclama a falta de igualdade nas relações. Explica Rawls que as circunstâncias de justiça “se verificam sempre que as pessoas apre- sentam reivindicações conflitantes em relação à divisão das vantagens” 66, quer

dizer, sempre que se questiona se o beneficiário é necessariamente merecedor do bem que locupleta.

Para esse momento novo, de um caso particular em situação, será necessário sopesar as circunstâncias e desenvolver uma nova compreensão acerca da realidade social dos participantes, de modo que uma nova solução judicial pos- sa servir como modelo de conduta para os novos casos em situação que aparece- rem a par do caso repensado: uma sabedoria prática, isto é, aquilo que Aristóteles mesmo chamara de phrónesis. E então, a compreensão do que seja essa sabedoria prática no interior da filosofia de Paul Ricoeur dependerá em parte do estudo da ideia de justiça na teoria de John Rawls. Afinal, é de lá que Ricoeur retira alguns de seus argumentos, para desenvolver uma hermenêutica da justiça em termos de

sentido de injusto e de justo. Mas em que consiste esse percurso rawlsiano a respei- to da ideia de justiça e do justo?

Com sua teoria da justiça, John Rawls quer fazer oposição ao utili- tarismo clássico, sob a seguinte argumentação. Ele diz que seu “objetivo é elaborar uma teoria da justiça que represente uma alternativa ao pensamento utilitarista em geral e consequentemente a todas as suas diferentes versões” 67. Nesse sentido, é

importante notar que ele não trava uma discussão com o utilitarismo de alguma

66 TJ, p. 138. 67 TJ, p. 24.

56 vertente específica, mas com uma idéia utilitarista em geral a respeito da concep- ção de justiça. E também por isso ele se propõe a dialogar com certas teorias teleo- lógicas, em termos de comparação. Diz o autor: “Compararei a justiça como eqüi- dade com as conhecidas variantes do intuicionismo, do perfeccionismo e do utilita- rismo a fim de mostrar as diferenças subjacentes” 68. Para Rawls essas teorias têm

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