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4 A REDE NACIONAL DE TREINAMENTO: ELABORAÇÃO, FORMULAÇÃO E SUAS DISPUTAS

4.2 Quadro normativo

Neste tópico, apresentaremos elementos que passam a se relacionar diretamente com a Rede Nacional de Treinamento e as lei que normatizam o seu

funcionamento. Saravia e Ferrarezi (2006) apresentam que a formalização de normas jurídicas fazem parte da etapa de formulação e elaboração, em que decisões do poder público criam normatizações jurídicas, e a implementação e execução fariam parte da elaboração de planos, programas e projetos. Nesse sentido, a implementação propriamente dita será tratada no próximo capítulo, com a criação da Rede Nacional de Treinamento de Atletismo.

No ano de 2010, o Poder Executivo, especificamente a Casa Civil, propõe uma Medida Provisória (MP) 502/2010 (BRASIL, 2010c50), que veio a se

transformormar na Lei Ordinária 12.395/2011 (BRASIL, 2011a). Esta MP, que ficou conhecida como MP do Alto Rendimento, cria a Rede Nacional de Treinamento, a categoria Bolsa Atleta Pódio e o Programa Cidade Esportiva. Quem assina a exposição dos motivos (BRASIL, 2010b51), na época endereçada ao presidente Lula,

são Orlando Silva (Ministro dos Esportes), Guido Mantega (Ministro da Fazenda) e João Bernardo Azevedo Bringel (Ministro Interino do Planejamento, Orçamento e Gestão).

A lei 12.395, de 16 de março de 2011, altera duas leis importantes da legislação esportiva nacional, a 9.615 de 1998 (Lei Pelé) e a Lei 10.891 de 2004 (Bolsa-Atleta) (BRASIL, 2011a). A Rede Nacional de Treinamento está vinculada à legislação do Bolsa Atleta e apresenta a inclusão dos dois artigos destacados abaixo:

Art. 16. Fica criada a Rede Nacional de Treinamento, vinculada ao Ministério do Esporte, composta por centros de treinamento de alto rendimento, nacionais, regionais ou locais, articulada para o treinamento de modalidades dos programas olímpico e paraolímpico, desde a base até a elite esportiva. Art. 17. A Rede Nacional de Treinamento fomentará o desenvolvimento regional e local de talentos e jovens atletas, em coordenação com o Comitê Olímpico Brasileiro - COB e o Comitê Paraolímpico Brasileiro - CPB, além de centros regionais e locais, na forma e condições definidas em ato do Ministro de Estado do Esporte. (BRASIL. 2011a).

Chama a atenção o protagonismo dado ao COB e ao Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), em que pese a vinculação ao Ministério do Esporte, no art. 16, o que indica o protagonismo das duas primeiras instituições em detrimento desta terceira, que se apresenta no segundo artigo. Não encontramos referências que apontem para

50 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/mpv/502.htm. Acesso em:

15 nov. 2017.

51 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/Exm/EM23-MF-MP-ME-

qualquer tipo de coordenação por parte do COB na Rede Nacional de Treinamento, nem em âmbito mais geral, nem em âmbito específico do atletismo. Cabe destacar, no texto da lei, o uso da expressão “desde a base até a elite esportiva”, que apresenta uma impressão de que o início está na base, fato que apresentaremos como contraditório e inverso ao se analisar o caso da implementação no atletismo. Aprofundaremos essa questão quando discutimos o convênio formado entre CBAt e Ministério do Esporte para criação da Rede Nacional de Treinamento de Atletismo.

O entrevistado Paulo apresenta a importância do Pan-Americano em uma mudança de dimensão do esporte, com a chegada dos Megaeventos Esportivos, em um processo que fortaleceu institucionalmente o esporte. Exalta a criação de um planejamento feito em 2009 que, com a confirmação do Rio como sede olímpica, mudou o cenário institucional do esporte:

Pro Pan-Americano, o que que a gente consegue fazer. O esporte muda de dimensão enquanto política pública. O orçamento do Ministério se multiplica. O Ministro passa a despachar cotidianamente com o Presidente da República, com Ministro da Casa Civil, ou Ministra da Casa Civil, então a gente ganha uma outra dimensão. E mais importante do que isso, a gente consegue entregar uma grande revitalização da infraestrutura, e entregar no Rio uma infraestrutura moderna e tal, com muito sucesso. Bom, aí vem a candidatura olímpica. Então o que acontece, quando vem a candidatura olímpica, o Ministério faz um planejamento, e nesse planejamento já começa a aparecer a história da Rede, entendeu. [...]

Então nesse planejamento, que foi feito em 2009, antes da gente ganhar e apresentado ao Presidente da República, ao presidente Lula, a gente apresenta pela primeira vez o que seria a ideia de Legado de uma legislação esportiva se a gente ganhasse os Jogos Olímpicos. E o que aconteceu? Nós ganhamos. Então, ao ganhar, a gente já tinha um plano estabelecido com vários pontos, que ia desde criar autoridade de controle de dopagem, você ia de “A” a “Z”. E esta história da Rede estava nesta ideia. Estava o atleta pódio. Então todas estas ações já estavam lá planejadas. Maravilha, então ganhamos e começamos a ter condição. (informação verbal52).

Fica claro que, a partir do Pan-Americano de 2007, os reforços positivos passam a ser mais presentes; a trajetória de realizar um evento levou a realização de outro. Está claro que o sucesso na realização do Pan-Americano foi fundamental no sucesso da candidatura olímpica.

Um fato importante é a inserção da Rede Nacional de Treinamento na legislação que trata do Bolsa Atleta. O financiamento público federal, feito diretamente entre a União e o atleta, apresenta algumas questões sobre a autonomia dos atletas,

52 PAULO. Entrevista I. [Entrevista cedida a] Carlos Fabre Miranda. São Paulo, mar. 2020. 1 arquivo

estabelecendo novas formas de vínculos esportivos e relações que se apresentam no esporte. Com a proximidade dos Jogos Olímpicos, uma aparente preocupação com os atletas que recebem as maiores bolsas se apresentou, conforme Paulo destaca no trecho abaixo:

A ideia do bolsa, principalmente a do bolsa podium, que é a mais alta, é que o atleta tenha um maior protagonismo na gestão da sua carreira. Ele tem condições de, com uma bolsa daquelas, ele tem uma competição que o clube não quer participar e ele acha que sim, ele pode pagar. Se ele quer um apoio de um nutricionista e o clube não quer, ele pode pagar. Se ele quer o tênis A, B ou C, e o clube não dá, dá o D, ele pode pagar. Tem uma certa autonomia para tocar a carreira e tomar decisões, então é uma aposta na gestão do atleta na sua própria carreira, né. (informação verbal53).

Destacamos que entre a MP e Lei que cria a Rede Nacional de Treinamento, editadas na virada dos anos de 2010 e 2011, e as Portarias que detalham a política estudada, se passam aproximadamente cinco anos. As portarias teriam a função de disciplinar o funcionamento da Administração Pública e de seus agentes. A Portaria nº 248, de 20 julho 2016, é assinada pelo Ministro do Esporte e estabelece os objetivos da Rede Nacional de Treinamento; enquanto que a Portaria nº 1, de 1º de agosto de 2016, que estabelece as diretrizes da Rede Nacional de Treinamento, é assinada pelo Secretário Nacional de Esporte de Alto Rendimento. As suas publicações ocorrem dias antes da realização dos Jogos do Rio 2016, fato também notado em legislações referentes ao controle de dopagem e ao ato olímpico. Ao tratar de atores e agentes da Rede Nacional de Treinamento, na portaria nº 248, de 20 julho 2016 (BRASIL, 2016b), assinada pelo Ministro do Esporte, em seu artigo 5º, encontramos a indicação de quem poderá compor, prioritariamente, a Rede Nacional de Treinamento:

I - O Comitê Olímpico Brasileiro - COB; II - O Comitê Paralímpico Brasileiro - CPB;

III - As entidades nacionais de administração do desporto; IV - As entidades regionais de administração do desporto; V - As ligas regionais e nacionais;

VI - As entidades de prática desportiva, filiadas ou não àquelas referidas nos incisos anteriores;

VII - A Confederação Brasileira de Clubes - CBC; VIII - Estados, Municípios e Distrito Federal; IX - Universidades e Escolas Públicas e Privadas;

53 PAULO. Entrevista I. [Entrevista cedida a] Carlos Fabre Miranda. São Paulo, mar. 2020. 1 arquivo

X - Comissão Desportiva Militar do Brasil;

XI - Centros de Ciências e Medicina do Esporte; e XII - Serviços Sociais Autônomos.

(BRASIL, 2016b).

É apresentado também que a participação dependerá de adesão formal dos entes e outros órgãos, entidades e instituições de administração, ciência, medicina ou prática esportiva, que poderão requerer a sua adesão junto à Rede. Essas informações isoladas não apresentam muitos detalhes, no entanto, ao observar a imagem da pirâmide esportiva, que foi muito difundida tanto no site do Ministério do Esporte, como em diversos outros materiais da Rede Nacional de Treinamento, temos mais clareza sobre quem seriam os atores envolvidos e suas funções.