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Em rápida consulta à base de dados do Congresso Nacional, encontram- se mais de duas centenas de documentos115 abordando a necessidade de adaptação dos mais variados produtos e locais para o adequado atendimento à pessoa com deficiência visual por meio da adoção da linguagem braile.

A pesquisa revelou a existência de duas dezenas de projetos de lei muito parecidos, tratando da obrigatoriedade da inserção de informações essenciais em braile, alguns deles com a especificação de que só se aplicariam a produtos que possam ser perigosos. Percebeu-se, porém, que a maioria dos projetos acaba encampando todos os produtos, com ênfase nos medicamentos, como é o caso do                                                                                                                          

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LOS ANGELES TIMES. McDonald's to reissue braille menus in U.S. December 29, 1985. Disponível em: <http://articles.latimes.com/1985-12-29/food/fo-26187_1_restaurant>. Acesso em: 22 nov. 2014.

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LEV-RAM, Michal. L’Occitane Leading the blind. The French beauty company is pioneering products and programs for the visually impaired. CNNMoney, march 15, 2007.Disponível em: <http://money.cnn.com/magazines/business2/business2_archive/2006/10/01/8387097/>, Acesso em: 22 nov. 2014.

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BRACE, Matthew. Feels like a cheeky little wine: Braille labels catch on. The Independent, november 16, 1997. Disponível em: <http://www.independent.co.uk/news/feels-like-a-cheeky-little- wine-braille-labels-catch-on-1294296.html>. Acesso em: 22 nov. 2014.

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A pesquisa do vocábulo “Braille” resulta em 291 projetos de lei e outras proposições em consulta à base de dados da Câmara dos Deputados. Cf. BRASIL. Câmara dos Deputados. Disponível em: <www.camara.gov.br>. Acesso em: 22 nov. 2014.

Projeto de Lei n. 7.081, apresentado na atual legislatura pelo Deputado Reinaldo Azambuja:

PROJETO DE LEI N. 7.081, de 2014 (Do Sr. Reinaldo Azambuja) Torna obrigatória a inserção de caracteres em Braille nos rótulos, embalagens e invólucros em geral, das principais informações sobre o conteúdo do produto contido, bem como nos medicamentos. O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Torna obrigatório para a indústria nacional a inserção de caracteres em Braille nos rótulos, embalagens e invólucros em geral das principais informações sobre as características e conteúdo de produtos postos à venda, bem como, dos medicamentos.

Art. 2º As principais informações obrigatórias são as seguintes: I- nome, marca e preço;

II- conteúdo em volume ou peso;

III- presença de glúten, quando for o caso; IV- prazo de validade.

Parágrafo único. A critério da empresa poderá ser incluídas outras informações consideradas importantes.

Art. 3º Fica vedado o repasse de eventuais custos na implantação do sistema de que trata esta lei para o preço dos produtos.

Art. 4º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. JUSTIFICAÇÃO

Tal qual é do conhecimento de todos, ‘Braille ou braile é um sistema de leitura com o tato para cegos inventado pelo francês Louis Braille no ano de 1827 em Paris’.

'O Braille é um alfabeto convencional cujos caracteres se indicam por pontos em alto relevo. O deficiente visual distingue por meio do tato. A partir dos seis pontos relevantes, é possível fazer 63 combinações que podem representar letras simples e acentuadas, pontuações, números, sinais matemáticos e notas musicais.

‘Louis Braille perdeu a visão aos três anos. Quatro anos depois, ele ingressou no Instituto de Cegos de Paris. Em 1827, então com dezoito anos, tornou-se professor desse instituto. Ao ouvir falar de um sistema de pontos e buracos inventado por um oficial para ler mensagens durante a noite em lugares onde seria perigoso acender a luz, ele fez algumas adaptações no sistema de pontos em alto relevo, e em 1829 publicou o seu método.

Sendo um sistema realmente eficaz, por fim tornou-se popular. Hoje, o método simples e engenhoso elaborado por Braille torna a palavra escrita disponível a milhões de deficientes visuais, graças aos esforços decididos daquele rapaz há quase 200 anos.

O Braille provou ser muito adaptável como meio de comunicação. Quando Louis Braille inicialmente inventou o sistema de leitura, aplicou-o à notação musical. O método funciona tão bem que a leitura e escrita de música é mais fácil para os cegos do que para os que vêem. Vários termos matemáticos, científicos e químicos têm sido transpostos para o braille, abrindo amplos depósitos de conhecimento para os leitores cegos.’ (Wikipédia)

Ser deficiente visual implica na mais grave das limitações, porque o cego não vê os caminhos, não enxerga os obstáculos, não tem

acesso a muitas informações visuais do mundo que o rodeia, mas, como ensina o velho ditado, de que ‘Deus fecha uma porta, todavia, abre outras’, com o deficiente visual é isto que ocorre: Falta-lhe o dom da visão, mas os outros sentidos são aguçados, em especial, o tato.

Daí decorre a necessidade da existência das informações exigidas por esta lei, justamente, para oferecer a inclusão social perfeita, em substituição do sentido que o destino privou.

A inscrição em Braille das ditas informações só trará benefícios a uma grande parcela de cidadãos, que merecem respeito e atenção especial.

A construção de uma verdadeira sociedade inclusiva passa também pelo cuidado com a linguagem. Na linguagem se expressa, voluntariamente ou involuntariamente, o respeito ou a discriminação em relação às pessoas com deficiências.

Ao longo dos anos, os termos que definem a deficiência foram adequando-se à evolução da ciência e da sociedade. Atualmente, o termo correto a ser utilizado é: Pessoa com Deficiência, que faz parte do texto aprovado pela Convenção Internacional para Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidades das Pessoas com Deficiência, aprovado pela Assembleia Geral da ONU, em 2006 e ratificada no Brasil em julho de 2008. (www.fundacaodorina.org.br/)

No Brasil, a Embrapa Uva e Vinho, de Bento Gonçalves (RS), lançou em setembro de 2013 o novo design dos rótulos dos produtos experimentais (vinhos, sucos e brandy) por ela desenvolvidos, com inscrições em Braille.

Conforme informação da empresa ‘Há uma crescente preocupação das empresas e instituições em relação à acessibilidade, por portadores de necessidades especiais, tanto às suas instalações quanto aos seus produtos, Com os novos rótulos, a Embrapa também pretende inspirar no setor vitivinícola mais iniciativas no sentido de tornar seus produtos mais acessíveis a esse importante grupo de consumidores que, como cidadãos, têm direito a uma informação adequada à sua condição’.

Pela importância da proposta e em obséquio ao direito da inclusão e da acessibilidade, conclamo os nobres parlamentares a aprovarem o presente projeto de lei. Plenário Ulysses Guimarães, em 4 de fevereiro de 2014.116

Afastada qualquer discussão poética ou religiosa trazida na justificativa do citado projeto de lei, o Deputado Reinaldo Azambuja toca em pontos importantes que sustentaram este estudo até aqui: a vedação à discriminação e a inclusão da pessoa com deficiência visual, conceitos que decorrem dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade previstos na Constituição Federal.

                                                                                                                          116

BRASIL. Câmara dos Deputados. Pl 7081/2014. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=605743>. Acesso em: 22 nov. 2014.

Ainda que a linha sustentada nesta dissertação seja no sentido de que não há necessidade de lei específica para garantir a veiculação de informações essenciais em braile na rotulagem de produtos de primeira necessidade, como alimentos industrializados e medicamentos, haja vista a suficiência do CDC, que faz a junção entre os dispositivos constitucionais (lembrando que a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência também tem quilate constitucional) que asseguram o adequado tratamento da pessoa com deficiência e o digno tratamento do consumidor, os parlamentares continuam a propor normas destinadas a disciplinar o tema.

Como acontece com tantas outras proposições apresentadas no Congresso Nacional, a discussão dos projetos de lei alvo da pesquisa realizada não se aprofunda, pois quase a totalidade acaba sendo apensada a algum projeto já em tramitação117, que não raro apenas tangencia o tema. Nesse passo, a sociedade perde um importante espaço para discutir a questão, justamente por aqueles que ela escolheu para representá-la e no local propício para tanto: a Casa do Povo.

Para não cair no esperado destino, alguns parlamentares acabam optando por outra estratégia, quer dizer: tratam a matéria pela ótica da defesa do consumidor, o que pode ser observado no Projeto de Lei n. 4.748, também apresentado na atual legislatura:

PROJETO DE LEI N. 4748, de 2012 (Do Sr. Henrique Afonso)

Inclui novo art. 31-A à Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), a fim de disciplinar as informações de produtos para consumidores com deficiência visual. O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º A Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 31-A:

‘Art. 31-A. Para benefício e utilização do consumidor com deficiência visual, o fornecedor de produtos deve assegurar que as informações contidas nos produtos, com absoluta observância do disposto no art. 31 desta lei, sejam grafadas no sistema de escrita em relevo ‘anagliptografiana’ ou escrita ‘braille’, nos termos de regulamentação a ser expedida pelos órgãos federais competentes no âmbito do Poder Executivo”.

Art. 2º Esta lei entra em vigor no prazo de 180 (cento e oitenta) dias de sua publicação oficial’.

                                                                                                                          117

A árvore de projetos apensados, invariavelmente, acaba chegando ao Projeto de Lei da Câmara n. 7.699, de 2006, originado a partir do Projeto de Lei do Senado n. 6, de 2003, de iniciativa do Senador Paulo Paim, que institui o Estatuto do Portador de Deficiência e dá outras providências.

JUSTIFICAÇÃO

É certo que o Legislador cometeu um lapso na época da tramitação do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC) no Congresso Nacional, quando se omitiu de oferecer um tratamento adequado naquela ótima lei aos cidadãos e consumidores com deficiência visual em nosso país.

Referimo-nos ao fato do CDC não conter qualquer dispositivo que estabeleça a obrigatoriedade de se publicar informações nos produtos com caracteres na escrita ‘braile’, beneficiando uma parcela hoje tão desatendida da população brasileira.

Convém tecer alguns comentários sobre a legislação atual que rege as embalagens de produtos no Brasil. Para produtos alimentícios, a norma geral é o Decreto-Lei n° 986/69, que ‘institui normas básicas sobre alimentos’. Já, para produtos de origem animal destinados à alimentação humana, o regulamento de inspeção industrial e sanitária aprovado pelo Decreto n° 30.691, de 1952, dispõe sobre embalagem e rotulagem daqueles produtos em mais de trinta artigos. A Lei no 6.360, de 23 de setembro de 1976, que dispõe sobre a vigilância sanitária de medicamentos, insumos farmacêuticos, drogas, nutrimentos, bem como de cosméticos, produtos destinados à correção estética, produtos de higiene corporal, saneantes domissanitários, entre outros, também contém dispositivos que regulam a rotulagem destes produtos. A Lei n° 9.782/99, que criou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, estabelece, no seu art. 8°, que compete àquele órgão regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam riscos à saúde pública, como medicamentos de uso humano e veterinário; alimentos, bebidas, águas envasadas, seus insumos, suas embalagens, aditivos alimentares, limites de contaminantes orgânicos, resíduos de agrotóxicos; cosméticos, produtos de higiene pessoal e perfumes; saneantes destinados à higienização, desinfecção ou desinfestação em ambientes domiciliares, hospitalares e coletivos.

As normas legais e infralegais sobre rotulagem, embalagem e publicidade de alimentos, medicamentos e saneantes formam um conjunto coerente que capacita órgãos federais a normalizar, e fiscalizar, com o concurso de órgãos estaduais e municipais, a apresentação daqueles produtos ao público em geral. Entretanto, não há entre elas a obrigatoriedade de aposição dos respectivos nomes comerciais, informações relevantes e advertências em caracteres da escrita ‘braille’, conforme proposto no presente projeto de lei.

A proposição em análise tem o mérito de preencher tal lacuna. O fato de uma lei passar a obrigar os fornecedores primários a identificar e apor informações na escrita ‘braille’ nas embalagens de seus produtos induzirá os órgãos governamentais a adotar novas normas de rotulagem para obedecê-la. Esta obrigação será, portanto, o início de um processo que levará aos pontos de venda um grande número de consumidores cujas necessidades só podem ser atendidas, hoje, por intermédio de outras pessoas.

Acrescente-se que tal fluxo impelirá o comércio varejista à adoção de acessibilidade de pessoas com deficiência visual aos diversos tipos de pontos de venda. Quanto a este aspecto, pessoas com outros

tipos de deficiência de locomoção, que também não têm acesso adequado e fácil às gôndolas dos mercados, certamente serão beneficiadas na esteira de reformas de acessibilidade.

Por todo o exposto, acreditamos que a proposição reveste-se da maior importância e contribui sobremaneira para o aperfeiçoamento do Código de Defesa do Consumidor, especialmente quando beneficia o consumidor que é deficiente visual. Em razão da relevância deste projeto de lei, esperamos contar com o apoiamento de nossos ilustres Pares na sua tramitação nas Comissões permanentes desta Casa.118

A ausência de uma discussão mais profunda e a apropriação da questão pelas instituições já legitimadas a defender a pessoa com deficiência no mercado de consumo levam a um problema de execução das normas protetivas existentes para o campo legislativo, onde dificilmente avançará justamente em razão da composição de forças no Congresso Nacional, sempre tão debilitada quando se trata da defesa do interesse das minorias.