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1. DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOS PROFESSORES: CAMPO DA PRÁTICA E DO CONHECIMENTO

1.2. REFLEXÕES TEÓRICAS SOBRE OS SABERES DOCENTES

aprendem para resolver problemas imediatos.

Compreendemos que a aprendizagem do professor é uma experiência pessoal acumulada, um processo contínuo e permanente, que ocorre em contextos sociais a partir de interações interpessoais, as quais provocam rupturas e mudanças em seu cotidiano. Ser professor não é uma etapa consolidada, exige um repensar sobre sua prática. Ao buscar teorias para entender o processo de aprendizagem do professor, percebemos como nós vamos associando aos nossos conhecimentos as informações que agregamos ou refutamos, a partir da nossa interpretação, de como queremos desenvolver o tema. Por isso, na aprendizagem do professor, temos atribuído uma importância ao processo metacognitivo. Neste sentido, compõem essas informações nossas próprias experiências, que surgem na memória e formam toda essa organização de conhecimentos, particularizada pela nossa história pessoal e profissional.

Nesta subseção, foram abordados princípios teóricos relativos à aprendizagem do professor, no entanto será preciso aprofundarmos também outros conceitos, que incluem: os saberes docentes e o processo metacognitivo, que conduzem ao desenvolvimento profissional dos professores.

1.2. REFLEXÕES TEÓRICAS SOBRE OS SABERES DOCENTES

Os conhecimentos docentes, comumente, são utilizados como teorias científicas e, por sua vez, os saberes docentes são mais utilizados para discutir o processo próximo da prática dos professores. A diferença estaria na gradação de atributos ou em alguns aspectos específicos. Em virtude dos fatos enunciados, não há como estabelecer parâmetros precisos como se fossem dois conceitos distintos. De acordo com o aporte teórico adotado, cabe ressaltar que Shulman (1986 e 1987) e Gauthier et. al (1998) utilizam o termo “repertório de conhecimentos” para se referirem ao conjunto de “saberes docentes”.

Neste estudo, assim como o de Monteiro (2007), utilizamos os termos conhecimentos e saberes docentes para referindo-nos aos “saberes da ação pedagógica”. Desta forma, nesta subseção, destacamos os conhecimentos e os saberes docentes a partir da fundamentação teórica adotada como termos que permitem direcionar, encaminhar a prática e intervir com a

técnica, representam o diálogo entre teoria educacional e prática pedagógica desenvolvidas para e na atividade docente.

Apoiamo-nos na tipologia proposta por Shulman (1986, 1987), que desenvolveu o repertório de conhecimento dos professores. Escolhemos esse autor porque nos interessa aprofundar nos conceitos estudados por ele, uma vez que os professores de Matemática do Grupo de Trabalho que pesquisamos mobilizam os seus saberes para ensinar utilizando os recursos de informática e como refletem sobre essa prática docente no grupo. Outros autores têm se dedicado a compreender a prática docente e merecem nossa atenção, entre eles, Pórlan e Rivero (1998), Gauthier et al. (1998) e Tardif (2005, 2011).

Inicialmente, nossa proposta é identificar os saberes docentes nestes aportes teóricos e trazê-los para as considerações. Os saberes docentes vão muito além das disciplinas ensinadas nas universidades. Na maioria das vezes, esses conteúdos são desconectados da realidade, pois a teoria se torna distante na relação do professor com o seu trabalho, frente aos seus alunos, em sala de aula, ou mesmo nas tarefas de aspectos sociais com a instituição escolar. Então, o professor tende a adaptar-se à sua prática em sala de aula com a busca de conhecimentos na sua própria história de vida. De fato, estas experiências estarão presentes no seu processo educacional, influenciando sua prática. A esses conhecimentos são incorporados os saberes de sua formação inicial, bem como os saberes disciplinares e curriculares e também os conhecimentos adquiridos com sua experiência profissional.

O conhecimento profissional para Porlán e Rivero (1998) visa à prática do professor necessária à ação docente. Segundo os autores, este conhecimento não é apenas acadêmico, pois leva em consideração problemas relacionados à intervenção. Além disso, não pode ser considerado como um conjunto de competências técnicas, já que se refere a processos humanos. E não pode se basear na simples interiorização acrítica da experiência. Esses autores chamam a atenção para a ineficácia das estratégias formativas tradicionais e sugerem que se realizem baseando-se no desenvolvimento dos conhecimentos profissionais que levam a uma atividade docente a partir de procedimentos da prática pedagógica.

Tardif (2005) comenta sobre a necessidade de repensar a formação docente e sugerem uma reforma nos cursos de formação docente, buscando-se uma articulação entre a teoria e os saberes desenvolvidos pelos professores em sua prática.

É nesse sentido que Gauthier et al. (1998) pesquisaram e questionaram o que faz uma pessoa ser um “bom” professor, se a intuição, talento, bom-senso, experiência, cultura e/ou conhecimento do conteúdo. Preocuparam-se em suas pesquisas com a natureza do ato de ensinar, identificando e/ou definindo um repertório de conhecimentos docentes.

A profissão docente assume uma perspectiva mais ampla do que o professor com a condição de simples transmissor de conhecimentos, no seu cotidiano, por meio da experiência vai construindo estratégias para desenvolver sua prática, busca novas experiências para ensinar. No entanto, as instituições superiores poderiam contribuir com a formação de professores para lecionarem na Educação Básica, combinando formação teórica e reflexão sobre a prática desde os primeiros momentos da formação inicial.

Para Zeichner (1993), os cursos de formação inicial têm desenvolvido um currículo com conteúdos e atividades de estágios distantes da realidade escolar, pouco contribuindo para construir uma nova identidade profissional docente: a de profissional reflexivo, investigador de suas próprias práticas e comprometido com a transformação social. Estes cursos de formação poderiam, por exemplo, apresentar pesquisas sobre os professores e suas práticas, os caminhos percorridos e quais as estratégias que são utilizadas por eles para lecionar.

A conscientização crítica é uma árdua tarefa de ajuste que nos permite relacionar o currículo, os materiais mediadores, as condições específicas do nosso ambiente educativo e a singularidade do nosso próprio conhecimento e habilidade (MONTERO, 2001). Por isso, muitos autores comentam a complexidade do sistema educacional e do seu processo contínuo. Garcia (1999) concorda com essa complexidade e propõe a importância de contemplar, no programa de formação de professores, o desenvolvimento do conhecimento desse profissional, no que se refere à escola e ao sistema educativo. O autor julga necessário aumentar a consciência e a compreensão do docente na complexidade das situações de ensino e sugere alternativas para confrontá-las.

Em vista disso, pode-se entender que o professor está sujeito a inúmeras e variadas situações, diversificando suas ações. Percebemos que, mesmo em situações semelhantes, vivencia uma prática docente, articulando seus conhecimentos com sua experiência profissional, que mobiliza seus saberes da profissão, de forma a responder a uma determinada situação. Consideramos, portanto, que há necessidade de esse docente ter um repertório mínimo de conhecimento que possibilite ingressar em sua profissão com capacidade de gerar novas construções e novos conhecimentos.

Em face às reflexões sobre os saberes docentes, os conhecimentos que os professores adquirem ao longo de suas vidas formam conjuntos de saberes subjacentes, permanecendo explícitos ou implícitos. Eles são representações mentais formadas a partir de estruturas de conhecimento e organizadas em planos ou outras estruturas já adicionadas anteriormente a

este conhecimento. Estes conceitos formados e organizados influenciaram nas atitudes dos professores, na medida em que são aplicados na sua prática docente.

Para contribuir com as reflexões sobre os saberes docentes, destacamos também que os professores possuem concepções sobre o ensino de quando eram alunos, sendo que essas influenciam fortemente nas atitudes e nas decisões da sua prática pedagógica. Com efeito, a experiência do ensino como alunos faz-nos sabedores deste ofício como uma profissão familiar, já que observamos estes profissionais trabalharem tantas vezes quando éramos alunos, ou seja, vem do fato de que nos sentimos conhecedores do que um professor faz e, de algum modo, prejulgamos e questionamos os seus saberes.

O percurso acadêmico também constituirá a base dos saberes docentes, pois a ênfase dos exemplos e experiências de vida de seus mestres poderá determinar o fortalecimento do caráter, na medida em que o acadêmico transpõe três a quatro anos da graduação contemplando, escolhendo, julgando e tomando decisões. Todos esses fatores influenciarão o seu trabalho docente, as suas crenças, as expectativas, as motivações, os valores e, portanto, as suas concepções.

Além disso, destacamos o isolamento profissional, segundo Hargreaves et al. (2002), a maneira como se organizou o sistema escolar contribuiu para sua ocorrência, pois esse se dá a partir de uma relação particular do professor com sua turma. Em parte, é uma herança estrutural da história da escola, que mantém os professores fechados em suas salas e afastados uns dos outros. Todavia, esse confinamento se mantém, atualmente, agravado pelas limitações contemporâneas do tempo de ensino e a intensificação do trabalho dos professores. No entanto, o compartilhamento das experiências fortalece o que sabemos e nos faz refletir sobre outras situações que vão surgindo no dia a dia da profissão.

Entende o autor que esses hábitos fazem parte da história e são frequentemente perpetuados pela política que incutiu o isolamento e o individualismo no imaginário de muitos professores. Com o isolamento, os professores se sentem protegidos das críticas, e resguardados de comparações hostis com seus colegas, pois, mantendo-se isolados, sentem-se superiores, não necessitando de ajuda, que poderia sugerir fraqueza e incompetência. Ao mesmo tempo, Hargreaves et al. (2002) ressaltam os direitos dos professores à independência profissional, na qual podem seguir sua própria consciência e ensinar o que desejarem.

Passaremos, agora, a tecer algumas considerações relativas ao programa de pesquisa conhecido como knowledge base que teve origem nos anos 1980 do século XX: um projeto norte-americano que tinha o objetivo de identificar um repertório de conhecimentos do ensino que serviu para a elaboração de novos programas de formação de professores. Monteiro

(2007) comenta o deslocamento do enfoque na pesquisa de knowledge base: da pesquisa sobre desempenho, eficiência e eficácia em que eram muito importantes as características pessoais do professor, passava-se para a investigação dos saberes especializados e próprios, como em outras profissões.

Destacando a dicotomia existente entre teoria e prática, Shulman (1986) desenvolve uma pesquisa sobre a knowledge base, na qual o autor estuda os diferentes tipos e modalidades de conhecimentos que os professores dominam.

Para isso, o autor, em 1986, elabora três categorias de conhecimento de conteúdos: a primeira, conhecimento do conteúdo relativo à matéria a ser ensinada, refere-se à acumulação e organização do conteúdo por si mesmo na mente do professor. Para conhecer os conteúdos, é preciso ir além do conhecimento dos fatos e conceitos de um determinado domínio, requer compreensão da estrutura da matéria.

Mais do que saber é preciso compreender; os professores precisam também ser capazes de explicar o porquê de uma determinada proposição poder ser julgada válida, porque vale a pena conhecê-la e como ela se relaciona com outras proposições, tanto internas à disciplina quanto externas a ela, tanto teóricas quanto práticas. Perceberem, também, o que é essencial e o que é periférico de tudo que é ensinado.

Em muitas outras tipologias de saberes docentes, aparece esse conhecimento profissional. Alguns autores indicam as críticas do isolamento que esse conhecimento teve ao longo dos anos. Ao identificar outros saberes existentes, contribuímos para mostrar a importância desse conhecimento, mas apenas ele não é suficiente para o professor refletir, agir e reconstruir suas ações.

A segunda categoria, conhecimento dos conteúdos pedagógicos, é um conhecimento das formas de representar e formular o assunto que o torna compreensível para os outros. Shulman (1986) inclui nesta categoria as formas mais comuns de representação das ideias, as analogias mais poderosas, as ilustrações, os exemplos, explicações e demonstrações. O professor precisa ter em mãos um arsenal de formas alternativas de representação, necessita de estratégias para reorganizar a compreensão dos alunos, algumas derivadas de pesquisa, enquanto outras originadas na sabedoria da prática.

A terceira categoria de conhecimento, denominada conhecimento curricular, envolve a habilidade do professor em relacionar um determinado curso ou lição a outros assuntos ou tópicos, além de serem familiarizados com materiais alternativos curriculares disponíveis para instrução.

Ao serem preparados para lecionar, os professores deveriam compreender bem os materiais para este tipo de instrução, os textos alternativos, os softwares, os programas, os materiais visuais, filmes conceituais, demonstrações de laboratório, que são convites para a investigação.

A importância dos estudos de Shulman, bem como para nosso estudo, está no fato de discutirem a questão do conhecimento que os professores possuem dos conteúdos do ensino e o modo como estes conteúdos se transformam no ensino (MONTEIRO, 2007).

Ressaltamos, ainda, que Shulman (1987) aprofunda a discussão sobre o conhecimento dos conteúdos pedagógicos em sua pesquisa, para os quais os professores desenvolvem um processo de raciocínio pedagógico que inclui um ciclo de atividades: compreensão, transformação, instrução, avaliação, reflexão e nova compreensão.

A primeira e a segunda atividades são fundamentais. A compreensão é entender o que se ensina e, quando possível, entender isso de diversas formas; a chave para a base do conhecimento do ensino está na interseção entre o conteúdo específico e a pedagogia na capacidade de o professor transformar o conhecimento do conteúdo que ele possui em formas que são pedagogicamente funcionais e adaptáveis a variações de habilidades da prática.

A instrução inclui a administração, explicação, discussão e todas as características observáveis, como apresentar claras explicações, propor e observar atividades e interagir com os alunos por meio de questões e provas, respostas, reações, a elogios e críticas.

Avaliação é o processo que inclui aspectos de checagem de entendimento e não entendimento que um professor precisa aplicar para obter feedback e notas. Entender o que um aluno sabe requer uma profunda compreensão tanto da matéria a ser ensinada como do processo de aprendizagem.

Já a reflexão é realizada pelo professor na medida em que ele olha o ensino e o aprendizado que está ocorrendo e o reconstrói, e/ou recapitula os eventos, as emoções e os compromissos. O profissional aprende com a experiência na medida em que faz uma revisão dos próprios objetivos do ensino.

E, por último, a nova compreensão é a chegada a um novo começo, a expectativa de