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4.1 A SEMÂNTICA JURÍDICA DO DIREITO À ALIMENTAÇÃO E O MODELO DOUTRINÁRIO DA TEORIA

TRIDIMENSIONAL DO DIREITO

Os instrumentos internacionais não vinculantes estabelecem diretrizes, princípios e impõem obrigações morais aos Estados signatários, entretanto os Estados não estão obrigados juridicamente a cumprir suas disposições. Apesar disso, os instrumentos não vinculantes têm contribuído, significativamente, para o desenvolvimento do direito internacional dos direitos humanos. Eles adotam a forma de declarações, de recomendações ou de resoluções138.

Antes de analisar esses documentos não vinculantes, bem como os órgãos responsáveis pela feitura e aplicação, é necessário examinar a concepção e a função do modelo doutrinário (ou hermenêutico), conforme foi estabelecido por Miguel Reale.

Em suas palavras :

[...]Os modelos dogmáticos ou hermenêuticos, cujo conjunto corresponde à doutrina ou ao Direito científico, conforme terminologia de Savigny, têm por fim, no campo da Ciência Jurídica, dizer o que os modelos jurídicos significam, isoladamente ou no todo do ordenamento, operando, assim, como uma forma de metalinguagem jurídica.(gn)

Essa referência aos modelos dogmáticos e hermenêuticos já nos leva à terceira estrutura fundamental da experiência jurídica que é a relativa aos princípios e categorias que governam o processo interpretativo das normas jurídicas, tendo-se em vista a sua aplicação ou operabilidade.

Não há direito sem interpretação, como se sabe, desde que foi revelado o círculo vicioso que se oculta na velha parêmia

interpretatio cessat in claris139,visto como a afirmação de clareza já é o

resultado de um ato hermenêutico. O que subsiste, no caso, é a advertência de que o intérprete não deve desviar o sentido de uma regra

138 FAO, Cuaderno de Trabajo sobre el derecho a la alimentación 1. El derecho a la alimentación en el marco

internacional de los derechos humanos y en las constituciones. 2013. p.4.

139 o brocardo interpretatio cessat in claris sintetiza o entendimento de que a lei não precisa ser interpretada

jurídica, quando este é manifesto. O que é importante, todavia, é salientar a essencialidade do momento hermenêutico, quando a doutrina constitui os "modelos dogmáticos", cuja função é dizer o que os "modelos jurídicos prescritivos" significam. Não basta, com efeito, demonstrar que cada momento da vida jurídica corresponde a uma estrutura complexa, onde diferentes elementos se relacionam ou se contrapõem numa "totalidade de sentido", pois é preciso, também, demonstrar-se a qualidade hermenêutica dessa estrutura.(gn)

Já tive a oportunidade de salientar a ligação essencial entre "norma" e "situação normada", o que corresponde à paralela correlação entre "ato normativo" e "ato interpretativo", a partir da observação fundamental de que não há norma sem que haja interpretação. Resulta desse fato que, ao procurar compreender a norma jurídica, ou seja, ao querer determinar o alcance da prescritividade valorativa inerente à fórmula legal objetivada, o intérprete refaz, de certa forma, o caminho do legislador: vai da norma ao fato, mas tendo presentes os fatos e valores que condicionaram o aparecimento desta, bem como fatos e valores supervenientes.(gn)

É por essa razão que o ato hermenêutico também ocorre numa estrutura que é sincrônica ou homóloga à do ato normativo. Entre um e outro não pode haver interrupção: quando esta se dá, a vida jurídica entra em crise pela verificação da insuficiência ou superamentos dos modelos normativos em vigor, impondo-se a sua substituição.

Como se vê, desde a colocação do problema do Direito Natural até à nomogênese jurídica e a sua interpretação, verificamos que a experiência jurídica não pode ser plenamente entendida sem se ter presente a complexidade de sua estrutura, que não é uma estrutura estática, mas dinâmica, suscetível de ser vista nos quadros de um "historicismo axiológico".

Por essas razões é possível dizer que, desde a análise dos princípios transcendentais da ordem jurídica até a empírica interpretação de suas normas particulares, a vida do direito desdobra-se mediante suas estruturas e modelos, cuja natureza e níveis são diversos, mas todos interligados pelo comum propósito de uma objetiva conexão entre meios e fins, ou seja, entre a realidade e a ideia de justiça.(gn)

Podemos, em conclusão, asseverar que, numa projeção sucessiva, correlacionam-se e desdobram-se três estruturas jurídicas fundamentais: a do Direito Natural, como esquema normativo de exigências transcendentais; a do Direito Positivo, como ordenamento normativo de fatos e valores no plano experiencial; e a da Hermenêutica

Jurídica, a qual, além de esclarecer o significado das regras positivas,

assegura-lhes contínua atualização e operabilidade140.

Os principais instrumentos não vinculantes que reconhecem o direito à alimentação são os seguintes141:

Declaração Universal sobre a Erradicação da Fome e da Má- Nutrição, adotada em 1974.(FAO)

Relatórios, Recomendações e Observações Gerais do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, criado em 1987.

Declaração de Roma sobre Segurança Alimentar Mundial e Plano de Ação da Cúpula Mundial sobre a Alimentação, adotados em 1996. (FAO)

Aprovação pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Observação Geral #12, "O direito à uma alimentação adequada", em que se definem as distintas obrigações que impõem aos Estados o PIDESC em relação ao direito à alimentação.

Relatórios e Recomendações do Relator Especial sobre o direito à alimentação, cuja função foi criada em 2000. (Conselho de Direitos Humanos a partir de reforma da Comissão em 2006)

140 REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito, situação atual, 5 ed. rev. e aum. - São Paulo: Saraiva,

1994,p.112/114.

Aprovação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, em que inclui o objetivo 1 de erradicar a pobreza extrema e a fome até 2015.(Assembleia Geral das Nações Unidas)142

Declaração de Roma sobre Segurança Alimentar, adotada em 2002, em que se pediu o estabelecimento de um grupo de trabalho intergovernamental com o fim de elaborar diretrizes voluntárias para alcançar a realização progressiva do direito à uma alimentação adequada.(FAO)

Diretrizes Voluntárias da FAO sobre o direito à alimentação, aprovadas em 2004. Elas proporcionam orientações aos Estados para o cumprimento das obrigações que lhes correspondem em relação ao direito à alimentação.

Conferência Mundial sobre Segurança Alimentar (2009), com a reforma do Comitê de Segurança Alimentar, de modo a torná-lo mais inclusivo a todos os interessados.

142 A Declaração do Milênio é um documento produzido pela Organização das Nações Unidas, decorrente da

Cúpula do Milênio (2000), cuja aprovação contou com a assinatura de mais de 189 Estados-membros, representados diretamente por mais de 100 de chefes de Estado, 47 chefes de Governo, 3 Príncipes, 5 Vice- Príncipes, 3 Primeiros-Ministros e 800 delegados.

Nesse documento, cuja natureza jurídica toma a forma da resolução AGNU 55/2, a Assembleia Geral da ONU, na figura dos Chefes de Estado e de Governo, adotou como valores e princípios, entre outros, o que se depreende do parágrafo 3 da Declaração do Milênio: " Nós reconhecemos que, além de nossas responsabilidades separadas para com nossas sociedades individuais, temos uma responsabilidade coletiva de confirmar os princípios da dignidade humana, da igualdade e da equidade em nível global. Como líderes, nós temos um dever,portanto, com todas as pessoas do mundo, especialmente com as mais vulneráveis e, em particular, com as crianças do mundo, a quem o futuro pertence"

Após a assinatura da Carta de São Francisco, a Declaração do Milênio é o documento que representa um dos maiores compromissos assumidos de forma praticamente consensual pelos Chefes de Estado e de Governo, em que os Estados-membros manifestaram a determinação e a vontade de mudar o mundo, por meio da promoção da paz global, do respeito e da defesa dos direitos humanos, da luta pela erradicação da pobreza, da defesa da democracia, da sustentabilidade ambiental e da promoção dos princípios da dignidade e da equidade humanas. Entre diversos objetivos fundamentais identificados pela resolução, o objetivo primeiro, erradicação da pobreza e da fome, merece ser destacado

4.2 - O MODELO HERMENÊUTICO DO DIREITO À

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