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Até o advento da atual Constituição da República, o tratamento constitucional conferido à pessoa com deficiência foi tímido e raros foram os diplomas que trataram do assunto até 1988, como visto anteriormente.

A falta de previsão constitucional nesse sentido aparece como reflexo da sociedade, que somente se apropriou do tema após a Segunda Guerra Mundial e, no Brasil, com mais intensidade, do fim da década de 1970 em diante.

A mencionada evolução da proteção da pessoa com deficiência no ordenamento jurídico brasileiro já começa a ser estampada em diplomas ainda vigentes, como o Código Penal (Decreto-lei n. 2.848/1940)74, a Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei n. 5.452/1943)75 e a Lei dos Crimes contra a

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“Art. 203 - Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho: Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa, de dois contos a dez contos de réis, além da pena correspondente à violência.

Pena - detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1º Na mesma pena incorre quem:

I - obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento, para impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida;

II - impede alguém de se desligar de serviços de qualquer natureza, mediante coação ou por meio da retenção de seus documentos pessoais ou contratuais.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental.

[…]

Art. 207 - Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional:

Pena - detenção, de dois meses a um ano, e multa, de quinhentos mil réis a cinco contos de réis. Pena - detenção de um a três anos, e multa.

§ 1º Incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou, ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de origem.

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental.”

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“Art. 461 - Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade. § 1º - Trabalho de igual valor, para os fins deste Capítulo, será o que for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço não for superior a 2 (dois) anos.

§ 2º - Os dispositivos deste artigo não prevalecerão quando o empregador tiver pessoal organizado em quadro de carreira, hipótese em que as promoções deverão obedecer aos critérios de antigüidade e merecimento.

§ 3º - No caso do parágrafo anterior, as promoções deverão ser feitas alternadamente por merecimento e por antigüidade, dentro de cada categoria profissional.

§ 4º - O trabalhador readaptado em nova função por motivo de deficiência física ou mental atestada pelo órgão competente da Previdência Social não servirá de paradigma para fins de equiparação salarial.

[…]

Art. 475 - O empregado que for aposentado por invalidez terá suspenso o seu contrato de trabalho durante o prazo fixado pelas leis de previdência social para a efetivação do benefício.

§ 1º Recuperando o empregado a capacidade de trabalho e sendo a aposentadoria cancelada, ser- lhe-á assegurado o direito à função que ocupava ao tempo da aposentadoria, facultado, porem, ao empregador o direito de indenizá-lo por recisão do contrato de trabalho, nos termos dos arts. 477 e 478.

§ 1º - Recuperando o empregado a capacidade de trabalho e sendo a aposentadoria cancelada, ser- lhe-á assegurado o direito à função que ocupava ao tempo da aposentadoria, facultado, porém, ao empregador, o direito de indenizá-lo por rescisão do contrato de trabalho, nos termos dos arts. 477 e 478, salvo na hipótese de ser ele portador de estabilidade, quando a indenização deverá ser paga na forma do art. 497.

§ 2º - Se o empregador houver admitido substituto para o aposentado, poderá rescindir, com este, o respectivo contrato de trabalho sem indenização, desde que tenha havido ciência inequívoca da interinidade ao ser celebrado o contrato.”

Economia Popular (Lei n. 1.521/1951)76, cujo objetivo era unicamente proteger a pessoa com deficiência dos abusos eventualmente cometidos em razão da natural condição de vulnerabilidade em que se encontra.

Nesse mesmo período – décadas de 1950 e 1960 –, torna-se frequente a preocupação com a inclusão da pessoa com deficiência na educação formal e no mercado de trabalho.

No que tange à inclusão e ao desenvolvimento dos diplomas que dispõem sobre ao tipo de deficiência abordado neste estudo, a visual, muito se deve à atuação de Dorina Nowill, que dirigiu, de 1961 a 1973, a Campanha Nacional de Educação de Cegos do Ministério da Educação e Cultura e foi presidente do Conselho Mundial para o Bem-Estar dos Cegos, hoje União Mundial de Cegos77.

Com a previsão de proteção, inclusão e acessibilidade das pessoas com deficiência incluída na Carta da República de 1988, cuidou-se de regulamentar os anseios do legislador originário em diplomas infraconstitucionais.

Nessa trilha, promulgou-se a Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989, que, entre outras importantes providências, dispôs sobre o necessário apoio às pessoas com deficiência, sua integração social. Pelas mãos desta lei, instituiu-se a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde), atualmente vinculada à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.

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“Art. 4º. Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se considerando: a) cobrar juros, comissões ou descontos percentuais, sobre dívidas em dinheiro superiores à taxa permitida por lei; cobrar ágio superior à taxa oficial de câmbio, sobre quantia permutada por moeda estrangeira; ou, ainda, emprestar sob penhor que seja privativo de instituição oficial de crédito; b) obter, ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida.

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, de cinco mil a vinte mil cruzeiros.

§ 1º. Nas mesmas penas incorrerão os procuradores, mandatários ou mediadores que intervierem na operação usuária, bem como os cessionários de crédito usurário que, cientes de sua natureza ilícita, o fizerem valer em sucessiva transmissão ou execução judicial.

§ 2º. São circunstâncias agravantes do crime de usura: I - ser cometido em época de grave crise econômica; II - ocasionar grave dano individual;

III - dissimular-se a natureza usurária do contrato; IV - quando cometido:

a) por militar, funcionário público, ministro de culto religioso; por pessoa cuja condição econômico- social seja manifestamente superior à da vítima;

b) em detrimento de operário ou de agricultor; de menor de 18 (dezoito) anos ou de deficiente mental, interditado ou não.”

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O primeiro artigo da lei em comento estabelece as “normas gerais que asseguram o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiências, e sua efetiva integração social”.

Esse plexo de direitos individuais e sociais é mais bem detalhado logo no artigo subsequente, com a imposição ao poder público de uma série de medidas destinadas a garantir o pleno exercício dos direitos básicos nas áreas da educação, saúde, formação profissional e do trabalho, recursos humanos e das edificações78.

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“Art. 2º Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico.

Parágrafo único. Para o fim estabelecido no caput deste artigo, os órgãos e entidades da administração direta e indireta devem dispensar, no âmbito de sua competência e finalidade, aos assuntos objetos esta Lei, tratamento prioritário e adequado, tendente a viabilizar, sem prejuízo de outras, as seguintes medidas:

I - na área da educação:

a) a inclusão, no sistema educacional, da Educação Especial como modalidade educativa que abranja a educação precoce, a pré-escolar, as de 1º e 2º graus, a supletiva, a habilitação e reabilitação profissionais, com currículos, etapas e exigências de diplomação próprios;

b) a inserção, no referido sistema educacional, das escolas especiais, privadas e públicas; c) a oferta, obrigatória e gratuita, da Educação Especial em estabelecimento público de ensino; d) o oferecimento obrigatório de programas de Educação Especial a nível pré-escolar, em unidades hospitalares e congêneres nas quais estejam internados, por prazo igual ou superior a 1 (um) ano, educandos portadores de deficiência;

e) o acesso de alunos portadores de deficiência aos benefícios conferidos aos demais educandos, inclusive material escolar, merenda escolar e bolsas de estudo;

f) a matrícula compulsória em cursos regulares de estabelecimentos públicos e particulares de pessoas portadoras de deficiência capazes de se integrarem no sistema regular de ensino;

II - na área da saúde:

a) a promoção de ações preventivas, como as referentes ao planejamento familiar, ao aconselhamento genético, ao acompanhamento da gravidez, do parto e do puerpério, à nutrição da mulher e da criança, à identificação e ao controle da gestante e do feto de alto risco, à imunização, às doenças do metabolismo e seu diagnóstico e ao encaminhamento precoce de outras doenças causadoras de deficiência;

b) o desenvolvimento de programas especiais de prevenção de acidente do trabalho e de trânsito, e de tratamento adequado a suas vítimas;

c) a criação de uma rede de serviços especializados em reabilitação e habilitação;

d) a garantia de acesso das pessoas portadoras de deficiência aos estabelecimentos de saúde públicos e privados, e de seu adequado tratamento neles, sob normas técnicas e padrões de conduta apropriados;

e) a garantia de atendimento domiciliar de saúde ao deficiente grave não internado;

f) o desenvolvimento de programas de saúde voltados para as pessoas portadoras de deficiência, desenvolvidos com a participação da sociedade e que lhes ensejem a integração social;

III - na área da formação profissional e do trabalho:

a) o apoio governamental à formação profissional, e a garantia de acesso aos serviços concernentes, inclusive aos cursos regulares voltados à formação profissional;

b) o empenho do Poder Público quanto ao surgimento e à manutenção de empregos, inclusive de tempo parcial, destinados às pessoas portadoras de deficiência que não tenham acesso aos empregos comuns;

c) a promoção de ações eficazes que propiciem a inserção, nos setores públicos e privado, de pessoas portadoras de deficiência;

A adequada execução dessas medidas, que passa pela necessária mensuração dos resultados, depende da concentração de esforços em torno de uma política pública muito bem desenhada, só estruturada dez anos depois, por intermédio do Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Este decreto, além de regulamentar a Lei n. 7.853/1889, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência e consolida as normas de proteção.

Saliente-se que, mesmo marcado pela visão eminentemente médica e assistencial da pessoa com deficiência79, o decreto regulamentar trouxe importantes princípios, conforme se depreende do teor do seu artigo 5º, litteris:

Dos Princípios

Art. 5º A Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, em consonância com o Programa Nacional de Direitos Humanos, obedecerá aos seguintes princípios;

I - desenvolvimento de ação conjunta do Estado e da sociedade civil, de modo a assegurar a plena integração da pessoa portadora de deficiência no contexto sócio-econômico e cultural;

II - estabelecimento de mecanismos e instrumentos legais e operacionais que assegurem às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciam o seu bem-estar pessoal, social e econômico; e

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           

d) a adoção de legislação específica que discipline a reserva de mercado de trabalho, em favor das pessoas portadoras de deficiência, nas entidades da Administração Pública e do setor privado, e que regulamente a organização de oficinas e congêneres integradas ao mercado de trabalho, e a situação, nelas, das pessoas portadoras de deficiência;

IV - na área de recursos humanos:

a) a formação de professores de nível médio para a Educação Especial, de técnicos de nível médio especializados na habilitação e reabilitação, e de instrutores para formação profissional;

b) a formação e qualificação de recursos humanos que, nas diversas áreas de conhecimento, inclusive de nível superior, atendam à demanda e às necessidades reais das pessoas portadoras de deficiências;

c) o incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico em todas as áreas do conhecimento relacionadas com a pessoa portadora de deficiência;

V - na área das edificações:

a) a adoção e a efetiva execução de normas que garantam a funcionalidade das edificações e vias públicas, que evitem ou removam os óbices às pessoas portadoras de deficiência, permitam o acesso destas a edifícios, a logradouros e a meios de transporte.”

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“Art. 3º Para os efeitos deste Decreto, considera-se:

I - deficiência - toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano;

II - deficiência permanente - aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos; e

III - incapacidade - uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.”

III - respeito às pessoas portadoras de deficiência, que devem receber igualdade de oportunidades na sociedade por reconhecimento dos direitos que lhes são assegurados, sem privilégios ou paternalismos [Grifos nossos].

Acompanhando o avanço mundial na discussão da tutela da pessoa com deficiência, o Brasil deu mais um passo adiante ao editar a Lei n. 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida.

Em que pese a citada lei focar-se nos espaços públicos e nos serviços destinados à coletividade, o que pode ser claramente percebido no conceito de acessibilidade trazido no primeiro inciso do seu artigo 2º, como a “possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação”, é que a contribuição dada à sociedade brasileira pela lei e por seu regulamento (Decreto n. 5.296, de 2 de dezembro de 2004) extrapolou os propósitos iniciais, na medida em que obrigou o poder público e a iniciativa privada a, de fato, adotarem medidas concretas voltadas à pessoa com deficiência, de modo a garantir a mínima convivência digna em sociedade, que começa pelo acesso em condição de igualdade substancial com os demais cidadãos.

Além desses diplomas, há outras leis federais que têm como público alvo a pessoa com deficiência visual, valendo destacar: a) a Lei n. 4.169/1962, que oficializa as convenções Braille para uso na escrita e leitura dos cegos e o Código de Contrações e Abreviaturas Braille; e b) a Lei n. 11.126/2005, que dispõe sobre o direito de o portador de deficiência visual ingressar e permanecer em ambientes de uso coletivo acompanhado de cão-guia.

Contudo, no que tange à garantia de acessibilidade da pessoa com deficiência visual no mercado de consumo, os diplomas infraconstitucionais até então mencionados apenas tangenciam a questão e, apesar de trazerem importantes contribuições, sobretudo em matéria de principiologia aplicável, não avançam na necessária proteção, colocando todo o fardo sobre o Código de Defesa do Consumidor.