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A construção de um regime democrático híbrido está normalmente associada à tentativa de fortalecer o exercício da cidadania e de equilibrar o poder de influência entre os grupos da sociedade civil e os partidos políticos, outrora com total domínio sobre o processo político. Desse modo, as comunidades e organizações com interesses específicos ganham uma via acessível para tentar obter a maioria em matérias relevantes. Theo Schiller (2003, p. 12) salienta essa possível função integradora e de “válvula de escape” da democracia semidireta:

Civil society groups can articulate a much broader and more differentiated spectrum of specific social needs, interests, and ideas on a single-issue basis, in contrast to the more general platforms of parties. Direct democracy provides them with additional channels of issue-focused articulation and an institutionalised road to decision-making. This strengthens their influence relative to parties and contributes to a better balance between civil society and parties. Even more

1 O referendo acerca da secessão do Sul do Sudão foi realizado em janeiro de 2011 e resultou em maciça

important may be the effect that public interest groups within civil society gain better access to political influence and decision-making. In order to achieve broad initiative support and a majority referendum vote, civil society groups have to work on broader political coalitions and thereby strengthen political networking structures. There also will be less need for informal and unconventional protest, which may turn violent. Civil society groups working within the decisions-making channels of direct democracy attract much media interest and thus also contribute to a richer and more differentiated public debate and public opinion.

Na verdade, as interpretações da expansão internacional da democracia semidireta variam, o que pode refletir o caráter multifacetado das circunstâncias que têm favorecido os mecanismos participativos. Essas condições podem ser distintas conforme o país. Donovan e Karp (2006 p. 672-674), ao citar as conclusões de diversos estudiosos, oferecem uma ampla gama de perspectivas sobre as molas propulsoras do apoio crescente à utilização dos mecanismos de participação direta do povo, que são de fato bastante populares em democracias sólidas como as do Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia e Suécia, contando ainda com escassa oposição explícita.

As hipóteses para tal fenômeno são várias. O crescente uso dos referendos e iniciativas populares de lei, especialmente, poderia representar uma reação da elite às novas demandas dos cidadãos. Alternativamente, poderia ser reflexo das pressões de grupos e cidadãos ativos, descontentes com as limitações do sistema representativo e desejosos de intervenção mais direta no processo político. Ao revés, poderia traduzir a esperança dos cidadãos menos envolvidos na vida política por um novo modelo em que possam expressar sua vontade imediatamente. Doutro lado, alguns advertem que há evidências de que os referendos e iniciativas populares têm sido promovidos por líderes e grupos populistas, nativistas ou extremistas (DONOVAN; KARP, 2006).

Na contemporaneidade, a cidadania progressivamente estaria adquirindo mais habilidade, conhecimento e experiência políticos, exigindo, portanto, uma democracia mais participativa e acessível aos “homens comuns”. Trata-se da hipótese da cognitive

mobilization, para a qual, em seu estudo, Donovan e Karp afirmam ter encontrado mais elementos.

Por sua vez, alguns entendem que o povo teria reduzido sua disposição a obedecer às autoridades e confiar nelas, bem como percebe os inúmeros problemas a afetar a relação entre os representantes eleitos e o povo. Segundo Donovan e Karp (2006), parte dos estudiosos do assunto em exame tem concluído que o apoio à democracia direta se dá mais pela insatisfação com o regime representativo do que por uma defesa em si de uma democracia com mais responsabilidade direta dos cidadãos no governo. O desencanto do povo

com as estruturas tradicionais da democracia – representativa, partidária, só indiretamente popular – perfaz a hipótese da political disaffection (DONOVAN; KARP, 2006).

A utilização dos instrumentos da democracia semidireta, visando a otimizar a participação direta do povo no governo, suscita alguns dos questionamentos que já há muito têm sido feitos à democracia direta. Na doutrina, pode-se identificar uma corrente participativa, para a qual não só os cidadãos são qualificados para decidir diretamente sobre certas matérias, como também a própria participação é que dá ensejo ao aperfeiçoamento do engajamento, das habilidades e das escolhas do povo, em razão do processo educativo proporcionado por sua inclusão na vontade estatal, o que tem sido confirmado por certos autores (MADUZ, 2010; TOLBERT; MCNEAL; SMITH, 2003). Há, porém, uma corrente representativa, cujo grande expoente é Joseph Schumpeter, a qual se mantém cética sobre a capacidade de os cidadãos tomarem decisões coerentes com os interesses gerais ou mesmo de manterem o interesse político necessário na democracia semidireta (MADUZ, 2010, p. 3-4).

Vários cientistas políticos e outros estudiosos vêm apontando, com frequência, certa incapacidade e manipulabilidade das massas que intervêm no processo democrático (AZAMBUJA, 2008, p. 342). Conforme essa concepção, os mecanismos políticos que demandam a deliberação imediata dos cidadãos podem facilmente degenerar em processos de domínio de personalidades ou grupos carismáticos ou muito influentes sobre questões relevantes para a sociedade. Como aduziu Robert Michels (1925 apud ZIPPELIUS, 1997, p. 232-233) sob o influxo da teoria da psicologia das massas:

É mais fácil dominar as massas do que um pequeno círculo de ouvintes, pois a sua aprovação é mais impetuosa, elementar e incondicional, e elas uma vez sugestionadas não toleram facilmente o dissenso de pequenas minorias ou até de alguns indivíduos. [...] As palavras bem como os actos são ponderados em muito menor medida pela multidão do que por membros singulares ou por pequenos grupos desta mesma multidão. Este é um facto incontestável que entra no campo da patologia das massas e que [...] foi suficientemente analisado como sendo a lei da diminuição do sentido da responsabilidade das massas.

Destarte, o âmbito de decisão coletiva direta pode vir a caracterizar-se por um vasto número de indivíduos sem condições de debater e deliberar adequadamente, seja pelos obstáculos práticos ao intercâmbio racional e paulatino de ideias; seja pelas sugestões e inculcações promovidas pela ação de demagogos; seja pela impossibilidade de a maioria dos cidadãos, ocupados em seus vários papéis socioeconômicos (bem ao contrário do antigo cidadão da polis), dedicarem séria e prolongada reflexão às questões levadas à sua escolha para além das emoções e impressões do momento (ZIPPELIUS, 1997, p. 232-233).

Assim, o governo do qual participam as massas, porém sugestionadas por grupos influentes, sujeitas às opiniões e paixões momentâneas e sem limites dispostos nas leis, poderia acabar concretizando a forma má de governo indicada por Aristóteles, corrupção da democracia: a demagogia – ou, consoante a terminologia pelo estagirita, democracia como degeneração da politeia (AZAMBUJA, 2008, p. 232, 342; ZIPPELIUS, 1997, p. 233).

Se os estudos realizados décadas atrás tendiam a confirmar a percepção de pouco interesse e habilidade política dos cidadãos, atualmente há vários estudiosos que, sem afirmar absolutamente o contrário, entendem que a maioria dos eleitores é capaz de deliberar e decidir razoavelmente com base em “indicações” (cues). Autores como Arthur Lupia e John Matsusaka (2004 apud MADUZ, 2010), bem como Todd Donovan e Shaun Bowler (1998) aduzem que tanto os cidadãos mais bem informados quanto os que conhecem apenas as preferências dos promotores das iniciativas de lei (e não seus dados detalhados) votam de modo similarmente adequado. Todavia, é digno de questionamento o fato de que essas “indicações” que orientam as escolhas dos cidadãos, na democracia semidireta, são normalmente fornecidas por partidos políticos, mídias e grupos de interesse.

Na atualidade, o poder dos grandes meios de comunicação, frequentemente associados a partidos políticos ou grupos econômicos, acrescenta mais um fator de decisiva influência na formação da decisão da maioria do povo, em especial nos atos plebiscitários, reduzindo a correspondência entre a vontade expressa nas votações e os interesses permanentes e gerais da maioria da sociedade. As tentativas de manipulação da população pelas mídias de massa têm, com as tecnologias contemporâneas (televisão, internet, etc.), impacto muito mais abrangente (ZIPPELIUS, 1997, p. 232-233; 240-41).

Com efeito, a análise de pesquisas de opinião feita por David Magleby permitiu concluir que 70% dos votantes em plebiscitos mudaram de opinião frente a apenas 26% nas eleições de candidatos, o que reforça a impressão de que as campanhas têm grande influência sobre a decisão dos cidadãos e podem determinar o resultado em um ou outro sentido (BACKES, 2005, p. 14-15). No sentido contrário, Harel Arnon (2008, p. 23) argumenta que o fato de alguns votarem em matérias sobre que não estão devidamente informados nem refletiram minuciosamente é simplesmente um traço da legiferação moderna, tanto a direta como a feita pelos representantes, muitos dos quais se baseiam em orientações do partido e votam em questões que não dominam.

Aquela situação pode ser agravada pelo fato de que os processos da democracia direta, em geral, não apresentam as estruturas de organização e controle do poder associadas ao Estado Democrático de Direito. Com efeito, para Bonavides (2010, p. 296), as instituições

da democracia semidireta asseguram ao povo “um poder de decisão de última instância, supremo, definitivo, incontrastável”. Já o regime representativo, prestigiando o Estado de Direito por instituições legalmente organizadas, sujeita-se, ainda, à avaliação periódica da opinião pública sobre o projeto de governo posto em prática (ZIPPELIUS, 1997, p. 233-235).

Aduzindo que o sistema representativo é mais propício à decisão racional e ao controle institucional do poder, Zippelius (1997, p. 236) argumenta:

De particular importância é também o facto de o pressuposto “técnico” de qualquer controlo institucionalizado dos poderes consistir em o povo agir não como massa difusa, mas através de diversas instâncias decisórias diferenciadas que “representam” a colectividade. Apenas sob esta condição se torna, no fundo, possível estabelecer um sistema de equilíbrio e controlo dos poderes em termos de organização (§§ 30; 31) a fim de se escapar, por esta via, à tirania de que é capaz

uma multidão democrática que em boa consciência se torna maioritária. (grifo nosso)

Por outro lado, o jurista alemão considera que a democracia representativa se constitui de elementos oligárquico-elitistas, reforçados pela burocratização do Estado e pelo modo de atuação dos partidos políticos, e elementos democráticos, aí incluídos os mecanismos de participação direta (referendos, iniciativas populares, etc.) a par das eleições em que se escolhem – adverte – não só pessoas, mas também questões político-materiais (ZIPPELIUS, 1997, p. 239-242).

A utilização desses instrumentos atende à necessidade de otimizar o princípio democrático, vinculado à participação de todos no poder político, mas não deve fazer olvidar a importância estabilizadora do sistema representativo (ZIPPELIUS, 1997, p. 348). Por seus mecanismos de representação, esse sistema, que subsiste no âmbito da democracia semidireta, deve propiciar que as deliberações relevantes sejam informadas não pelas precipitações contingentes da opinião pública, e sim por um processo de esclarecimento com respeito aos valores fundamentais que a sociedade – a despeito de interesses ou sentimentos fugazes – indubitavelmente preza. Nessa esteira, Zippelius (1997, p. 348) conclui que “a orientação segundo a opinião pública não pode, pois, significar, em democracia representativa, que haja uma simples relação de execução perante qualquer inclinação da opinião pública”.

Com efeito, se a democracia continua a buscar um relativo equilíbrio entre o “sentimento popular” (do qual a opinião pública é uma das manifestações mais claras) e o perfil da ordem político-jurídica, a história mesma dos regimes democráticos demonstra que a opinião pública de dado instante não obrigatoriamente reflete a vontade livre e permanente que a maioria do povo, abstratamente, escolheria, nem necessariamente é democrática. Daí a advertência cautelosa de Azambuja (2008, p. 355-356):

Quereríamos também afirmar que onde existe opinião pública existe a democracia. Entretanto, não se deve fechar os olhos a horríveis possibilidades, que são o pesadelo desta época. Um longo despotismo científico, as técnicas de persuasão, da

propaganda à lavagem cerebral, talvez consigam fabricar integralmente uma “opinião pública” antidemocrática. Porém, a menos que se queira fazer carnaval com as palavras, uma opinião manipulada tendenciosamente ou imposta mediante processos compulsivos não é “opinião”. Esta supõe necessariamente a liberdade de imprensa e de palavra para o indivíduo selecionar as informações. Ninguém ignora que isso hoje é bem difícil ante a propaganda maciça.

Ademais, a consolidação da democracia semidireta seria passível de degeneração, vez que os indivíduos e grupos tenderiam mais a envolver-se nas questões que lhes afetam “de perto” e, por isso, a engajar-se por causas que lhes beneficiam diretamente, ainda que em detrimento dos demais, tentando fazê-las passar por interesse geral do povo. Assim, haveria o risco de que a participação imediata se caracterizasse mais por grupos de interesse ativos e em disputa por tais ou quais medidas políticas do que por um processo de busca do “bem comum” (COSTA; CUNHA, 2010, p. 549-550).

Muitos autores alertam para o risco de o uso excessivo dos instrumentos da democracia semidireta pôr em risco os interesses das minorias (BARCZAK, 2001, p. 56). Afinal, seus instrumentos têm a particular característica de permitir à maioria do povo estatuir, sem intermediários, as regras jurídicas que vigorarão para toda a sociedade, logo promovem uma regra da maioria “pura” (MATSUSAKA, 2004 apud CHRISTMANN; DANACI, on line). É digno de nota que o país de mais longa experiência no governo semidireto, a Suíça, há poucos anos pôs à votação o direito de muçulmanos erguerem os minaretes característicos dos templos de sua fé, e a maioria do povo decidiu pela proibição de sua edificação.2

É já antiga a percepção de que delegar à maioria do povo, diretamente, a decisão sobre questões que afetam direitos das pessoas pode fragilizar o estatuto das diversas minorias na sociedade. Disso é demonstração clara a forte oposição de James Madison à direct

legislation. Nesse sentido, o sistema representativo “filtraria” a vontade expressa pelo povo (GAMBLE, 1997, p. 247).

Bem ao contrário, Boaventura de Souza Santos e Leonardo Avritzer (2002, p. 54- 55), como outros autores, enxergam na democracia participativa precisamente um meio de defender melhor os interesses das minorias, que são cada vez mais diversas nas sociedades contemporâneas e encontram dificuldades para se fazer representar no sistema tradicional.

2 Os resultados definitivos do referendo acerca da construção de minaretes na Suíça foram divulgados em

novembro de 2009. 57% dos votos foram a favor da proibição, e apenas 4 dos 26 cantões rejeitaram a proposta (NEBEHAY, 2009).

Leo Wirth e Marcio Renan Hamel (2006, p. 161), analisando a obra de Boaventura de Souza Santos, também argumentam que “o modelo da democracia representativa está defasado, posto que não representa as minorias excluídas e as múltiplas identidades, fomentando a exclusão social e não gerando, por conseqüência, o desenvolvimento”.

Roberto Amaral (2001), mencionando o temor de Stuart Mill de que o princípio majoritário se convertesse na supressão da voz das minorias, argumenta que a exclusão de crescentes grupos minoritários é uma tendência das democracias representativas, sendo a democracia participativa ou semidireta, pois, a solução para que todos, independentemente de sua identidade socioeconômica, cultural ou racial, participem efetivamente do governo.

Contudo, após analisar iniciativas populares de lei (ballot initiatives) e popular

referenda votados ao longo de três décadas, Barbara Gamble (1997) concluiu que, diferentemente da média relativamente baixa de aprovação daquelas medidas que ela denomina substitutive democracy, aquelas que envolviam questões de direitos civis resultaram em desproporcional favorecimento da rejeição a direitos já existentes ou propostos, prejudicando as minorias. Isso poderia derivar do fato de que as leis de direitos civis, ao normalmente procurar limitar os poderes da maioria em benefício de minorias, gera um conflito entre essas partes da sociedade baseado no interesse próprio e estimulado, ainda, por valores e divisões de longa data na sociedade.

A observação aleatória de iniciativas sobre direitos civis levadas à deliberação direta dos cidadãos tem gerado preocupações em alguns estudiosos. A expressão “genuína”, sem intermediários, da vontade popular poderia acabar revelando-se antidemocrática. Nessa esteira, são bastante expressivas as palavras de Derrick Bell (1978 apud GAMBLE, 1997, p. 250):

Direct democracy, carried out in the privacy of the voting booth, has diminished the ability of minority groups to participate in the democratic process. Ironically, because it enables the voters’ racial beliefs and fears to be recorded and tabulated in their pure form, the referendum has been a most effective facilitator of that bias, discrimination, and prejudice which has marred American democracy from its earliest day.

Por outro lado, há autores que consideram infundados os temores de “tirania da maioria” numa democracia em que se utilizem mais referendos e iniciativas populares de lei. O extenso debate sobre os efeitos da democracia semidireta, onde se realiza com mais nitidez o princípio da prevalência da decisão da maioria, e o status das minorias no cenário político- jurídico será trabalhado posteriormente, dada a necessidade de aprofundamento nessa questão. Por enquanto, importa salientar o razoável posicionamento de um dos principais autores

norteamericanos a respeito da direct democracy, David Magleby (1984 apud GAMBLE, 1997, p. 250): “direct legislation has been neither as positive in its effect as proponentes have asserted nor as dire in its consequences as opponents have predicted. The courts have been active in protecting minority and individual rights”.

Além dos possíveis “efeitos colaterais” da ampliação da democracia semidireta, e não obstante a importância de seus instrumentos, que para Zippelius (1997, p. 241) efetivamente constituem os “elementos democráticos” do sistema representativo, esse jurista alemão ressalta que:

Nos Estados com fortes elementos de democracia directa obteve-se ainda a experiência decepcionante de sintomas de cansaço e de uma forte queda na participação em votações e referendos, quando as matérias apresentadas excedem a capacidade de compreensão técnica dos cidadãos ou quando estes são chamados a votar demasiado frequentemente.

Em estudo empírico, Burnett, Garrett e McCubbins (2010, p. 23-25), como outros estudiosos, sugerem que os mecanismos de “democracia direta” necessitam ser reformulados para garantir informações mais úteis e confiáveis aos eleitores, que os auxiliem efetivamente a tomar decisões consistentes no momento da votação. Daniel Hays Lowenstein (1989 apud BURNETT, GARRETT, MCCUBBINS, 2010, p. 1-2) também advogou a reforma da direct

democracy a fim de que os referendos e iniciativas de lei realmente fortaleçam o poder dos cidadãos e movimentos de raiz.

Na verdade, os eleitores percebem o viés ou a manipulação das campanhas adversárias nos referendos e iniciativas, responsáveis por fornecer muitos dos dados a partir dos quais o povo exercerá seu poder decisório. A par disso, há matérias que não atraem campanhas informativas, e mesmo muitas das que o fazem não podem ser devidamente acompanhadas por cidadãos muito atarefados. Ainda conforme Burnett, Garrett e McCubbins (2010, p. 2-4; 23-25), tanto os cidadãos menos informados sobre os dados relativos às iniciativas de lei (ballot measures) como os que dispõem de mais conhecimento tomam decisões similares em relação à correspondência com suas preferências políticas. Não obstante, uma proporção ainda significativa se mostra incapaz de escolher, em tais procedimentos, em congruência com suas preferências e interesses. Conforme Bowler e Donovan (2000, p. 33-35), muitos eleitores, ainda, adotam um “não defensivo” em face de propostas muito complexas, o que certamente distorce os resultados.

A respeito das críticas à capacidade do eleitorado, Benevides (1994, p. 10) assevera que “o que importa, essencialmente, é que se possa garantir ao povo a informação e a consolidação institucional de canais abertos para a participação - com pluralismo e com

liberdade” (grifo nosso). Instrumentos como o plebiscito também poderiam ser úteis para as lideranças políticas ao revelar as opiniões existentes sobre dadas questões, revelando a preferência da minoria, “muito maior do que se imaginava” (BENEVIDES, 1994, p. 16).

A democracia semidireta inclui no poder decisório o povo real, ou seja, os indivíduos que de fato atuam e são condicionados por seu meio social. Para certa doutrina, uma grave questão é que a esse povo – interpretado não mais como categoria ideal, mas como humanos com todas as suas vicissitudes e virtudes, potencialidades e limitações – não são dadas, na era contemporânea, condições de decidir com liberdade, proporcionalidade e conhecimento. Alienados e sugestionados, os indivíduos ter-se-iam reduzido às massas. Nesse sentido, é severa a observação de Erich Fromm (1967 apud AZAMBUJA, 2008, p. 343):

Se a democracia significa que o indivíduo possa expressar convicções e afirmar sua vontade, é porque existe a premissa de que ele tem uma convicção e uma vontade. Contudo, os fatos demonstram que o homem moderno, alienado, tem opiniões e preconceitos, porém não convicções; tem preferências e idiossincrasias, não tem vontade. Suas opiniões e preconceitos, preferências e idiossincrasias são manipuladas, da mesma forma que o seu gosto, pelas máquinas de propaganda – as quais talvez não fossem eficazes se ele já não estivesse previamente condicionado a