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Quadro legal do EIV e panorama da regulamentação no cenário nacional

2 ANÁLISE E AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS E URBANÍSTICOS:

3.1 Da Reforma Urbana ao Estatuto da Cidade: fundamentos e efetivação do direito de

3.1.1 Quadro legal do EIV e panorama da regulamentação no cenário nacional

Conforme já mencionado neste trabalho, a origem das diretrizes da política urbana surgiu na Constituição Federal de 1988, nos artigos 182 e 183, tomados como princípios básicos até a aprovação da Lei Federal n.º 10.257, de 2001, marco regulatório sobre o desenvolvimento urbano no Brasil. O denominado Estatuto da Cidade aponta que a gestão do espaço deve pautar-se pelo cumprimento da função social da cidade e da propriedade, seguindo preceitos estabelecidos pela referida lei, bem como parâmetros definidos pelo plano diretor municipal e pela legislação específica dedicada à regulamentação dos novos instrumentos urbanísticos.

No caso do EIV, o Estatuto da Cidade dedica três artigos à definição e aos parâmetros a serem observados em sua regulamentação:

Art. 36. Lei municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana que dependerão de elaboração de estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) para obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público municipal.

Art. 37. O EIV será executado de forma a contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população

residente na área e suas proximidades, incluindo a análise, no mínimo, das seguintes questões:

I – adensamento populacional;

II – equipamentos urbanos e comunitários; III – uso e ocupação do solo;

IV – valorização imobiliária;

V – geração de tráfego e demanda por transporte público; VI – ventilação e iluminação;

VII – paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.

Parágrafo único. Dar-se-á publicidade aos documentos integrantes do EIV, que ficarão disponíveis para consulta, no órgão competente do Poder Público municipal, por qualquer interessado.

Art. 38. A elaboração do EIV não substitui a elaboração e a aprovação de estudo prévio de impacto ambiental (EIA), requeridas nos termos da legislação ambiental. (BRASIL, 2001).

Nota-se que o EIV está instituído com um conteúdo similar ao do EIA, entretanto não o substitui como explicita o artigo n.º 38. Ao contrário deste último, regido por resolução federal, o EIV necessita de regulamentação municipal, assim como outros instrumentos enumerados pelo Estatuto da Cidade. Ou seja, o EIV não consiste em dispositivo auto-aplicável e requer a aprovação de uma lei específica que determine, primeiramente, quais empreendimentos estarão sujeitos à elaboração do estudo. Essa orientação se justifica pelas especificidades encontradas em diferentes municípios, bem como pela definição do que é impacto para cada um, fato que pode estar relacionado, por exemplo, ao porte de uma atividade ou uso.

Comparando a evolução das políticas urbana e ambiental no país, nota-se a distância entre as duas áreas no que se refere à regulamentação de instrumentos de apoio ao cumprimento das diretrizes estabelecidas pelas respectivas legislações de origem. Enquanto a PNMA avançou desde a aprovação da Lei Federal 6.938, de 1981, tendo, por exemplo, o licenciamento ambiental e o EIA regulamentados por resoluções do CONAMA, a política de desenvolvimento urbano foi legalmente introduzida na legislação federal através do capítulo da política urbana na Constituição Federal, de 1988. Somente com o Estatuto da Cidade, datado de 2001, esse capítulo foi regulamentado. Em período anterior, destaca-se a aprovação da Lei Federal n.º 6.766, de 1979, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, como iniciativa disciplinadora da ocupação do território. Vale lembrar que a referida Lei entrou em vigor em época marcada por grande degradação ambiental e urbana, provocada pela proliferação dos loteamentos irregulares e clandestinos nas grandes cidades.

Além disso, aponta-se que, enquanto a PNMA conta com regimentos e instituições de ação nas três esferas governamentais, a elaboração e condução das políticas de desenvolvimento urbano restringem-se ao âmbito municipal, salvo quando características

específicas levam o disciplinamento do uso do solo aos governos estaduais, como é caso, por exemplo, de cidades situadas em regiões metropolitanas.

Se por um lado essa atribuição garante maior autonomia às administrações locais, há que se falar, também, de sua sujeição às pressões políticas e econômicas e da carência de pessoal técnico capacitado para conduzir o desenvolvimento urbano, fato que tem comprometido seu desempenho em muitas cidades. Esses aspectos são considerados no Estatuto da Cidade, tanto nas diretrizes gerais para a execução da política urbana, quanto nos instrumentos urbanísticos, e lançados como ferramentas de apoio ao desenvolvimento urbano.

Para atuar como apoio aos municípios, o Ministério das Cidades iniciou, no ano de 2005, a campanha “Plano Diretor Participativo” que, dentre outras atividades, promoveu a capacitação de técnicos e de munícipes para a atuação e o acompanhamento dos trabalhos na esfera municipal. Os municípios obrigados a elaborarem ou a atualizarem seus planos diretores à luz do Estatuto da Cidade tiveram o prazo encerrado em 10 de outubro de 2006, cinco anos após a promulgação da Lei Federal em 2001.

Em 2006, buscando diagnosticar o processo de planejamento no âmbito nacional, o Ministério das Cidades promoveu três consultas junto aos municípios para verificar o andamento dos trabalhos e, também, se o conteúdo proposto atendia ao mínimo determinado pelo Estatuto da Cidade. As primeiras pesquisas aconteceram em maio e outubro de 2006 e visaram averiguar o andamento da elaboração/revisão dos planos. A última, no período de outubro de 2006 a março de 2007, foi mais ampla e buscou informações sobre o teor dos planos diretores, a partir de questionários aplicados aos técnicos da administração municipal e à sociedade civil.

Cabe ressaltar que essa pesquisa foi inicialmente idealizada para o estado de São Paulo19 e, depois, estendida a todo o país, sendo aplicada com o apoio de técnicos das inspetorias do Conselho Regional de Arquitetura, Engenharia e Agronomia (CREA). A partir dos primeiros resultados disponibilizados pelo Ministério das Cidades, em janeiro de 2008, verificou-se que os critérios para a aplicação do EIV estão previstos, nos planos diretores ou em leis específicas, em 835 municípios, do total de 1.343 consultados, conforme distribuição por estado apresentada na TABELA 1.

Tabela 1 – EIV previsto no PD, em lei específica ou no PD e em lei específica por estado.

19 Os municípios do Estado de São Paulo não integram o universo da pesquisa, pois o formulário aplicado não

UF aplicação de EIV Critérios para Total de municípios pesquisados Acre 2 50,0% 4 0,3% Alagoas 27 62,8% 43 3,2% Amapá 3 100,0% 3 0,2% Amazonas 17 63,0% 27 2,0% Bahia 93 57,1% 163 12,1% Ceará 19 21,6% 88 6,6% Distrito Federal 1 100,0% 1 0,1% Espírito Santo 28 87,5% 32 2,4% Goiás 37 62,7% 59 4,4% Maranhão 43 58,9% 73 5,4% Mato Grosso 17 81,0% 21 1,6%

Mato Grosso do Sul 14 87,5% 16 1,2%

Minas Gerais 101 66,9% 151 11,2% Pará 53 77,9% 68 5,1% Paraíba 11 36,7% 30 2,2% Paraná 56 55,4% 101 7,5% Pernambuco 53 56,4% 94 7,0% Piauí 7 41,2% 17 1,3% Rio de Janeiro 42 72,4% 58 4,3%

Rio Grande do Norte 13 68,4% 19 1,4% Rio Grande do Sul 91 76,5% 119 8,9%

Rondônia 14 82,4% 17 1,3% Roraima 1 100,0% 1 0,1% Santa Catarina 74 67,9% 109 8,1% São Paulo - - - - Sergipe 13 65,0% 20 1,5% Tocantins 5 55,6% 9 0,7% Brasil 835 62,2% 1343 100,0% FONTE: Brasil, 2008.

Os dados da pesquisa divulgada pelo Ministério das Cidades demonstram, ainda, que 667 municípios incluíram critérios para aplicação do EIV em seus planos diretores. Destaca-se, também, que dentre esses 667 planos diretores em questão, 127 referem-se a cidades com mais de 100.000 habitantes. Das 835 experiências listadas na tabela 1, 99 referem-se a municípios que delegaram a regulamentação do EIV à elaboração de lei específica e 12 ao plano diretor e lei específica (BRASIL, 2008).

Ante a obrigatoriedade imposta pelo Estatuto da Cidade quanto ao conteúdo mínimo a ser tratado no plano diretor, um comentário comum a muitos processos de elaboração e revisão aponta que os instrumentos urbanísticos foram inseridos apenas como cumprimento à exigência, e não com a intenção de efetivamente aplicá-los. Tal crítica

fundamenta-se no fato de que grande parte dos planos diretores depende de regulamentação posterior, o que acaba delegando aos instrumentos urbanísticos uma posição de menor relevância no âmbito da legislação municipal. No caso do EIV, por exemplo, não há como indicar se os critérios de aplicação contemplam o elemento básico apontado pelo Estatuto, ou seja, a lista de empreendimentos e atividades sujeitos à elaboração do estudo.

Por fim, destaca-se que a postura dos governos locais frente à tarefa de atualizar sua legislação municipal à luz dos preceitos estabelecidos pelo Estatuto é parâmetro definidor de sua atitude perante os rumos do desenvolvimento urbano adotados pela cidade. A Lei Federal definiu questões mínimas a serem contempladas pelo EIV quando da análise de um empreendimento de impacto, entretanto, cabe à esfera municipal determinar em que situações um determinado projeto atinge negativa ou positivamente o adensamento populacional, a rede de equipamentos urbanos e comunitários, o tráfego e a demanda por transporte público. Prever a aplicação do instrumento no plano diretor ou em legislação específica trata-se de etapa preliminar em um processo que irá disciplinar o cumprimento da função social da cidade bem como garantir a qualidade de vida urbana.

3.1.2 Evolução e consolidação da análise de impactos urbanísticos: os casos de São

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