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RECEITAS PÚBLICAS CONCEITO

No documento Administracao (páginas 74-77)

CAPÍTULO VIII DA GESTÃO PATRIMONIAL

RECEITAS PÚBLICAS CONCEITO

As despesas públicas têm, obviamente, de ser satisfeitas por recei- tas. Uma noção meramente introdutória já está a nos indicar que receita é todo ingresso de dinheiro nos cofres de uma pessoa de direito público. A primeira observação que cumpre ser feita acerca da receita é que ela assume formas muito variadas no Estado Moderno. Já se foi o tempo cm que o Estado atuava como qualquer pessoa, isto é, valia-se dos recursos que pudesse obter pela exploração de seu patrimônio. Diante do fenômeno examinado no capítulo anterior, consistente no agigantamento das despesas do Estado, tornou-se imperioso o apelo para outras fontes de ingresso. Fundamentalmente. o que se passou é que o Estado veio, cada vez de forma mais acentuada, a lançar mão da sua força coercitiva para impor aos particulares o pagamento de quantias em dinheiro, independentemente de contraprestação de sua parte.

Antes, porém, de adentrarmos mais profundamente a classificação das receitas, cumpre defini-las melhor. Antonio L. de Sousa Franco conceitua:

“As receitas públicas podem ser assim genericamente definidas corno qualquer recurso obtido durante um dado período financeiro, mediante o qual o sujeito público pode satisfazer as despesas públicas que estão a seu cargo”

(Finanças públicas, cit., p. 272).

Sainz de Bujanda é mais sintético e define receita pública como “as somas de dinheiro que recebem o Estado e os demais entes públicos para cobrir com elas seus gastos”.

De qualquer sorte. o conceito de receita está muito atrelado à idéia de ingresso ou, se quiser, de entrada. Sainz de Bujanda chama a atenção para o caráter dinâmico do ingresso, isto é, supõe ele um movimento de fora para dentro do patrimônio. Daí, ainda na sua feliz observação, o conceito de receita ser mais restringido que o de meio para a satisfação das necessidades públicas, que é mais amplo. São meios e não receitas, por exemplo, os bens que cm um momento dado pertencem ao Estado, sejam patrimoniais ou de domínio público, assim como as prestações pessoais estabelecidas por força de lei (o serviço militar, p. ex.).

Quando se fala cm receitas públicas, o qualificativo públicas, na verdade, faz referência à natureza do ente que as recebe e não à qualidade em si da receita. Daí porque ser lícito afirmar que são receitas públicas as que são recebidas por uma pessoa pública e, reversamente. são privadas as receitas auferidas por urna pessoa jurídica de direito privado.

Quanto ao objeto das receitas, na sua concepção moderna ele há de recair unicamente no dinheiro. Expressa-se, pois, em moeda. Não se pode esquecer que as receitas constituem uma das grandes divisões do orçamento, o qual, por sua vez, exprime-se em unidades monetárias. E oportuníssirna a advertência feita pelo grande mestre espanhol acerca do exato papel dos bens in natura e dos serviços pessoais que, embora integrando o patrimônio do Estado, não se constituem em receitas. Transcrevamo-lo nesse particular:

“No patrimônio do Estado e demais entes públicos, entendido no sentido amplo de conjunto de relações de caráter econômico de que estes entes são titulares, entram também bens ‘in natura’; por exemplo, adquiridos mediante expropriação ou mediante liberalidades ‘inter vivos’ ou ‘causa mortis’, incluindo serviços pessoais, como o militar. Porém a aquisição de tais bens e serviços, ainda que suponham um incremento patrimonial e constituam meios com os quais o Estado e os demais entes suprem suas necessidades, não constituem ingressos no sentido técnico nem são, portanto, objeto do Direito financeiro, mas de outras disciplinas (Direito civil. político, administrativo etc.)”

O mestre luso, Sousa Franco, demonstra como as receitas deixam de fora algumas realidades afins, tais como: os chamados, em Portugal. recursos de tesouraria, as entradas de caixa vinculadas a fundo de garantia e as antecipações - — estas podem servir para pagamentos futuros, sé então dando origem à receita, por exemplo, os chamados “preparos” (Finanças públicas, cit., p. 272). O próprio autor fornece uma noção do que sejam os recursos de tesouraria:

“Entende-se de urna maneira geral que eles se limitam a antecipar as verdadeiras receitas públicas, que, por diversos motivos, não deram ainda entrada na caixa do Estado, sem representarem, no entanto, uma verdadeira receita, já que a sua natureza é meramente transitória. Trata- se, de alguma forma, de recursos momentâneos; o Estado contrai um empréstimo em Janeiro por conta das receitas de impostos a cobrar em Julho, só estas são receitas públicas, sendo as outras meras antecipações de tesouraria” (Finanças públicas, cit., p. 272). No Direito brasileiro essa modalidade de ingresso é tratada por empréstimo por antecipação de receitas.

Quanto aos referidos fundos de garantia, tratam-se de quantias que. embora nas mãos do Estado, terão de ser devolvidas ao seu proprietário. uma vez que. corno o seu próprio nome indica, a passagem

do numerário se deu meramente a título de garantia do cumprimento de determinada obrigação. São disso exemplos os depósitos ou cauções judiciais.

CLASSIFICAÇÃO

Vejamos agora em que categorias fundamentais podem aglutinar-se as diversas formas de receitas do Estado. São reconhecidas: as patrimoniais, as tributárias e as creditícias4.

Receitas patrimoniais Conceito

Receitas patrimoniais são aquelas geradas pela exploração do pa- trimônio do Estado (ou mesmo pela sua disposição), feitas segundo regras de direito privado, conseqüentemente sem caráter tributário. Com efeito, os Poderes Públicos desfrutam de um patrimônio formado por terras, casas, empresas, direitos, que são passíveis de serem adminis- trados à moda do que faria um particular, isto é, dando em locação, vendendo a produção de bens ou mesmo cedendo o imóvel ou o direito.

O que é importante notar é que, ao assim proceder, os Poderes Públicos estão se valendo de técnicas de direito privado, o que implica o respeito integral à livre manifestação de vontade dos particulares. Não está presente nunca o caráter impositivo ou coercitivo próprio, sobretudo, das receitas tributárias. Não importa que essa submissão ao direito privado venha por vezes acompanhada da incidência também de normas de direito público, O Estado, na verdade, nunca pode praticar um ato integral e exclusivamente disciplinado pelo direito privado, porque a tutela dos interesses a que está voltado — de ordem coletiva — impõe o respeito a uma normatividade específica incumbida de assegurar o atingimento daquelas finalidades5. O que remanesce, sem

dúvida, verdadeiro é que nas receitas patrimoniais há um predomínio bastante acentuado das normas de direito privado e a ausência do recurso à coerção.

Evolução histórica e significação atual

Um perpassar de olhos pela história demonstra que, durante grande parte dela, esses recursos patrimoniais desempenharam um papel quase exclusivo como fonte de receitas. Por muito tempo se confundiram o patrimônio do Estado com o do próprio rei, do que resultava. obviamente, uma confusão entre as finanças de um e de outro.

Na Idade Média assiste-se a uma privatização das instituições políticas. e a soberania passa a confundir-se com o direito de propriedade, do que resulta um conceito dominical do Estado. Os bens da coroa continuam a confundir-se com os bens privativos do monarca. Nessa época, o próprio tributo tinha muito que ver com uma prestação paga pelo cultivo das terras do monarca, embora não estivesse ausente a idéia de contribuição ao rei na qualidade de titular do Poder Público.

É durante a Idade Moderna que, diante do aumento das despesas públicas, os tributos passam a desempenhar um papel mais importante, relegando as receitas patrimoniais para um segundo plano. Com o advento das idéias liberais, o patrimônio público passa a ser malvisto, porque se via nele um obstáculo à livre circulação de riqueza. Sainz de Bujanda observa com muita propriedade que “Se julgou o Estado um mau administrador, que obtém de seus bens um rendimento inferior ao que se produziria em mãos dos particulares, e se estimou nociva toda intervenção do Estado na vida econômica.

Como conseqüência disso, foi produzida a legislação desamortizadora e as receitas patrimoniais reduziram-se a sua mínima expressão”.

Na medida em que, como se sabe, as concepções puramente liberais sofreram o impacto das idéias intervencionistas e socializantes, sobretudo no correr de século XX, as próprias receitas patrimoniais sofreram também o impacto dessas alterações. De um lado, a propriedade territorial perde a primazia de que desfrutava como fonte principal das receitas hauridas do patrimônio. Toma-lhe o lugar a riqueza mobiliária, a atividade industrial e comercial da Administração. Mas há um outro dado, muito provavelmente de maior relevância. É que

as próprias receitas hauridas do domínio patrimonial na época do liberalismo eram apenas voltadas à obtenção de recursos financeiros. Debaixo do intervencionismo, passam a ser encaradas como instrumento de conformação da vida econômica nacional com vistas a finalidades predeterminadas. O Estado soma-se aos particulares na prossecução de determinadas atividades tidas como de interesse geral, e a obtenção de receitas ocorre apenas como conseqüência acessória do cumprimento de ditos fins.

Modalidades de receitas patrimoniais

A exploração do patrimônio do Estado para a obtenção de receitas pode derivar de três componentes fundamentais: do patrimônio mobiliá- rio do imobiliário e do empresarial.

Patrimônio mobiliário

É sempre encontrável no patrimônio dos Estados uma certa quantidade de títulos representativos de crédito ou mesmo de parte do capital de empresas – ‘ações”. São múltiplas as razões que levam o Poder Público a deter esses papéis; por vezes é decorrente do direito sucessório. A ausência de herdeiros e legatários faz reverter ao patrimônio público os bens vacantes, e, dentre estes, podem figurar valores mobiliários cuja administração e exploração o Estado tem que cumprir.

Tem sido freqüente nos tempos modernos a assunção pelo Estado de parte do capital de empresas em situação de dificuldades financeiras. Isto efeito assim na suposição de que esta infusão de capital redunde num benefício de ordem social ou na preservação de uma empresa cujo objeto se considere de relevância coletiva. Não tem sido também infre- qüente o comparecimento do Estado na composição de capitais com o propósito de desenvolver setores para os quais o capitalismo privado não estivesse em condições de assumir todos os riscos advindos do investimento.

Esses valores mobiliários acabam por render frutos que podem as- sumir a forma de juros ou de dividendos, e o Estado a eles faz jus, embora seja de se notar que esse item representa, em regra, parcela muito pequena das rendas dos Estados.

Patrimônio imobiliário a) Patrimônio rural

Historicamente, o domínio rural desempenhou papel importantíssimo como fonte de receitas públicas. Tanto na Idade Média quanto na Moderna, traduziu-se em elemento gerador principal dos recursos públicos, só tendo perdido essa primazia a partir de fins do século XVIII, tanto por força do aumento crescente dos impostos quanto pelo fato de que os bens rurais foram na maior parte alienados durante o século XIX. Cabe, sem dúvida, aqui uma explicação das razões dessa alienação. Prende-se ela ao fato de que a visão liberal predominante no século passado não podia deixar de constatar que o Estado administra com menor eficiência do que os particulares, quer quando age como agricultor, quer como industrial ou como comerciante.

Ora, não foi difícil extrair-se a conclusão de que, se fosse dada ao Estado a incumbência de explorar a agricultura de subsistência, seguir- se-ia inexorável uma carestia da vida. Assim, ficava claro que a manutenção do domínio rural, ao fim e ao cabo, acabaria por prejudicar os interesses dos consumidores. Mas há também uma grande razão de ordem política, muito bem exposta por José Joaquim Teixeira Ribeiro: “A Revolução Francesa representou a vitória da burguesia contra as classes então privilegiadas: a nobreza e o clero. Mas qualquer revolução só vinga definitivamente quando encontra um forte apoio social que a sustente e defenda”.

Ora, a revolução liberal não podia encontrar esse apoio no operariado, pois não era revolução dos trabalhadores; só podia encontrá-lo na própria burguesia, mas numa burguesia que precisava de ser reforçada através do número e da riqueza. E a venda dos bens do Estado em condições vantajosas para os compradores — isto é, a preços baixos - -— permitiria, precisamente, ou transformar em pequenos proprietários, em burgueses, muitos camponeses que não possuíam terras, ou enriquecer os que já as tinham” (Lições de finanças

públicas, cit., p. 197-8).

É de notar-se que o Estado continuou no domínio das suas florestas. E que, com relação a estas, considerou-se que não estavam presentes as mesmas razoes que levaram à privatização das terras agricultáveis. Veja-se o problema da eficiência. A crítica fundamental que se fazia era ao desinteresse do burocrata, pouco motivado para uma laboriosidade diligente. Ora, ponderou-se que na silvicultura esse possível desinteresse não levaria necessariamente ao malogro da exploração, dado o pequeno papel que nela representa a intervenção do homem: as árvores crescem por obra da natureza.

b) Patrimônio urbano

O Estado possui, sem dúvida, um grande número de imóveis urbanos. Tanto a União quanto os Estados-Membros e os Municípios necessitam de prédios para a realização dos serviços públicos ou mesmo para uso dos cidadãos, como os museus e centros de cultura. Estes imóveis, nada obstante o seu valor possa ser grande. não proporcionam rendimento expresso numa receita. A doutrina os denomina “patrimônio de uso”, para diferençá-lo do patrimônio de rendimento normalmente voltado à exploração sob regime de direito privado, gerador também de uma baixa rentabilidade produzindo uma menor utilidade social que o patrimônio de uso.

Patrimônio empresarial

As receitas patrimoniais podem advir da assunção pelo Estado da atividade empresarial. Foram diversas as razões que levaram os Poderes Públicos de urna posição de meros regulamentadores ou disciplinadores da atividade privada a urna outra, de gestores diretos da própria empresa. O Estado passou a criar entidades dessa natureza ou a assumir o controle de outras já existentes. Essa intervenção assume também uma variante, conforme a composição acionária esteja inteiramente nas mãos do Estado ou se apresente ela em associação com capitais particulares. A própria exploração da atividade industrial ou comercial pode assumir uma feição concorrencial ou monopolística.

Com relação ao monopólio, seu objetivo pode ser de duas ordens diferentes: ou se trata de obter receitas, o que é feito mediante a fixação de preços que maximizem a receita, ou então o fim do monopólio reside na pretensão de melhor satisfazer as necessidades coletivas. Os mono- pólios fiscais — assim chamados aqueles que objetivam auferir receitas — foram sempre instrumentos de natureza tributária. De fato, recaindo normalmente sobre produtos de demanda muito generalizada, corno o tabaco, por exemplo, e levando em conta que os seus preços são bem acima daqueles que vigorariam sob o regime de concorrência, é óbvio que os Poderes Públicos resultam, destarte, investidos de uma fonte de receita.

Mas a utilização das empresas pelo Estado pode prestar-se a fins bem diversos, inclusive chegando ao ponto de fixar preços sem pretensão de lucro. São explorações industriais e comerciais tidas por de utilidade pública. Os autores apontam diversas causas que levam o Estado a criar empresas dessa natureza. Uma delas é o propósito de evitar o monopólio que, na maioria das vezes, ocorre quando a atividade explorada demanda forte proporção de capitais fixos. Os transportes ferroviários, a distribuição de água. de energia elétrica etc, requerem, sem dúvida, uma forte conjugação de capitais fixos. O temor é que, se liberadas ao livre jogo da iniciativa privada, essas empresas se convertam em monopólios de fato ou cartéis.

Há hipóteses, de outra parte, em que o Estado exerce atividade in- dustrial na suposição de estar cumprindo uma tarefa estratégica, o que vale dizer, uma influência decisiva na economia. Isso é muito freqüente nas indústrias produtoras de energia e de matérias-primas essenciais, como a dos combustíveis, eletricidade, ferro c aço. há outras razões, que não seria o caso de registrá-las aqui. Todas se prendem a um viés desfavorável sob o qual é vista a iniciativa privada. Portanto, o problema deixa de ser econômico para ganhar uru matiz ideológico.

Encarada a questão de um ponto de vista tanto quanto possível neutro, constata-se o seguinte: a rigor, não existem atividades que não possam ser prestadas pelos particulares mesmo quando demandantes

de grandes capitais. Depende, é óbvio, do nível de desenvolvimento econômico do país. O perigo supostamente existente no exercício privado de certas indústrias não é comprovado pela experiência.

Ademais, caso malefícios possam surgir, tem-se demonstrado mais eficiente o apelo a uma regulamentação da atividade ou, ao menos, a sua transformação em serviço público prestado, no entanto, por particulares, mercê de contratos de concessão. O que parece certo é que a tendência dominante nos últimos anos tem sido a de privatização. Do ponto de vista que nos interessa aqui, vale dizer, a atividade empresarial como fonte de receita do Estado, é forçoso reconhecer que o seu papel é muito pequeno, mesmo nos casos da exploração monopolista com fins fiscais; embora seja inegável o auferimento de recursos financeiros que daí advém, não é menos certo que esse mesmo objetivo também poderia ser utilizado, como de fato o é em muitos países, mediante uma forte tributação. No Brasil, por exemplo, os impostos cobrados sobre o álcool, sobre o fumo são extremamente elevados e certamente são muito mais rendosos para o Estado do que se este se abalançasse a montar indústria de cigarro ou mesmo destilaria de álcool.

Em síntese, o fator que mais tolheu o desenvolvimento das receitas empresariais foi o fato capital da manifesta ineficiência da maioria das empresas do Estado. Quer se trate de empresa inserida em regime de economia coletivizada, quer se trate de entidade estatal atuante em economia de mercado, o fato é que o controle burocrático da empresa mostrou-se avesso a critérios de eficácia econômica.

RECEITAS TRIBUTÁRIAS

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