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De início, importa esclarecer que, a partir da leitura de vasta doutrina sobre o assunto que logo será enfocado, constata-se que os autores se têm referido à diretriz que determina a prevalência da vontade da maioria nas decisões coletivas tanto como princípio

(“princípio da maioria” ou “princípio majoritário”) como regra (“regra da maioria”). Preferir- se-á, neste estudo, utilizar a expressão “regra da maioria”.

A regra da maioria se insere na busca de mecanismos de decisão coletiva que proporcionem aos Estados democráticos legitimidade, funcionalidade e estabilidade (D’ALIMONTE, 1998, p. 309), sempre com a mais ampla participação do povo. Assim, Bobbio (1986, p. 19) a descreve como “a regra à base da qual são consideradas decisões coletivas – e, portanto, vinculatórias para todo o grupo, as decisões aprovadas ao menos pela maioria daqueles a quem compete tomar a decisão”, assim como a eleva a regra fundamental – mas não suficiente – da democracia, da mesma forma que ela é uma diretriz primordial na democracia possível concebida por Kelsen (VENERIO, 2008, p. 33).

José Afonso da Silva (2000, p. 133-135) contradiz a frequente afirmação doutrinária de que o “princípio da maioria” é um princípio fundamental da democracia, a colocar a predominância da vontade da maioria como pilar do regime democrático. O jurista adverte para o aspecto possivelmente reacionário dessa interpretação, que pode viabilizar um verdadeiro governo de minorias dominantes em relação à população total, cujos grupos restantes não teriam participação real no processo decisório nem seriam objeto de devida consideração nas decisões coletivas.

José Afonso da Silva (2000) aduz que o critério da maioria é somente uma técnica usada na democracia para identificar, nas decisões do governo, a posição mais consentânea com o interesse geral, cujo caráter permanente se distingue claramente do interesse da maioria puro e simples, que é contingente. Outrossim, Sartori (1965, p. 118) afirma que não se cuida, nesse aspecto, de um “valor”, mas sim de uma técnica adequada ao funcionamento da democracia. Sem dúvidas, essa técnica é bastante promovida por mecanismos de democracia semidireta como o da iniciativa popular (MATSUSAKA, on line), o que implica serem os efeitos de sua aplicação – mormente sobre as minorias – correspondentemente mais nítidos.

Referindo-se tanto à democracia indireta como à semidireta, Paulo Otero argumenta de modo similar, embora possam restar dúvidas sobre como determinar o que seria “por natureza” incorreto, assunto de que se tratará posteriormente. Assim afirma o autor (2001, p. 171 apud DANTAS, 2009, p. 55):

Com efeito, o princípio majoritário nunca se pode transformar de simples critério decisório em efectivo critério de verdade: a maioria ou mesmo a unanimidade de um parlamento, tal como a vontade da maioria dos membros da sociedade expressa por referendo nunca pode tornar legítimo aquilo que por natureza é ilegítimo, tal como não pode transformar em certo o que é em si mesmo errado.

A constatação de que a regra da maioria não é um dogma, mas um critério de busca do interesse geral, permite compreender, por exemplo, a consagração dos sistemas proporcionais nas eleições de vários Estados (SILVA, J. A., 2000, p. 134). Aqueles, ao afastarem o critério majoritário, visam a aumentar a participação no poder dos diferentes subgrupos que compõem o povo em conformidade com sua proporção aproximada na sociedade, o que se dá normalmente nos órgãos representativos de Estados de grande dimensão e para fins de eleição de representantes ou distribuição de cargos (D’ALIMONTE, 1998, p. 311). As chamadas democracias consociacionais ou consociativas, marcadas por fortes divisões sociais ou culturais, fazem uso frequente do sistema proporcional (DAHL, 2001, p. 214-216), e não é por relativizar um tanto a regra da maioria que deixam de ser democracias.

Para Kelsen (2000, p. 68-70), que enfoca a questão mais sob a perspectiva da política na democracia parlamentar, a vontade da maioria só configura a vontade geral em perspectiva ideológica, e essa ideia não passa de ficção, mas o autor também não considera a realidade do princípio como um domínio da maioria sobre a minoria, vez que na democracia real não há estritamente essa consequência, e frequentemente ocorre o contrário. De qualquer forma, o jurista austríaco adverte que não convém pensar que o princípio da maioria significa a soberania da maioria (KELSEN, 2000, p. 75).

O significado do princípio da maioria, na realidade social, configuraria a tendência de se formarem apenas dois grupos politicamente fundamentais, opostos e mutuamente dependentes: só há maioria quando a minoria existe. Para subsistir, a minoria deve exercer alguma influência efetiva, pois ela logo renunciaria a uma mera participação formal e inútil e, portanto, desapareceria. É o que aconteceria numa eventual ditadura da maioria, logo privando esta de seu próprio caráter majoritária. Ao que parece, nesse estágio ela seria já absoluta, então seguramente já não mais se estaria no âmbito dum Estado democrático (VENERIO, p. 34).

Sem a participação da minoria na composição de interesses que resulta finalmente na vontade geral, esta se descaracteriza, pois “a vontade geral, formada segundo o chamado princípio de maioria, não se manifesta na forma de diktat imposto pela maioria à minoria, mas como resultado da influência mútua exercida pelos dois grupos, como resultante do embate das orientações políticas de suas vontades” (KELSEN, 2000, p. 69).

Por isso, Kelsen (2000, p. 70) afirma que mais apropriado seria dar a denominação de “princípio majoritário-minoritário”, porque o verdadeiro sentido dessa norma, na democracia real, é fazer com que a decisão derive das interações dialéticas entre

maioria e minoria e, ao final, consista numa harmonização dos antagonismos políticos, concretizada em geral por meio do processo legislativo contraditório dos parlamentos. O princípio majoritário-minoritário, assim, bem ao contrário de impedir ou dificultar, reclama seja viabilizado o compromisso entre maioria e minoria, de forma que a norma que prevaleça nem atenda inteiramente aos interesses de uma parte, nem prejudique inteiramente os interesses da outra (VENERIO, 2008, p. 33).

Normalmente, o “princípio majoritário” se manifesta na forma geral de maioria simples. Esta certamente se mostra funcional quando a metade mais um indivíduo da coletividade decidem da mesma forma, formando, assim, uma maioria predominante. Mais complexo é já saber se a regra da maioria, nessa situação, promoverá a estabilidade e equidade almejadas no regime democrático (D’ALIMONTE, 1998, p. 309-310).

Efetivamente, a maioria simples não pode impedir que os resultados da decisão coletiva sejam de soma zero, concentrando todas as benesses derivadas das decisões político- jurídicas na maioria, em detrimento da minoria. Ressalte-se que mesmo o respeito aos direitos formais das minorias não é suficiente para eliminar a possibilidade de a regra da maioria gerar forte percepção de iniquidade. As minorias podem não apenas ser alvo de ataques em seus direitos fundamentais (o que seria a pior hipótese), como também podem ser excluídas da distribuição dos benefícios das decisões coletivas (D’ALIMONTE, 1998, p. 310).

D’Alimonte (1998) argumenta que, sem o respeito básico às minorias e, ademais, sem a participação delas nos benefícios alcançados por decisões que tragam resultados “soma positiva” para todos, a regra da maioria pode deixar der um instrumento de solução pacífica dos conflitos de interesse tornar-se foco de frustrações para as minorias, perdendo a legitimidade. A aferição desta não está só na consulta à opinião majoritária, que não é suficiente se não houver mecanismos institucionais que permitam que a decisão final seja o mais próxima possível de uma solução passível de aceitação pela vasta maioria das pessoas (ZIPPELIUS, 1997, p. 153).

Ante essas lições, parece-nos que é indiscutível a necessidade de imbuir as decisões coletivas – sobretudo se tomadas por maiorias hegemônicas – de certos elementos axiológicos e normativos que não se pode perder de vista na democracia. Isso não se refere somente a aspectos de “democracia substancial”, mas principalmente ao fato de que mesmo a democracia compreendida como “regras do jogo” não se esgota na realização da vontade da maioria.

Com efeito, Bobbio (1998, p. 327) cita dentre as regras fundamentais que sustentam a democracia contemporânea, além do “princípio da maioria numérica” para as

decisões do órgão político supremo: “todos os eleitores devem ser livres em votar segundo a própria opinião formada o mais livremente possível” e “no sentido em que devem ser postos em condição de ter reais alternativas”; e “nenhuma decisão tomada por maioria deve limitar os direitos da minoria, de um modo especial o direito de tornar-se maioria, em paridade de condições”.

Cabe ainda compreender que, face às demandas gerais de otimização da participação das pessoas nos processos políticos de decisão, às minorias não basta o respeito a suas liberdades básicas: estas precisam ser de alguma forma integradas aos benefícios e às responsabilidades que as decisões coletivas envolvem. A participação das minorias pode ser legalmente favorecida, mas corre o risco, se não houver certas cultura e práxis políticas (abordar-se-á esse tema em seguida), de tornar-se meramente “simbólica” (BAPTISTA, 2003, p. 202-203).

Ainda a respeito das escolhas coletivas, não havendo uma opinião igual compartilhada pela nítida maioria do povo, pode-se alcançar a maioria por decorrência da relativa homogeneidade e, logo, compatibilidade dos interesses de boa parte do grupo. Nessa situação, conforme D’Alimonte (1998, p. 310), a decisão pode ser intermediária e mais equitativa, pois refletirá uma solução mediana entre as opiniões expressas pela maioria dos particulares, dado que aí é viável basear a decisão no que houver de comum entre as preferências divergentes.

Parece-nos que essa segunda aplicação da regra da maioria, mais idônea para processos de decisão equilibrados e satisfatórios para vários grupos – os mais e os menos numerosos –, poderá ser atingida mais amiúde onde e quando as deliberações públicas forem livres e intensas (sem monopólio das informações, e evitando campanhas sensacionalistas ou radicais) e a tolerância for promovida.

Para aquele fim, é muito importante a garantia efetiva da inviolabilidade da ampla gama de direitos fundamentais que a evolução histórica da democracia legou à humanidade. Efetivamente, a função essencial destes é, segundo Kelsen (2000, p. 67), a proteção das minorias nos Estados democráticos constitucionais, pois, na passagem da monarquia absolutista para a democracia, os direitos fundamentais passariam de proteção do indivíduo contra o Estado para proteção da minoria contra a maioria, em regra demandando maioria qualificada – e, portanto, um consenso aproximado entre maioria e minoria – para a alteração de normas constitucionais sobre certos interesses especialmente relevantes.

A regra da maioria é uma diretriz procedimental que a democracia não pode dispensar, eis que se presume que ela faz prevalecer, com mais probabilidade que qualquer

regra alternativa, a concepção fundada nas convicções morais da maioria do povo, e que permite, se não o atingimento, ao menos a aproximação de um consenso. Não obstante, a opinião da maioria não equivale obrigatoriamente à manifestação do consenso moral da sociedade, pois a população pode defini-la em função de interesses privados ou de manipulação, e não em decorrência de reflexão desinteressada e racional sobre a decisão mais consentânea com seus valores (ZIPPELIUS, 1997, p. 152-153).

Para que a regra da maioria não acabe sendo um critério democrático estranhamente utilizado para destruir a própria democracia que a criou (e tais “aberrações” já existiram na experiência política de alguns povos, como já foi arguido nesta pesquisa), sua aplicação deve ser informada por outras características fundamentais da democracia, ao menos se se pretende um governo popular sólido e duradouro. É muito apropriada a observação de Amartya Sen (2009, p. 337):

The relationship between majority rule and the protection of minority rights, both of which are integral parts of democratic practice, is particularly dependent on the formation of tolerant values and priorities. One of the lesssons drawn from the social choice result of ‘the impossibility of the Paretian liberal’ […] is the crucial relevance of mutually tolerant preferences and choice in making liberty and liberal rights consistent with the priority of majority rule and of being guided by unanimity over particular choices. If a majority is ready to support the rights of minorities, and even of dissenting or discordant individuals, then liberty can be guaranteed without having to restrain majority rule.

A promoção da tolerância e da moderação na esfera social e, mais ainda, no âmbito das decisões coletivas – pela via representativa ou imediata – é decisiva para o equilíbrio da democracia (SEN, 2009, p. 352), que não resiste à negligência de qualquer uma de suas diretrizes básicas (os direitos fundamentais reconhecidos a todos e a proteção e participação inclusiva das minorias certamente o são). Saliente-se que, segundo Dahl (2001, p. 173-174), o cultivo dos valores e processos democráticos pelos indivíduos é uma condição decisiva para a manutenção da democracia. Sem dúvidas, o aprimoramento da mentalidade democrática, a perpassar não só as instituições como também toda a cidadania, reclama a democratização da sociedade em geral para além da do Estado, fenômeno esse que Bobbio (1986, p. 54-55) sugeriu ser o verdadeiro tom do processo de democratização da época hodierna.

Essa observação é especialmente verdadeira no que tange aos mecanismos de participação direta do povo, onde a vontade da maioria se exprime de modo mais transparente e livre de empecilhos procedimentais como os existentes no processo legislativo junto aos Parlamentos. Nesses, as estratégias de compromisso já são relativamente bem conhecidas, mas a deliberação pública anterior aos referendos e às iniciativas populares também precisa

ser efetuada por cidadãos dispostos a adotar soluções medianas que considerem a opinião das minorias ainda que não venham a refletir absolutamente o interesse da maioria; isto é, decisões que anulem reciprocamente as divergências mais extremadas e permitam que prevaleçam as medidas que pareçam aceitáveis para a maioria dos grupos da sociedade, e não só para o que dispõe de números mais significativos.

A ratio da regra da maioria reside na presunção de que a aprovação da maioria a uma proposta, após – enfatize-se – deliberação pública efetiva e fundamentada, significa que a decisão tomada será razoável e legítima, ainda que falível e passível de revisão posterior (WHEATLEY, 2003, p. 518). Ao revés, há autores que consideram uma falácia a correlação feita entre a maioria numérica dos votos e a qualidade racional e legítima da decisão. É uma forte demonstração dessa posição a seguinte observação de Fernando Pavan Baptista (2003, p. 196):

A vontade da maioria do povo pode estar tão longe dos ideais de justiça quanto a vontade de um ditador qualquer, ainda que, à primeira vista, pareça inconcebível tal afirmação. Não há como corresponder proporções quantitativas com qualitativas, pois são propriedades distintas e independentes entre si. Portanto, o fato de a maioria estar com a razão (no sentido racional e pragmático do termo) é mera casualidade, nunca uma tendência.

Se a efetivação da regra da maioria não exaure todo o significado da democracia nem, muito menos, com ela se confunde (VIEIRA, 2008, p. 15), também não é factível cogitar que dada decisão só será democrática quando for consentânea com um “bem comum” ou uma justiça objetivamente identificáveis (MACHADO SEGUNDO, 2009, p. 129; KELSEN, 2000, p. 141). Embora nem todas as opiniões sejam igualmente bem fundamentadas, é certo que, numa coletividade numerosa e de vida complexa, é improvável que se determine consensualmente qual preferência, dentre as inúmeras existentes, conterá em si, por sua natureza ou pela qualidade de quem a manifesta, o verdadeiro “bem comum”.

Assim, mais uma vez caberá à coletividade, ou melhor, à maioria decidir quais os critérios pelos quais se pode avaliar se alguma medida atende a um interesse geral ou ao mero interesse de vários indivíduos. Contudo, na medida em que a democracia moderna não atribui a nenhum ente a certeza da verdade, essa forma de governo também aumenta a responsabilidade pessoal dos indivíduos pela decisão que tomam (ZIPPELIUS, 1997, p. 339). A sorte de sua sociedade política passa a depender pelo menos parcialmente dos valores que seus membros prezam e das leis que estabelecem. Não se reconhecendo uma concepção absolutamente correta, muito menos se pode vincular tal qualidade a um critério quantitativo de legitimidade, isto é, à vontade da maioria. A decisão mais justa só pode ser uma

aproximação nascida das divergências, o que só ocorre no âmbito da democracia, liberdade e pluralidade e segundo regras procedimentais estáveis (MACHADO SEGUNDO, 2009, p. 125-126).

Na democracia, reconhece-se o “princípio da maioria” em virtude da presunção de que todos são intrinsecamente iguais (DAHL, 2001), isto é, cada homem deve ser tratado como “instância moral digna de igual respeito” e, portanto, dotado de convicções válidas (ZIPPELIUS, 1997, p. 341). Destroem-se as crenças na sabedoria suprema de líderes sábios ou no direito divino de monarcas a ditar a ordem “certa” e vinculativa para todos (ZIPPELIUS, 1997, p. 152). Se as preferências de todos devem ser, em princípio, consideradas de igual valor, e decorre logicamente que a posição que obtém aprovação do maior número deve ser reputada legítima.

Ademais, o princípio democrático reclama a “maior participação do maior número possível” (ZIPPELIUS, 1997, p. 347), o que se relaciona a uma convicção gradativamente formada desde Rousseau até Kelsen, que a exprimiu no sentido de que os homens só podem manter, se não a liberdade natural originária, uma forma de liberdade (liberdade social ou política) se se submetem somente a comandos para cuja criação contribuíram. Como a unanimidade nas decisões acerca das normas que disciplinam a vida dos indivíduos é no mínimo improvável, a liberdade é, então, reformulada para admitir a obediência à decisão da maioria absoluta dos cidadãos (VENERIO, 2008, p. 23-24)

Sendo assim, resta claro que a regra da maioria se justifica e é mesmo indispensável num Estado democrático. Entretanto, é também nítido que a maioria dos particulares só poderá, em tal regime, definir legitimamente os princípios e regras que constituem sua ordem jurídica comum se, ao fazê-lo, não solaparem as próprias premissas sobre as quais se assenta a predominância da vontade da maioria: a liberdade de cada um de participar da formação da vontade estatal e, ademais, o respeito pela igual dignidade de todos os seres humanos (ZIPPELIUS, 1997, p. 341-342).

A maioria não pode estatuir leis ou definir políticas que excluam uma minoria do acesso a direitos que ela consagrou para si própria, sob pena de indiretamente estar deixando de reconhecer a igualdade incondicional de todas as pessoas e, consequentemente, de inadmitir a razão mesma que propiciou à maioria tomar aquela decisão como ato legítimo, e não mero ato coercitivo.

Da mesma forma, a maioria não pode formal ou informalmente impedir que as minorias tenham alguma efetiva chance de influir no resultado das decisões que conformam a ordem política e jurídica sob a qual vivem. Se a maioria do povo sufoca a autonomia pública

dos integrantes de minorias, logicamente nega que a democracia implique a participação de todos na formação da vontade estatal e rejeita a liberdade política que lhe permitiu decidir legitimamente.

Os indivíduos, ao estabelecerem imediata ou mediatamente as normas de sua comunidade política, devem fazê-lo – e o fazem, mesmo que não o bastante – intersubjetivamente, bem como necessariamente deverão limitar e compartilhar o grau de liberdade que possuem, eis que a liberdade absoluta de um grupo implicaria, evidentemente, a possível sujeição total de outros (MACHADO SEGUNDO, 2009, p. 126-127). É sobretudo relevante que, numa democracia que admite o dissenso mas não vive só do conflito de interesses, que os cidadãos possam deliberar e decidir como se, já que são intrinsecamente iguais, não houvessem de saber o status de que gozarão na ordem social de cuja formação participam, de modo a estatuir regras em bases gerais e equitativas.

No próximo capítulo, cuidar-se-á com mais extensão de algumas das proposições que nos parecem mais adequadas para minorar a tensão – ora crescente em muitos países democráticos – entre a predominância da vontade da maioria e o estatuto das minorias.