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4.3.2.2 QUEM SÃO OS FAMINTOS DO SÉCULO XXI? Quem são os mais expostos à fome 162 no início do século XXI?

Os três grandes grupos de pessoas mais vulneráveis são, na terminologia da FAO, os pobres rurais, os pobres urbanos, e as vítimas das catástrofes naturais ou de

conflitos armados.

Detenhamo-nos sobre as duas primeiras categorias.

1.Os pobres rurais. A maioria dos seres humanos que não têm o suficiente para comer pertence às comunidades rurais dos países do Sul. Muitos não dispõem de água potável, nem eletricidade. Nessas regiões, serviços de saúde pública, de educação e de higiene são, em geral, inexistentes. Dos 7,4 bilhões de seres humanos que habitam o planeta, pouco menos da metade vive em zonas rurais.

Desde o início dos tempos, as populações camponesas - agricultores e criadores (como também pescadores)- estão na primeira fila das vítimas da miséria e da fome: atualmente, dos 1.2 bilhão de seres humanos que, segundo os critérios do Banco Mundial, vivem na "extrema pobreza" (ou seja, com uma renda diária inferior a 1,25 dólar), 75% vivem nos campos.

Inúmeros camponeses vivem na miséria por uma ou outra das três razões seguintes: (i) uns são trabalhadores migrantes sem terra ou arrendatários superexplorados pelos proprietários. Assim, no Norte de Bangladesh, os arrendatários muçulmanos devem entregar a seus senhores da terra indianos, que vivem em Calcutá, quatro quintos de sua colheita. (ii) Outros, se têm terra, não possuem títulos de propriedade suficientemente sólidos. É o caso dos posseiros no Brasil, que ocupam pequenas superfícies de terras improdutivas ou vagas, fazendo uso delas sem ter documentos que provem que elas lhes pertencem. (iii) Outros, ainda, se possuem terra própria, a dimensão e a qualidade desta são

161 EIDE, Asbjorn. E/CN.4/Sub.2/1999/12 - O direito a uma alimentação adequada e a não padecer de

fome.Estudo atualizado sobre o direito à alimentação apresentado pelo sr. Asbjorn Eide em cumprimento da decisão 1998/106 da Subcomissão de Prevenção de Discriminações e Proteção da Minorias.p.20.

162 o termo fome é usado como sinônimo de subnutrição crônica, conforme terminologia usada pela FAO,

em seu O Estado da Insegurança Alimentar no Mundo 2013.

insuficientes para que possam alimentar decentemente sua família.

Poucos homens e mulheres na Terra trabalham tanto, em circunstâncias climáticas tão adversas e por um ganho mínimo, como os camponeses do hemisfério sul. Raros, entre eles, são os que podem poupar algo para precaver-se contra as sempre ameaçadoras catástrofes naturais e as perturbações sociais. Mesmo quando, durante alguns meses, há alimentação abundante, ressoam tambores em festa, celebram-se matrimônios em grandes cerimônias caracterizadas pela partilha, mesmo então, a ameaça continua onipresente.

90% dos camponeses do Sul só têm, como instrumentos de trabalho, a enxada, a foice e o machete. Sem tração, os agricultores do Sul permanecerão confinados em sua miséria.

2. Os pobres urbanos164. Nas callampas de Lima, nos slums de Karachi, nas smoke mountains de Manila ou nas favelas de São Paulo, as mães de família, para comprar alimentos, têm de se limitar a um orçamento familiar muito restrito. O Banco Mundial estima em 1.2 bilhão de pessoas "extremamente pobres" que vivem com menos de 1,25 dólar por dia.

Em Paris, Genebra ou Frankfurt, uma dona de casa gasta, em média, de 10% a 15% do orçamento familiar na compra de alimentos. No orçamento familiar da dona de casa de Manila, a parte destinada à alimentação varia de 80 a 85% dos seus gastos totais.

No início do século XXI, as pessoas que passam fome se encontram, majoritariamente, entre os consumidores pobres que tiveram reduzido seu poder aquisitivo e têm que destinar, em média, 40% de seus ingressos para adquirir alimentos (em alguns países, os setores da população mais pobres destinam mais de 70%). Os preços dos alimentos afetam os mais pobres dos pobres, ou seja, aqueles que carecem de terras, os lares a cargo de mulheres e a população pobre do meio urbano165. O menor aumento de preços no mercado provoca, nas favelas, a angústia, a fome, a desintegração familiar, a catástrofe.

164 ibidem,p.31.

165 FAO, Cuaderno de Trabajo sobre el derecho a la alimentación.Evaluación del derecho a la

O corte entre os pobres urbanos e os pobre rurais não é, evidentemente, tão radical quanto parece à primeira vista, porque, na realidade, também 43% dos 2.7 bilhões de trabalhadores sazonais, pequenos proprietários e rendeiros que constituem a imensa maioria dos miseráveis que vivem nos campos devem, em determinados momentos do ano, comprar alimentos no mercado da cidade ou das aldeias vizinhas - já que a colheita anterior não foi suficiente para sustentar a família até a próxima. O trabalhador rural sofre, pois, com os preços elevados do alimento de que tem a mais absoluta necessidade para sobreviver, o que infelizmente confirma a tese central de toda a obra de Josué de Castro segundo a qual Alain Bué a resume com base nessa constatação: "quem tem dinheiro come, quem não tem morre de fome ou se torna um inválido"166.

A distribuição da fome no mundo é extremamente desigual. Em 2010, ela se apresentava assim167:

166 ibidem.p.87. Bué Alain," La tragique necessité de manger", in Politics (Paris, outubro--novembro de

2008). Alain Bué foi assistente de Josué de Castro no Centre Universitaire Expérimental de Vincennes, criado em 1968 (depois, Universidade de Vincennes). Professor da Universidade de Paris VIII, é hoje, na França, seu herdeiro intelectual e o guardião de sua obra.

167 Gráfico foi extraído do Relatório sobre a insegurança alimentar no mundo (Roma, FAO, 2010) in

A tabela abaixo permite perceber a variação do número total de vítimas da fome no decorrer do século XX168.

168 Gráfico foi extraído do Relatório sobre a insegurança alimentar no mundo (Roma, FAO, 2010) in

4.4.1 - A CÚPULA MUNDIAL DA ALIMENTAÇÃO (1996)

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