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2.1 A ANÁLISE TEXTUAL DOS DISCURSOS E AS REPRESENTAÇÕES

2.1.2 As representações discursivas: o nível semântico do texto

2.1.2.2 A proposição-enunciado e as ligações semânticas para formar o plano composicional

O conjunto de proposições para formar o plano composicional dos textos enfatiza que os enunciados ou o seu conjunto se agrupam e se combinam entre si para construírem as relações semânticas do texto.

A Figura 7 traz a demonstração das operações de ligação que dão coesão, textura e união aos enunciados mínimos, em um processo de conexão das proposições, para a significação do todo discursivo de um texto. Analisemos, portanto:

Figura 7 – Esquema 13: Operações de ligação que asseguram a continuidade textual Fonte: Adam (2011 [2008], p. 131).

Dentro do conjunto de proposições que organizam o plano global do texto, podemos observar que essa organização dar-se-á por seis agrupamentos. O primeiro e o segundo estão voltados para o processo das ligações do significado, que dão conta da unidade referencial e de sentido do texto e se desdobram em duas subcategorias, que são as anáforas e as correferências, de um lado, e as isotopias e as colocações, de outro. São as operações que constituem, juntamente com as representações discursivas, o nível semântico do texto.

O terceiro agrupamento é o das ligações do significante que dizem respeito às equivalências que são estabelecidas pelos elementos gramaticais que se organizam nos paralelismos dos níveis fonéticos, fonológicos, morfológicos e sintáticos para garantir o estilo e a composição textual.

O quarto agrupamento é o dos ditos e não ditos que se organizam em torno das elipses e dos implícitos, figuras de construção da linguagem que ajudam nos efeitos retóricos e estilísticos dos enunciados.

O quinto agrupamento é o dos conectores e marcadores que dão organização às sequências textuais e orientam o texto argumentativamente. Por isso, a união dos enunciados é

feita “por três tipos de marcadores de conexão: os conectores argumentativos, os

organizadores e marcadores textuais e os marcadores de responsabilidade enunciativa” (ADAM, 2011[2008], p. 179, grifo do autor).

O último agrupamento de ligação corresponde às sequências dos atos do discurso que formam a força ou o valor ilocucionário que cada ação de linguagem impõe na estrutura das tipologias narrativas, descritivas, argumentativas e explicativas.

Em relação ao primeiro agrupamento, o conteúdo referencial de um texto é resultado do uso que fazemos dos elementos linguístico-gramaticais, entre eles estão os pronomes, os artigos, os dêiticos que articulam o processo de retomada dos referentes e dão progressão ao texto, constituindo a unidade de sentido através dos elementos referenciais: as anáforas, os elementos correferenciais, as colocações e as isotopias.

O grupo das ligações semânticas é o que envolve as correferências e as anáforas. Esse grupo assegura o processo de construção de sentido do texto, fazendo uso dos elementos linguísticos que estão disponíveis na memória do falante para a produção do seu dizer, seja ele falado, seja ele escrito. São esses elementos que desencadeiam as retomadas e a continuidade textual e que marcam a sequenciação linear e não linear da materialidade do texto.

Adam (2011 [2008], p. 132) assevera que as retomadas do texto “são possibilitadas por certas propriedades da língua: pronominalização, definitização, referenciação dêitica cotextual e correferência lexical [...]”. Dentro do conjunto de elementos que possibilitam a coesão e a progressão textual estão as anáforas e as correferências, que formam o primeiro grupo das ligações semânticas.

Adam (2011 [2008], p. 132) inclui os elementos anafóricos correferenciais nessa discussão teórica e define a correferência como “uma relação de identidade referencial entre dois ou mais signos semanticamente interpretáveis, independentemente um do outro [...]”. Ou seja, certo objeto do texto é retomado semanticamente por outro que o complementa numa ligação de identidade que não modifica o seu sentido.

Um dos procedimentos de construção semântica da proposição-enunciado utilizado pelo autor para analisar a sequência descritiva é a operação de tematização, a qual é reinterpretada por Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010) como a referenciação, categoria semântica da representação discursiva.

Charaudeau e Maingueneau (2008) consideram que a correferência é a capacidade que duas palavras ou um conjunto de palavras possuem ao se referirem a um mesmo objeto discursivo. Constituem, com base nesses autores, em elementos correferenciais as formas pronominais e lexicais, os adjetivos e os advérbios.

É interessante destacar, segundo Charaudeau e Maingueneau (2008, p. 142), “que duas expressões correferenciais não são necessariamente sinônimas”. Elas reformulam ou reinterpretam o mesmo discurso, complementando-o ou esclarecendo-o ao ouvinte-leitor as retomadas contínuas que um texto possibilita para construir a sua rede de significações.

Todas as formas de anáforas e de cadeias de correferência visam, certamente, manter um continuum homogêneo de significação, uma isotopia mínima do discurso por retomadas-repetições, mas asseguram, ao mesmo tempo, a progressão por novas especificações e mobilização das referências virtuais dos lexemas utilizados.

Milner (2003, p. 86) esclarece que a referência virtual significa “o conjunto de condições que caracterizam uma unidade lexical”. Isto é, são as condições postas para que um referente seja representado ou retomado conforme a relação sinonímica que se estabelece entre essas palavras ou o conjunto delas. Para o autor, essa referência “deve ser considerada como uma paráfrase, ou uma tradução ou uma representação verbal (ou mesmo metafórica) de uma entidade indefinível, dita sentido, ela obtém um estatuto claro: as condições exigidas para

considerar uma realidade” (MILNER 2003, p. 86).

O autor adianta que existe diferença entre as categorias das anáforas e das correferências, dizendo “há correferência entre duas unidades referenciais A e B quando elas

têm a mesma referência” (MILNER 2003, p. 112). Isso pode ser feito sem que a interpretação

entre as unidades (A e B) seja afetada ou modificada. Pode acontecer correlação entre pares homogêneos de nomes/nomes e pronomes/pronomes e entre pares heterogêneos, por exemplo, entre nomes e pronomes, assim, “a relação é manifestamente simétrica e transitiva” (MILNER 2003, p. 113).

Fazendo o oposto da correferência, “a relação da anáfora é uma relação assimétrica,

que existe sempre um termo anaforizado e um segundo termo anaforizante” (MILNER, 2003,

p. 113). Podemos citar o exemplo de uma relação anafórica manifestada pelo pronome (P) e um nominal (N), sendo esse par heterogêneo. Sendo assim, o pronome existiria em função de um nome.

A segunda parte das ligações semânticas está concentrada em duas categorias de produção de sentido: as isotopias discursivas e as colocações.

O termo isotopia foi redefinido pela Semiótica como a teoria do significado, proporcionando a produção e os efeitos de sentido que o discurso possui. Dessa forma, a isotopia está voltada para a coerência semântica do texto, proporcionando a busca pelo seu significado, o que ocorre através da mais simples sequência de elementos linguísticos que organizam os textos, indo até a mais complexa rede configuracional.

Greimas (1966 apud ADAM, 2011 [2008], p. 147) discute que o “plano isotópico do discurso [...] torna possível a leitura uniforme de porções inteiras de textos”. Com isso, dá unidade semântica entre as partes que formam o texto e mostra como o sentido é construído

com base nas leituras que fazemos dos gêneros produzidos. Há tantos planos de leitura de um texto quanto os planos isotópicos que este possui.

Por isso, de acordo com Michel Arrivé (1976 apud ADAM, 2011 [2008], p. 147), “ler um texto é identificar a(s) isotopia(s) que o percorre(m) e seguir, passo a passo, o (dis)curso

dessas isotopias”. No percurso da trama do texto, em busca do curso isotópico, Bertrand

(2003, p. 16) complementa que a isotopia é uma “abordagem relativista de um sentido, se não

sempre incompleto, pelo menos sempre pendente nas tramas do discurso”.

Assim, a menor unidade da isotopia poderia ser formada reunindo, pelo menos, dois elementos lexicais ou duas figuras sêmicas. Essa concepção foi ampliada para uma noção mais complexa e a compreensão de sentidos das unidades isotópicas passou a ser vista com base em elementos figurativos e temáticos. Por isso, a existência de textos que combinam os dois tipos de isotopias (temáticas e figurativas) foi classificada em textos heterotópicos ou poli-isotópicos, segundo Adam (2011 [2008]).

Relacionando essa discussão ao plano prático da leitura, da produção e da análise textual, podemos dizer que esse fenômeno semântico se materializa, concretamente, pelo uso dos elementos que conectam as partes do texto e pelos que desencadeiam as novas leituras que se fazem de um texto.

Adam (2011 [2008], p. 156) nomeia de colocações o outro elemento que integra as ligações semânticas do grupo e remete a sua compreensão desse fenômeno “a dois tipos de relações entre signos: as colocações em língua (associações codificadas de lexemas, repertoriadas nos dicionários) e as colocações próprias de um texto (estabelecidas pelas

repetições de sequências de lexemas associados num texto dado)”.

Podemos observar que, diferentemente das isotopias, enquanto blocos de sentido temáticos e figurativos que contribuem para facilitar a leitura e, consequentemente, a compreensão de sentido do conteúdo expresso pelo discurso, as colocações se voltam para a forma como se agrupam ou como se podem agrupar os elementos lexicais de um texto, de maneira a construir a sua textualidade. Essas colocações vão contribuir para “a construção da coesão semântica do texto como discurso” (ADAM, 2011 [2008], p. 156).

Nesse sentido, ler o texto através das redes isotópicas que o constrói implica, primeiramente, organizá-lo tendo em vista as associações que são feitas dos lexemas na formação da sintaxe linear do discurso, tornando-o estável para que se venha a ter uma estrutura composicional de um plano de texto possível para a sua produção de sentido. A maneira de associar as unidades lexicais para construir a textualidade do discurso, segundo o

autor, se estabelece na memória do sujeito social, proporcionando as conexões intertextuais de que o discurso necessita.

Além disso, as colocações dos elementos linguísticos estabelecem a coesão do texto. Esse resultado requer que o produtor elabore o seu conteúdo, enquanto objeto discursível e comunicável, e que ele pense a forma de organização das sequências prototípicas, o diálogo com os outros textos, o estilo de linguagem utilizado para causar os efeitos e a produção de sentidos necessários para que o texto seja materializado, em uma situação também concreta de uso da linguagem.

Em conformidade com Adam, as colocações contribuem para que os discursos formem redes complexas de significação, para além da estrutura linear das sequências, acrescentando- lhes organizações reticulares do discurso.

Seguindo a defesa da organização reticular da textualidade, Legallois (2006 apud ADAM, 2011 [2008], p. 280) destaca que

a organização reticular do texto é perfeitamente congruente com a etimologia da palavra texto. É realmente um tecido de frases misturadas, uma trama, uma textura, toda uma construção e uma concepção de um objeto complexo evidenciado pela análise da repetição lexical nos discursos.

Os autores discutem a questão das repetições lexicais e das colocações da classe dos lexemas no discurso para evidenciar a importância que essas unidades têm na formação coesiva entre as partes de um plano composicional do texto. Assim, Viprey (2006 apud ADAM, 2011 [2008], p. 280) complementa: “passar do léxico (na língua) ao vocabulário próprio de um texto (sua estruturação em vocábulos) exige um olhar e métodos libertados da

linearidade”.

São esses fenômenos que ligam as proposições-enunciados e formam a organização linear e reticular da estrutura composicional dos textos, que os quais se conectam para assegurar a progressão e a continuidade semântica deles. Antecipamos a discussão das anáforas, correferências, isotopias e colocações porque elas se juntam à representação discursiva para formar os níveis de análise da ATD que estão voltados para a dimensão do significado que o texto produz.