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Capítulo II REVISÃO DA LITERATURA

2.3 Avaliação do desempenho docente Clarificação conceptual

2.3.3 Propósitos da avaliação do desempenho docente

Objetivávamos calcorrear o trilho da identificação dos objetivos da avaliação do desempenho docente de forma a elencar um conjunto de propósitos consensualmente apontados pela literatura.

“ Parece importante começar por referir que existe uma grande variedade de abordagens de avaliação de professores, cada uma das quais é construída a partir de uma variedade de factores de influência como é o caso dos propósitos que se pretende alcançar [...].” (Fernandes, 2008, p. 15)

Mas, mais uma vez, o rigor metodológico que nos impusemos obrigou-nos ainda que por breves instantes, a enfocar a nossa atenção nas funções da avaliação per ser no intuito de alicerçar a agnição dos fins da ADD.

Concluímos que atalhar um caminho que merece ser percorrido com ponderação não era a melhor forma de conseguir fazer desvanecer toda a neblina circunstancial que ao longo destes últimos anos tem contribuído para impedir uma clara perceção dos objetivos da avaliação de desempenho docente.

Para já, convocámos De Ketele (2010) que nos permitiu entender como particularizar funções generalistas da avaliação em educação ao campo da ADD:

“ A avaliação pode assumir várias funções, sendo que as mais importantes, no domínio do ensino, da formação e da educação, são as funções de orientação, regulação e certificação.” (Ibidem, p. 14)

Entenda-se que De Ketele (2010) estabelece a “orientação” como precursora da ação, pois permite estabelecer o rumo que vai ser seguido ao iniciar-se uma aula, um ano letivo, um curso superior ou até um processo avaliativo, conseguido através de um plano de aula, uma calendarização anual, uma orientação vocacional ou, já no campo da avaliação dos professores, por meio da implementação de uma reforma educativa. Por sua vez a “regulação” tem uma essência fundamentalmente formativa orientada para a melhoria da ação, através da identificação dos erros, do seu diagnóstico, da definição de estratégias de remediação e melhoria. Em termos de ADD trata-se de uma avaliação reguladora e não sancionatória que procura desenvolver as competências profissionais dos professores através de mecanismos que possibilitam análises contextualizadas e comparativas dos resultados obtidos na sequência de modificações nas práticas dos docentes. Finalmente, a “certificação” é considerada como uma função social que

certifica, perante instâncias socialmente reconhecidas, os efeitos/ os resultados obtidos na sequência da realização das ações dos docentes. No campo particular da avaliação dos professores equivale, por exemplo, a asseverar o sucesso/ insucesso de um indivíduo no término de uma formação em serviço, do seu ingresso nos quadros da carreira docente, da sua promoção ou ainda do acesso à titularidade de um cargo.

Ainda que o auxílio de De Ketele (2010) tenha sido fundamental para iniciarmos o nosso percurso indagatório no campo dos objetivos da avaliação dos professores, estamos certos que ainda não identificámos uma ínfima parte dos propósitos que podem ser atribuídos à ADD. Será que estaremos utopicamente equivocados?

Para Ingvarson (2010),

“ Existem dois propósitos principais para os sistemas de avaliação de professores. Um é garantir que todos os professores atinjam os padrões básicos de desempenho profissional e permaneçam nas suas actuais posições. O outro consiste em proporcionar padrões elevados de competência profissional, bem como incentivos, para que os professores os possam alcançar, geralmente através da promoção ou de alguma forma de bónus ou compensação salarial. Ambos são importantes: ambos têm como objectivo proteger o interesse público e ambos podem fortalecer a profissão docente.” (Ibidem, p. 84)

Já para Flores (2010) a ADD pode servir:

“ [...] para aumentar a eficácia dos docentes; para promover oportunidades de formação e de desenvolvimento profissional adequadas e significativas; para melhorar a qualidade do ensino e, consequentemente, da aprendizagem dos alunos; para melhorar os resultados dos estudantes; para controlar processos e práticas, programas e estratégias; para medir o desvio entre resultados (objectivos concretizados) e objectivos propostos; para gerir carreiras, [...].” (Ibidem, p. 8)

Poderíamos ainda acrescentar a estes propósitos a proteção dos docentes competentes e a exoneração dos incompetentes (Shinkfield e Stufflebeam, 1995) ou ainda a gestão da carreira, dos recursos humanos e o aperfeiçoamento do sistema educativo promotor da ADD (Hadji, 1995).

Com efeito, a multiplicidade de propósitos que podem ser associados à avaliação dos professores é verdadeiramente espantosa ainda assim acreditamos que as aparências possam ser enganosas. Senão vejamos, se nos debruçarmos, sucintamente, sobre cada uma das funções apontadas por De Ketele (2010) seremos tentados em reunir a

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que, segundo a qual, nos atrevemos a contaminar a orientação. O que não sucede com a função de certificação manifestamente punitiva e fiscalizadora. Na sequência deste exercício de categorização dos propósitos de De Ketele (2010) não será difícil alcançar os mesmos resultados relativamente aos objetivos apontados por Flores (2010).

Esta tentativa de dicotomizarmos estas funções não foi de todo descabida uma vez que com a mesma apenas constatámos o que já foi amplamente evidenciado, relativamente aos propósitos da avaliação dos professores. Ainda assim, realizámos uma pequena análise “histórica” de algumas referências no intuito de confirmar ou infirmar as nossas conjeturas.

“ Efforts to revise an existing teacher evaluation system or develop a new one must emerge from a clear statement of purpose. Purpose guides the development and refinement of evaluation system. Purposes consist of two general types, formative and summative. (Haefele, 1993, p. 2)”

“The two principal purpose of teacher evaluation, are (1) quality assurance and (2) professional development.” (Danielson e McGreal, 2000, p. 8) “La evaluación del profesorado se presenta encallada entre dos lógicas: una

orientación a la mejora interna y desarrollo profesional, y otra dirigida al control de resultados, que – estableciendo diferencias entre el profesorado – pretende incrementar la calidad y la motivación por la mejora.” (Bolivar, 2008, p. 60)

“ […], em qualquer modelo de avaliação de professores há duas lógicas que parecem incontornáveis. Uma mais claramente associada ao seu desenvolvimento pessoal e profissional que, naturalmente, nos remete para uma avaliação de natureza mais formativa, […] A outra lógica está mais centrada na responsabilização e na prestação de contas e, por isso mesmo, a abordagem de avaliação terá de ter uma natureza sumativa, orientada para medir a competência, o desempenho e a eficácia dos professores.” (Fernandes, 2008, p. 23)

“ Teacher evaluation has typically two major purposes. First, it seeks to improve the teacher own practice by identifying strengths and weaknesses for further professional development – the improvement function. Second, it is aimed at ensuring that teachers perform at their best to enhance student learning – the accountability function.” (OCDE, 2009c, p. 7) “ 1 — A avaliação do desempenho do pessoal docente visa a melhoria da

qualidade do serviço educativo e da aprendizagem dos alunos, bem como a valorização e o desenvolvimento pessoal e profissional dos docentes.” (N.º 1 do art.º 3.º do Decreto Regulamentar, n.º 26/ 2012, de 21 de fevereiro)

Cerca de vinte anos nos separam da primeira referência e apenas alguns meses da última, mas se nos debruçarmos sobre cada um destes trechos e tentarmos relaciona-los, depressa concluiremos que todos eles apontam que a avaliação dos professores objetiva

fundamentalmente dois propósitos: a prestação de contas à tutela (avaliação sumativa) e o desenvolvimento profissional (avaliação formativa).

Como é expectável trata-se de uma interpretação que não é de todo original (Chow et al, 2002; Avalos e Assaél, 2006; Assaél e Pavez, 2008; Stronge, 2010) e que está patente na literatura já há largos anos. Trata-se de facto de entender a avaliação dos professores segundo os prismas da avaliação formativa e sumativa30.

“ [...] a história da avaliação de professores podia ser descrita em termos de tensão entre dois tipos de propósitos, formativos e sumativos.” (Simões, 2002, p. 44)

Com efeito a avaliação formativa associa-se ao desenvolvimento profissional e a melhoria do desempenho e contrapõe-se à avaliação sumativa orientada para: a seleção, a certificação, a tomada de decisões, a prestação de contas (Peterson, 2000).

Evidenciámos, deliberadamente, o aparente antagonismo que habitualmente se associa a estes propósitos e que de alguma forma pretende justificar uma incompatibilidade operativa destes fins no seio de um modelo de avaliação.

“ A perspectiva formativa da avaliação do desempenho é travada pela sua dimensão sumativa, pela acentuação dos papéis de inspecção e controlo, pela definição prévia e a imposição e pelo seu prolongamento numa lógica de selecção, recompensa ou castigo com impacto na carreira.” (Formosinho e Machado, 2009, p. 297)

Uma primeira análise pode induzir quem nos lê a considerar que os dois propósitos da ADD que temos vindo a referir não podem coabitar num único modelo de avaliação, talvez porque fiquemos tentados em:

“ […] colocar en permanente tensión una perspectiva funcionaria ligada a resultados de aprendizaje, de carácter punitivo, […], con la idea de una evaluación basada en la enseñanza, con propósitos formativos y de desarrollo profesional, sostenida por el Colegio de Profesores.” (Assaél e Pavez, 2008, p. 45)

Ou seja, consideramos que é lícito associar taxativamente a tutela à defensa de uma postura sancionatória, certificativa, reguladora, sinónima de uma avaliação sumativa:

“ Legislators and policy-makers tend to value the summative purposes, those of quality assurance and accountability.” (Danielson e McGreal, 2000, p. 8)

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Em simultâneo conotamos automaticamente a função formativa da avaliação com os desejos dos professores em melhorar as suas práticas, o seu desempenho, em suma, a qualidade da educação. Mas na realidade não são apenas os responsáveis pela pasta da educação que querem manter os professores competentes nas escolas e se preocupam com a continuação dos incompetentes no exercício de funções docentes, nem são apenas os professores que almejam que as melhorias que alcançam tenham mais visibilidade na sociedade contribuindo para uma identidade da classe docente.

Esta dualidade de posturas, perante propósitos formativos e sumativos que inerentemente os docentes associam a estruturas educativas hierarquizadas com poderes diferenciados, não evidencia uma clara aceitação de um modelo de avaliação com dupla finalidade, como é o caso daquele que se encontra em vigor em Portugal31.

“ Os professores tendem a reagir negativamente a um processo de avaliação que lhes identifica problemas que têm muita dificuldade em corrigir pelas condições de trabalho com que defrontam. No entanto, reagem menos negativamente se perceberem com antecedência o que deles se espera; se a informação recolhida sobre o seu desempenho for considerada suficiente e adequada; se o feedback proporcionado for frequente e informativo; se existirem recursos disponíveis que os ajudem a melhorar o seu desempenho.” (Simões, 2002, p. 53)

Por um lado um modelo de avaliação orientado para melhoria do desempenho procura facultar aos avaliados os elementos necessários para que estes aprendam, reflitam e melhorem as suas práticas, adequando-as às linhas orientadoras que definem a identidade pedagógica da organização escolar. Neste caso, os professores tendem a demonstrar abertamente as suas dificuldades e fraquezas no intuito de fornecer um avultado número de informações que possam ser utilizadas no desenvolvimento de ações de formação e outras estratégias de melhoria. Já um sistema de avaliação norteado segundo propósitos de prestação de contas incentiva os docentes a desenvolverem as suas funções da melhor forma, aferindo os seus desempenhos em momentos chave das suas carreiras, permitindo-lhes usufruir de progressões na carreira e melhorias salariais ou, pelo contrário, sancionando-os na eventualidade de não cumprirem com o que lhes é exigido. Quando confrontados com as consequências de uma avaliação de cariz sumativo os docentes comprometem o processo de desenvolvimento profissional uma vez que procuram encobrir eventuais problemas e fracassos associados às suas práticas, com receio dos efeitos pejorativos de uma avaliação mais punitiva.

“ Combining both the improvement and accountability functions into a single teacher evaluation process raises difficult challenges.” (OCDE, 2009c, p. 8)

Contrariamente ao que aponta Peterson (2000):

“ In practice, it may be difficult or impossible to accomplish both types of evaluation at the same time.” (Ibidem, p. 63)

Compatibilizar os dois propósitos num só modelo não é fácil, mas poderá ser exequível. “ Estes dois propósitos – desenvolvimento profissional e prestação de contas

– são frequentemente descritos como sendo mutuamente exclusivos. Na nossa perspetiva, para que a avaliação de professores seja mais benéfica, terá de haver um esforço concertado para estabelecer uma ligação lógica entre estes dois propósitos.” (Stronge, 2010, p. 27)

Para esse efeito, a OCDE (2009c) elencou um conjunto de premissas que uma vez cumpridas podem beneficiar os sistemas enfocados no desenvolvimento profissional assim como aqueles que se destinam fundamentalmente à prestação de contas. Bastará portanto procurar concatenar estas premissas de maneira a que estas se complementem e não se anulem mutuamente.

Quadro 1 – Premissas a ter em conta na elaboração de um modelo de avaliação de

acordo com os propósitos: formativos e sumativos (Fonte OCDE, 2009c32)

Premissas para modelos orientados formativamente

Premissas para modelos orientados sumativamente

 Implementar o modelo de ADD num contexto de avaliação não ameaçador;

 Promover uma cultura de

reciprocidade no feedback entre avaliadores e avaliados;

 Estabelecer objetivos individuais, e coletivos de forma clara e associa-los aos objectivos da escola;

 Recorrer a instrumentos de avaliação simples, como a autoavaliação, a observação de aulas e as entrevistas estruturadas;

 Solicitar o apoio da direção da escola;  Garantir oportunidades para melhorar as competências, assim como recursos e meios para melhorar a prática;

 Integrar a avaliação dos docentes num sistema de autoavaliação da escola e

 Garantir uma avaliação independente e

objectiva do desempenho dos

professores;

 Estabelecer normas e critérios em todas as escolas ao nível nacional;

 Recorrer à avaliação externa e implementar processos mais formais;  Definir claramente as consequências da

avaliação;

 Estabelecer claramente os objectivos individuais contemplando todos os aspetos associados ao desempenho do professor;

 Recorrer a avaliadores competentes com formação na ADD;

 Definir o impacto da avaliação no plano de desenvolvimento profissional;  Permitir o recurso dos docentes que

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Um modelo de avaliação deve, sempre que possível, contemplar ambos os propósitos, fomentando a consecução dos objetivos de melhoria dos docentes, assim como a satisfação das necessidades identificadas na organização escolar ao nível individual ou coletivo.

“It is important to carefully address the tension between evaluation for improvement and evaluation for career progression and develop their complementarity within an articulated framework.” (OCDE, 2009b, p. 6)

Não deve ser privilegiada a competitividade de propósitos, mas antes a sua compatibilidade e conjugação servindo assim os interesses de todos os envolvidos no processo avaliativo (Stronge, 1995).