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I TINERÁRIOS DO JUSTO : ESTIMA DE SI , SOLICITUDE RESPEITO E RESPONSABILIDADE

No documento U MA HERMENÊUTICA DOH OMEMJ USTO (páginas 87-122)

I TINERÁRIOS DO JUSTO : IDENTIDADE ÉTICA E DESEJO DE JUSTIÇA

2.1 I TINERÁRIOS DO JUSTO : ESTIMA DE SI , SOLICITUDE RESPEITO E RESPONSABILIDADE

Faz-se agora uma reflexão mais profunda acerca da “petite éthique” ricoeuriana procurando compreender os conceitos básicos do pensamento ético do filósofo, a partir da questão „quem é o sujeito moral de imputação?‟. Trata-se da busca pelo responsável pela ação justa. O núcleo de pensamento ético ricoeuriano se en- contra, principalmente, nos sétimo, oitavo e nono estudos de Soi-même comme un

autre, nos quais o autor centra foco no ternário de base a partir do qual é possível

103 No primeiro capítulo desta tese foi proposta uma reflexão acerca do tema da justiça, a partir con-

cepção de justiça de John Rawls, ocasião em que aparece a oposição do pensamento ricoeuriano a teoria procedimental de justiça.

76 compreender os itinerários que levam aos possíveis sentidos da justiça. O primeiro itinerário diz respeito aos conceitos de si mesmo e estima de si no âmbito de reflexão sobre a identidade pessoal do sujeito que reflete sobre a ação. O segundo fala sobre a relação entre mesmidade e ipseidade, a partir das noções de outro de si mesmo e de

solicitude, no âmbito de compreensão da identidade narrativa. Por fim, o terceiro itinerário propõe uma reflexão acerca de um outro totalmente distinto do si mes- mo, um completamente outro – uma alteridade –, onde o respeito de si e o respeito pelo outro se impõem como condição de reconhecimento social da identidade do sujeito no âmbito das instituições justas.

Preliminarmente, Ricoeur esclarece que determinações éticas e mo- rais da ação, tais como o “bom” e o “obrigatório”, devem ser tratadas diferente- mente do modo como a tradição humeana propôs a partir da oposição entre “ser” e “dever-ser”. De acordo com essa tradição, prescrever significa qualquer coisa di- versa de descrever104, o que, segundo Ricoeur, trata-se de uma dicotomia a ser am-

plamente recusada no seio da reflexão sobre o si105. As implicações da concepção

humeana sobre determinadas teorias contemporâneas acerca da justiça e do direito foram fundamentais para o desenvolvimento do pensamento positivista do Direi- to, o que culminou na separação e, às vezes, até na eliminação da reflexão acerca da idéia de justiça do âmbito do estudo do Direito e da ordem social, como já fora dito na introdução dessa tese106.

Ricoeur sugere que, ao colocar a teoria narrativa como um ponto de junção da teoria da ação e da teoria moral, a narrativa propriamente dita se ex- pressaria como uma transição natural entre a descrição e a prescrição, já que narrar

104 Distintamente dessa visão dicotômica dos atos de fala, Ricoeur faz menção ao ato de ascrever – a

ascrição –, considerada como uma operação intermediária entre o descrever e o prescrever.

105 SA, p. 199.

106 Como abordado no capítulo anterior, o positivismo jurídico sofre outras influências teóricas que

resultaram no mesmo tipo de atitude em relação ao estudo da justiça: sua expurgação do âmbito do estudo do direito, o que deveria ser circunscrito por uma linguagem sujeita aos preceitos da lógica e da filosofia da linguagem, por exemplo, conforme os estudos desenvolvidos no Círculo de Viena, principalmente por influência de Wittgenstein, na filosofia da linguagem, e de Hans Kelsen, na teoria do direito.

77 poderia ser compreendido como o desenvolvimento “de um espaço imaginário para experiências de pensamento onde o julgamento moral se exerce de um modo hipotético” 107 e, nesse sentido, desenvolve-se de um modo logicamente possível.

Segundo Hélio Salles Gentil, a narrativa faz essa mediação entre duas experiências distintas: uma anterior (a do ato descrito) e, outra, posterior (a da subsunção da ação ao prescrito). Então, o leitor de uma narrativa, através desse encontro com outro mundo – o do texto –, “refigura” sua perspectiva de mundo, anterior a do mundo da ação, tornando-se um outro a olhar para si mesmo enquanto sujeito de reflexão e de julgamento108, num processo de busca pela compreensão da realida-

de. Essa busca se lhe apresenta por meio da narrativa. E nessa direção, o julgamen- to – ainda que considerado como uma espécie singular de discurso – identifica-se bem com a idéia de narrativa, já que se destina a esse trabalho de subsunção do fato a norma. O julgamento, então, tem como fito a adequação de um conjunto de elementos descritivos, a partir da compreensão dos sentidos que a eles podem ser atribuídos. Essa adequação ocorrerá na oportunidade da elucidação dos atos des- critos, até então não considerados sob uma ótica de caráter axiológico, nem como

injustos, nem como justos. E nesse sentido, a narrativa se qualifica como narrativa de ficção. Outrora, a narrativa de uma ação é, antes de qualquer coisa, a possibili- dade de se (re-) criar uma reflexão acerca da ação mesma. Aqui a ação narrada (a narrativa histórica), já tornada um passado, um elemento constituinte de uma me- mória a ser lembrada, transforma-se em julgamento moral, onde pode explorar amplamente as possibilidades de sua legitimação: a narrativa da ação permite so- pesar a aceitabilidade ou a recusa plena do ato efetivo, sem que para isso haja o esgotamento irreversível das conseqüências que a própria ação possibilita no plano contemplativo. É nesse sentido que o sujeito que julga a ação a partir do discurso proposto (isso somente porque o compreende), é o mesmo que narra as coisas que

107 SA, p. 200: “(…) raconter, a-t-on observé, c‟est déployer un espace imaginaire pour des experien-

ces de pensée où le jugement moral s‟exerce sur un mode hypothétique”.

108 GENTIL, Hélio Salles. Para uma poética da modernidade: uma aproximação à arte do romance em

78 lhe são relatadas. Ele é alguém que se coloca no lugar dos sujeitos da narrativa, de suas personagens, e, experimentando a possibilidade de pensar e de sentir como elas mesmas pensam e sentem, pode ressentir as consequências das ações sofridas por elas, das expectativas ansiadas, dos sentimentos vividos: esse narrador- julgador é alguém que se torna parte da própria narração para vivenciá-la e tomá- la como parte de sua própria história. Por conta dessas ponderações, como se verá no próximo capítulo dessa tese, a tendência é a de aproximar a narrativa jurídica da narrativa histórica, afastando-a definitivamente da narrativa de ficção. No en- tanto, o que se buscará demonstrar é que há algo de ficcional na narrativa jurídica, por conta tanto dos parâmetros normativos – que visam delinear o trajeto aceitável de um relato jurídico-processual – como por conta do próprio modo como se (re-) cria o processo da narração no universo de um discurso jurídico – que, por sua vez, almeja reestabelecer a justa distância perdida no diálogo das partes em conflito, com a finalidade de trazer entendimento e compreensão para os relatos apresenta- dos no percurso da discussão.

Toda essa digressão preliminar é importante porque é na posição de narrador que aquele que julga – o eu julgador – irá se colocar quando avaliar os relatos de ações apresentados pelos seus agentes. Deve ele discernir entre o que é bom e o que é obrigatório na prática de sua ação/juízo, tanto quanto poder avaliar quando é o momento de agir/julgar, ora porque é o melhor a ser feito (é bom ou é o bem), ora porque é o dever a ser seguido (é o moralmente obrigatório). Esse dis- cernimento é fundamental para a compreensão da perspectiva ética da ação e dos seus limites na composição de uma consciência da ação eticamente responsável.

Nesse sentido, Ricoeur começa a tratar da perspectiva ética da ação a partir do problema da distinção entre ética e moral, como consta em Soi-même

comme un autre109. Segundo o autor, não há o que imponha uma distinção do ponto

109 Observamos que o autor desenvolve essa reflexão acerca da distinção entre o ético e o moral em

Le juste 2, a qual trataremos mais adiante, procurando estabelecer com mais clareza aquela dis- tinção entre três teses que considera fundamentais: supremacia da ética sobre a moral; necessi-

79 de vista etimológico ou no da história do emprego dos termos, pois embora um venha do grego e o outro, do latim, ambos remetem a uma ideia de costume, ou por dizer respeito ao que é considerado como bom, ou por referir-se ao que é obri- gatório. Diz o autor:

“Nada na etimologia ou na história do emprego dos termos [ética e moral] o impõe. Um vem do grego, o outro, do latim; e os dois reme- tem a ideia intuitiva de costume, com a dupla conotação, que nós vamos ten- tar decompor, disso que é estimado bom e disso que se impõe como obrigató- rio” 110.

Em seus Escritos de filosofia: introdução à ética filosófica, o professor Henrique Cláudio de Lima Vaz esclarece que, num exame acerca da procedência etimológica, os termos são praticamente sinônimos e que talvez seja melhor o seu emprego indiferente para a designação do mesmo objeto111. Isso se daria pelo fato

de que na evolução semântica dos termos (ética e moral) não se denota qualquer diferença significativa entre ambos. Cada qual acabaria por designar o mesmo ob- jeto, seja o costume socialmente constituído, seja o hábito do indivíduo de agir con- forme um dado costume social. Etimologicamente, ética é uma palavra de origem grega, proveniente de éthos, podendo ser inscrita com a letra grega inicial éta ou

êpsilon. No primeiro caso, éthos designaria o costume, no segundo, o hábito. O mesmo tipo de distinção pode ser verificado com moral, oriunda de mos e com o significado de vontade, conduta, costume ou hábito112.

dade de submissão da intencionalidade ética ao crivo da norma; e a legitimidade do recurso da norma moral à intencionalidade ética no que se refere às questões de impasse prático, onde se constituirá a sabedoria prática para os casos em situação.

110 SA, p. 200: “Rien dans l‟étymologie ou dans l‟histoire de l‟emploi des termes ne l‟impose. L‟um

vient du grec, l‟autre Du latin ; Et les deux renvoient à idée intuitive de moeurs, avec la Double connotation que nous allons tenter de décomposer, de ce qui est estime bon et de ce qui s‟impose comme obligatoire”.

111 Escritos de filosofia IV: introdução à ética filosófica 1. São Paulo: Loyola, 1999 (Col. Filosofia). P.14. 112 Escritos de filosofia IV: introdução à ética filosófica 1. São Paulo: Loyola, 1999 (Col. Filosofia). P.

80 Contudo, é compreensível a opção de Paul Ricoeur pelo estabele- cimento de uma distinção convencional, segundo a qual ao termo „ética‟ ele reserva o sentido da intencionalidade de uma vida concluída, enquanto que ao termo „mo-

ral‟ ele atribui à articulação dessa intencionalidade em normas pretensiosamente

universais e constritivas. Essa distinção Ricoeur o faz a partir da oposição entre duas tradições filosóficas: uma teleológico-aristotélica e outra deontológico- kantiana. Seu objetivo é o de demonstrar a superioridade da ética em relação à mo- ral (uma primazia do bem sobre o formal) e a circunscrição da moral a uma efetua- ção limitada da intencionalidade ética113. O que Ricoeur sugere, desde já, é que o

recurso a ética sempre ocorrerá, em última instância, quando a moral exaurir ple- namente sua capacidade de prescrever as condutas de modo significativo e escla- recedor. Por outro lado, é preciso considerar que a intencionalidade ética somente encontra garantia nos limites das normas morais.

A distinção que Ricoeur faz entre os termos – ética e moral –, e to- da a reflexão que desenvolve acerca do tema, requer a leitura de outro texto escrito pelo autor, em Le juste 2: o De la morale à l‟éthique et aux éthiques114. Neste texto, Ri-

coeur busca esclarecer aquilo que já afirmava em Soi-même comme un autre, a respei- to do significado dos termos „ética‟ e „moral‟, de suas inter-relações e daquilo que ele chama de teses fundamentais de sua ética: supremacia da ética sobre a moral; necessidade de submissão da intencionalidade ética ao crivo da norma moral; e a legitimidade do recurso da norma moral a intencionalidade ética no que se refere às questões de impasse prático, onde se constituirá a sabedoria prática para os ca- sos em situação115.

113 SA, p. 200-201: “On se propose d‟établir, sans souci d‟orthodoxie aristotélicienne ou kantienne,

mais non sans une grande attention aux textes fondateurs de ces deux traditions: 1) la primauté de l‟éthique sur la morale; 2) la necessite pour la visée éthique de passer par le crible de la nor- me; 3) la légitimité d‟un recours de la norme à la visée, lorsque la norme conduit à des impasses pratiques, qui rappelleront à ce nouveau stade de notre méditation les diverses situations aporé- tiques auxquelles a dû faire face notre méditation sur l‟ipséité”.

114 J2, p. 55-68.

81 Em Soi-même comme un autre, o autor reserva o termo ética para de- signar uma reflexão sobre a intencionalidade de uma „vida boa‟ já vivida, como e- xercício do pensamento sobre ação, e com o fito do encontro da prudência ou sa- bedoria prática apropriada para um determinado plano de vida; e ao termo moral ele atribui toda carga normativa constritiva em favor da universalização das condutas individuais, conforme o modelo deontológico kantiano, sem que para isso seja pre- ciso sopesar os valores subjetivos inerentes ao cumprimento de normas dessa natu- reza116 (oportunidade em que Ricoeur afirma que seu objetivo é o de estabelecer a

primazia da ética sobre a moral, ou seja, a primazia do referencial real e concreto de uma vida guiada pelo bem-viver sobre as prescrições da ação dotadas de caráter obrigatório, ou, simplesmente, a primazia da perspectiva sobre a norma117). Quan-

do escreve De la morale à l'éthique et aux éthiques, Ricoeur se propõe a esclarecer sua leitura acerca da distinção e da relação entre a ética e a moral, nos seguintes ter- mos. Com a moral, ele designa "a área das normas" propriamente dita (área dos princípios do permitido e do proibido) e "o sentimento de obrigação como face subjetiva da relação de um sujeito com suas normas” 118. Quanto ao termo ética, ele

desenvolve um tratamento cujo esquema cinde sua significação em duas maneiras de dizer a ética, passando a designar "o enraizamento das normas na vida e no de- sejo" (o que ele mesmo designará como ética anterior) e a inserção dessas normas em "situações concretas" (designado como ética posterior) 119.

Com essa reformulação, o autor parece deslocar a subjetividade da ação - e, com ela, os sentidos do injusto e do justo - do campo da ética para o campo

116 SA, p. 200. 117 SA, p. 202.

118 J2, p. 55. Diz o autor: "je propose de tenir le concept de morale pour le terme fixe de référence et

de lui assigner une double fonction, celle de designer, d‟une part, la région des normes, autre- ment dit dês príncipes du permis et du défendu, d‟autre part, le sentiment d'obligation en tant que face subjective du rapport d'un subject à des normes".

119 J2, p. 56. Diz o autor: “Je vois alors le concept d‟éthique se briser em deux, une branche désignant

quelque chose comme l‟amont des normes – je parlerai alors d‟éthique antérieure –, et l‟autre branche désignant quelque chose comme l‟aval des normes – et jê parlerai alors d‟éthique posté- rieure”.

82 da moral, fazendo com que o primado da ética sobre a moral seja ressaltado. Nesse sentido, a estima de si deixa de ter o mesmo estatuto, tornando-se algo maior em relação ao respeito de si120. E se a estima de si reforça essa condição, então, torna-se

ainda mais possível assegurar o campo da ética, em busca de uma sabedoria práti- ca adequada, como o lugar fundamental das ações éticas, enquanto que o campo da moral parece conservar igual ou menor suficiência para a resolução das ques- tões práticas de conflito. Em Le juste 2, Ricoeur parece sugerir que o ponto de par- tida da reflexão acerca da ação e do julgamento da ação está no campo da moral, quando fala que, diante da necessidade de dispor de dois termos distintos, propõe tomar a moral como termo fixo de referência121, também considerando o sentimento

de obrigação como o ponto fixo a partir do qual é possível fixar um emprego para o termo ética122.

É a visada ética que se busca compreender nessa espécie de “tensão

ascritiva”123 que parece se formar no horizonte da filosofia ricoeuriana da ação, en-

tre a descrição e a prescrição do ato praticável pelo sujeito, quando o que permeia a reflexão é a questão: o que se pretende com determinada ação? Isto é, qual o senti- do possível para justificar uma ação ser praticada de um determinado modo e não de outro? Ora, na ética de Paul Ricoeur essa demanda pode apontar para os possí- veis sentidos da ação e, conseqüentemente, pode elucidar os caminhos que podem nos levar ao justo da ação.

“Visada”! Eis uma expressão pouco usual, e até mesmo incômoda, no vernáculo cotidiano de uma “língua portuguesa brasileira” 124. Embora esteja

120 SA, p. 201. 121 J2, p. 55. 122 J2, p. 56.

123 A idéia de ascrição como a narrativa que se constitui entre a descrição de uma ação praticada e a

prescrição de uma conduta possível será objeto de estudo do próximo capítulo, onde será mais detalhadamente explicado. Ver os textos de Paul Ricoeur: Temps et récit: lê temps raconté. 3. ed. Paris: Seuil, 2005. V. 3; e Soi-même comme um autre. Paris: Editions du Seuil, 1996.

124 Em Soi-même comme un autre, Ricoeur fala em “visée éthique”. Na tradução para o português ofe-

recida pela Editora Papirus a expressão “visée” foi interpretada como „perspectiva‟. Lá, aparece „perspectiva‟, o que pode ser entendido como plenamente descabido ao propósito da filosofia ri-

83 fora do uso comum na língua portuguesa, ao menos na realidade do cotidiano bra- sileiro, “visée” apresenta a melhor tradução por visada, tanto pelo ar incomum que incomoda a leitura e provoca a reflexão, como pela possibilidade de contenção de um sentido tão forte quanto esse: o de ser o intencionalmente ansiado e desejado com a força (moral) prática do homem capaz. No contexto da reflexão ética ricoeu- riana permite-se, então, pensar a visada ética como uma busca que se realiza arroja- damente, com a dedicação de todas as forças que a capacidade humana pode ex- pressar. A opção, na presente tese, é por este último entendimento: visada. Isso se justifica na compreensão do texto do autor, o que parece mais se adequar ao senti- do daquilo que se configura, no interior do pensamento ricoeuriano, como algo que extrapola as idéias de pretensão, desejo, anseio, intencionalidade e objetivação, e ainda assim parece comportar a todas juntas. Visar a uma „vida boa‟ com e para o

outro em instituições justas é propriamente a visada ética ricoeuriana, que institui um ternário de base de sua Ética, onde o sujeito encontra o seu lugar de referência em três planos distintos: o do si-mesmo ou do próprio (ou o plano de sua mesmidade); o do outro de si-mesmo ou o do próximo (ou, ainda, o plano de sua ipseidade); e o do terceiro ou do distante (ou o plano de sua alteridade). Compreender o signifi- cado dessa visada exige uma reflexão acerca dos seus componentes estruturais, se- jam eles, a vida boa, compreendida como um bem pretendido que se expressa co-

coeuriana. No comentário de Marcelino Agis Villaverde (Paul Ricoeur: a força da razão compar- tida. Trad. Maria José Figueiredo. Lisboa: Instituto Piaget, 2003. P. 144, onde diz o autor: “No Es- tudo 7, intitulado „Le Soi et la visée éthique‟ e dedicado ao estabelecimento da primazia da ética sobre a moral, da intencionalidade sobre a norma, o justo é o terceiro elemento da tríade que de- fine a intencionalidade ética. De acordo com a sua definição, „chamamos „intencionalidade ética‟ à intencionalidade da „vida boa‟ com e para o outro em instituições justas‟ ” - grifos nossos) aparece a expressão „intencionalidade‟. Em sua compreensão, a tradução opta por „intencionalidade‟: pa- rece que o termo visée ultrapassa o sentido fenomenológico husserliano de intencionalidade, nem mesmo pode ser circunscrito pelas idéias de „anseio‟ ou de „desejo‟. A Professora Jeanne- Marie Gagnebin de Bons (Lembrar, escrever, esquecer. São Paulo: Ed. 34, 2006. P. 163 e segs.) e o Professor Hélio Salles Gentil (Para uma poética da modernidade: uma aproximação à arte do ro- mance em Temps et Récit de Paul Ricoeur. São Paulo: Loyola, 2004.) adotaram o termo „visada‟, o que seguiu Sybil Safdie Douek em sua tese de doutoramento (Tese de Doutorado em Filosofia, pelo Programa de Pós-graduação em Filosofia da PUC-SP, intitulada Sujeito e alteridade em Paul Ricoeur e Emmanuel Lévinas: proximidades e distâncias, e defendida em 2009, sob a orientação da Professora Jeanne-Marie Gagnebin).

84 mo estima de si mesmo; a dialética mesmidade-ipseidade e dialética ipseidade- alteridade, constituindo o lugar da solicitude e da amizade como fundamentos da

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