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CAPÍTULO III – À flor da pele: manifestações culturais de Saubara

3.5 O Rancho do Papagaio

O papagaio é uma ave da família Psittacidea, chamado comumente de Louro. No geral, possuem a coloração verde, com a testa e narinas em tom azulado e círculo branco em torno

dos olhos. Nas asas, possuem manchas vermelhas. Com tamanho entre 35 e 37 centímetros, pesando aproximadamente 400 gramas, conhecido por reproduzir a fala humana e ser um bom “falador”, dom que fez com que fosse muito procurado como animal de estimação. Reproduz- se, geralmente, em buracos de rochas e barrancos, alcançando a vida adulta aos cinco anos, se bem cuidado, pode viver até 80 anos.

Em Saubara, o Rancho do Papagaio é uma manifestação cultural que faz parte das festividades natalinas, período em que ternos, ranchos, reisados e bailes pastoris se apresentam. Nelson Araújo (1986, p.94), em sua passagem por Saubara constatou que é “[...] um dos lugares do Recôncavo onde os ternos e ranchos ainda mantêm erguidos os seus estandartes, nas festas de fim de ano”. Conforme relatos dos mais velhos da cidade, o Papagaio foi apresentado pela primeira vez em 06 de janeiro 1928, surgiu na rua da Boca da Mata.

O evento foi organizado segundo Barros (2006) por Dona Maria do Carmo, conhecida por Dona Cacau. A atração que vai às ruas da cidade em 25 de dezembro e 06 de janeiro, dia de Reis, embora se apresente em outras ocasiões se solicitada, permaneceu desativada durante algum tempo. O professor de Educação Física, Nilo Silva Trindade, 50 anos, juntamente com o grupo das senhoras da melhor idade da cidade desde 2005, vem colocando a “brincadeira” de volta às ruas, atualmente essa se encontra em plena atividade.

Figura 46 – Grupo do Rancho do Papagaio

A “brincadeira” – forma como é tratada por seus participantes – resulta num samba de roda que conta a história de um caçador que mata um papagaio, mas após os pedidos e cantos das pastoras, o papagaio ressuscita. O grupo possui em média 50 participantes de idades variadas, o Papagaio, o Caçador, as Pastoras, a Estandarte, o Mestre sala e músicos. Na performance, o papagaio é chamado a entrar na roda para brincar, o caçador vê o papagaio e vai atrás para matá-lo e com uma espingarda atira no papagaio, esse se debate ao chão... está morrendo. A população então acusa o caçador de matar o papagaio, as pastoras cantam, o papagaio ressuscita e é convidado a se levantar e entrar novamente na roda de samba dançando. As Pastoras, com pequenos pedaços de madeira, as “talbinhas”, nas mãos, batem uma na outra para acompanhar o ritmo da música, dançam e cantam com alegria. A estandarte leva a bandeira do “Rancho do Papagaio”, quem representa o papagaio, vestida de verde, leva a figura de um papagaio sobre a cabeça, cantando e saudando o dia.

Os participantes são moradores da cidade, estudantes, aposentadas, marisqueiras e rendeiras que, durante o ano, preparam suas vestes, com recursos próprios. Atualmente, para a confecção das roupas e adereços, gasta-se em torno de R$ 120,00 a R$ 250,00, a depender do nível de ornamentação das fantasias. As roupas são constantemente modificadas, as cores predominantes são sempre o verde, o amarelo e florais, na cabeça um torço e as saias rodadas trazem beleza ao movimento das sambadeiras.

Figura 47 – Adereços utilizados pelas pastoras e tabuinhas que marcam o samba

Para Nilo, as marisqueiras estão nas diversas manifestações culturais da cidade, e o mangue, além de servir de sustento, é também o meio pelo qual elas conseguem o recurso financeiro para participar das brincadeiras, comprar o tecido para confecção das roupas e os adereços: “[...] o dinheiro da venda dos mariscos, do bebe fumo, do sururu, elas compram o tecido para fazer a roupa para se apresentar, e ainda levam um dinheirinho para comer um lanche, tomar um refrigerante e uma cervejinha” (Nilo Silva Trindade, 11/11/2017).

Figura 48 – Ao centro o Mestre João Antônio das Virgens e a direita Raimundo José dos Santos

Fonte: Inadja Vieira, 2014.

O mestre João Antônio das Virgens, conhecido como “seu João de Iaiá”, nascido em 1940, trabalhou em diversas atividades, como pedreiro, carpinteiro, pescador, sambador, figura ativa nas manifestações culturais da cidade, na Chegança, Bumba Meu Boi, Samba das Raparigas. Hoje se encontra adoentado e afastado das “brincadeiras”, como ele próprio disse: “passei para os meninos aí”. Deixou em poder do professor Nilo Trindade uma cadernetinha, escrita de próprio punho, com as músicas do Rancho do Papagaio. As memórias que eram transmitidas oralmente, graças a seu João de Iaiá, agora estão escritas.

Figura 49 – Trecho da 1ª Marcha do Rancho do Papagaio por Mestre João Iaiá

Fonte: Inadja Vieira, 2017.

A 1ª marcha da música do Rancho do papagaio “Abre ala povos que eu quero passar, que eu quero passar com o papagaio que saiu a passear”, demonstra afeto com a ave, a quem lhe dedica momentos de passeio. A manifestação cultural do rancho traduz a necessidade de momentos de lazer e distração do povo.

Figura 50 – Trecho da 17ª Marcha Rancho do papagaio

No trecho da 17ª Marcha, a beleza do papagaio foi exaltada: “o papagaio é uma beleza, todo mundo fala bem. Vamos levar o papagaio na lapinha de Belém”. Sato e Carvalho (2005, p.56), pesquisadoras da educação ambiental, observaram que “além das memórias pessoais, essa sensibilidade naturalista para plantas e os animais pode ser reencontrada como elemento destacado na vertente conservacionista do campo ambiental”. E seu João disse: “O papagaio é uma coisa interessante, é uma coisa muito importante”, demostrando traços do sujeito ecológico, preocupado com a preservação do animal e também da manifestação cultural. Durante a apresentação, perguntou já respondendo, ao papagaio: “Papagaio, quem te matou? Quem te matou, vai morrer! Papagaio vai se levantá! Papagaio vai se aretirá! ”.