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e registros para o reconhecimento de um patrimônio luso-brasileiro

No documento Arqueologia urbana em centros históricos (páginas 196-200)

A sobreposição de tempos

e registros para o reconhecimento

de um patrimônio luso-brasileiro

197 RESUMO O Nordeste brasileiro carrega em suas paisagens expressivas marcas de seu passado

colonial. Contudo, a dinâmica do tempo tem camuflado não apenas os sinais do momento inicial de sua formação como também a forma de reconhecê-los. Portanto, este artigo apresenta alguns núcleos urbanos que constituíam a região correspondente à antiga Capitania de Pernambuco, sob a perspectiva de um estudo baseado na manipulação de documentos os quais, por muito tempo, foram deixados à margem das pesquisas científicas por sua carga de subjetividade e que hoje, por isso mesmo, vêm sendo cada vez mais respeitados com os avanços da Nova História. Trata-se do embate entre a empiria e a revisão de um conjunto de textos e imagens elaborados durante os dois primeiros séculos da formação da paisagem edificada das terras brasílicas e suas configurações atuais, como fundamento para a identificação de uma série de elementos e aspectos que constituem a paisagem luso-brasileira, desde relativos à feição de edifícios e cami- nhos até a gestos humanos do cotidiano, tais como, a pesca e a cultura da mandioca. Apresenta- -se, pois, um procedimento de observação que resultou em um entendimento sutil e ampliado de determinados conteúdos paisagísticos enquanto patrimônio.

PALAVRAS-CHAVE Fontes documentais, conhecimento empírico, núcleos pós-coloniais, legado paisagístico.

ABSTRACT The times and records overlap for Portuguese‑Brazilian heritage recognition. The Brazilian Northeast carries in its landscapes expressive marks of its colonial past. However, the time dynamic have camouflaged not only the initial moment sign of their urban formation but also the way of it is recognized. This paper presents a research about a group of colonial urban nucleus of the Captaincy of Pernambuco based on documents manipulation that was, for a long time, executed by the scientific knowledge base for its subjectivity load and that today have been increasingly respected by the New History advances. It is the clash between a revision of texts and images elaborated during the first two centuries of the Brazilian built landscape and their present configurations, to identification of elements and aspects that constitute a Luso- Brazilian landscape. It includes buildings, routes and daily human gestures, as food culture. This paper concern about an observation procedure which results in a subtle and expanded under- standing of landscape content as patrimony.

KEY WORDS Documentary sources, empirical knowledge, postcolonial nucleus, landscape legacy.

1 . E S T U D O S DA PA I SAG E M

O início do processo de colonização da América por parte dos portugueses aconteceu num cená‑ rio marcado por uma natureza generosa que acolheu os núcleos urbanos ao longo das massas de água... “Se buscássemos reencontrar a memória destas cenas, como deveríamos proceder? Se fôsse‑ mos apagando devagar, na paisagem posta aos nossos olhos, os contornos dos prédios, elimi‑ nando seus vários andares, desmanchando o traço dos fios de iluminação, sumindo os auto‑ móveis e o asfalto, acessaríamos a memória da longínqua paisagem da qual nos resta o que

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vemos nas telas de Frans Post? A história lida com ausências. Como falar de uma experiência da qual nos afastamos por tantos anos? Como dar voz a homens desconhecidos, descrever terras hoje modificadas, compreender um mundo áspero, quotidianamente envolvido por guerras, que reunia de forma original culturas tão diferenciadas como os diversos pedaços da Europa – Portugal. Espanha, França, Países Baixos ‑, mas também as várias Áfricas que aportariam aqui e os povos nativos em sua variedade, ainda mais incógnitos por absterem ‑se das letras?” (Silva, 2011: 11,12)

Essas questões têm motivado os trabalhos do Grupo de Pesquisa Estudos da Paisagem, sediado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Alagoas (Brasil) e formado por professores, doutorandos, mestrandos e graduan‑ dos das áreas de Arquitetura, Urbanismo, História, Antropologia e Design.

No sentido de entender a correlação de forças e analisar as migrações dos possíveis modelos portugueses para a colônia na América, o Grupo tem investigado, desde 1998, a conformação das primeiras vilas e cidades de origem colonial situadas em antigas capitanias que hoje correspondem aos Estados da Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Bahia, Nordeste do Brasil, na perspectiva de contribuir para os estudos urbanos comparados e para o fortalecimento de suas propriedades patrimoniais e identitárias. Com isso, a pesquisa se coloca na condição de fornecer subsídios a ações de instituições públicas vinculadas à cultura urbana, ao turismo, ao reconhecimento do patrimônio citadino, bem como para a realização de produtos e de atividades de sociabilização desse conhecimento através da linguagem gráfica, especialmente em formato digital.

Em princípio, tomou ‑se como objeto de estudo um recorte geográfico que permitisse uma conju‑ gação bem assimétrica de escalas de dimensão e de importância. Portanto, foram abordadas cidades de grande visibilidade turística como Olinda, Patrimônio da Humanidade desde 1982, e localidades de porte singelo, como Vila Velha de Itamaracá, cujo conjunto paisagístico foi tombado em nível estadual em 1985.

Os trabalhos são realizados de forma interdisciplinar com o tema das temporalidades urbanas (no caso, os séculos xvi, xvii e a contemporaneidade) tomando como ferramentas metodológicas princi‑ pais o uso de fontes primárias, o trabalho de campo e a análise iconográfica através de processos de manipulação digital, colocando como questão principal dos estudos o entendimento de como surgiram e se transformaram os núcleos de mais densa base temporal e quais os vestígios que permaneceram do seu primeiro momento de formação. Para tanto, as investigações baseiam ‑se no confronto entre representações históricas e situações paisagísticas atuais, buscando catalogar referências da paisa‑ gem urbana, desde expressões físicas até aspectos relativos a hábitos e costumes acumulados na longa duração.

FIG. 1 Núcleo urbano quinhentista do município de Olinda, situado no Estado de Pernambuco, correspondente a uma das mais importantes Capitanias Hereditárias das terras brasílicas. Fonte: Acervo do Grupo de Pesquisa Estudos da Paisagem.

A SOBREPOSIÇÃO DE TEMPOS E REGISTROS PARA O RECONHECIMENTO DE UM PATRIMÔNIO LUSO-BRASILEIRO

ROSELINE VANESSA SANTOS OLIVEIRA

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O conteúdo deste artigo consiste, pois, na apresentação dos resultados do avanço dos meca‑ nismos investigativos relativos ao uso das fontes, dos métodos de acessar o passado urbano de um conjunto de localidades de origem colonial e, por extensão, da forma de ver a paisagem e reconhecer o patrimônio.

2 . AS FO N T E S

O tema de estudo do Grupo de Pesquisa Estudos da Paisagem é a paisagem. Portanto, tem a perspectiva de “tratar os saberes de forma variada e conexa, pois, a paisagem pressupõe a aglome‑

ração de diferentes elementos”, cujos registros auxiliaram de forma definitiva no processo de sua

identificação (Silva e Muniz, 2015: 06). Nesse sentido, ao assumir a complexidade do tema, assume‑ ‑se também a pertinência em trabalhar com diver‑

sas fontes de pesquisa, de maneira a enriquecer as possibilidades de compreensão da paisagem e, especialmente, de acesso ao seu passado.

Nesse sentido, para além das referências bibliográficas comentadas, o Grupo toma como material privilegiado de observação o acervo iconográfico relativo ao Brasil dos séculos xvi e xvii. Devido a um conjunto de fatores como a importância de mapear as áreas de extra‑ ção do açúcar, por exemplo, e mesmo a própria necessidade de reconhecimento da terra recém‑ ‑conquistada, teve ‑se como decorrência a produ‑ ção de uma série de registros textuais e iconográ‑ ficos desse momento da expansão ultramarina.

Tais documentos constituem, em parte, relatórios e relatos que descrevem, dentre outros aspectos, os lugares povoados, com linguagem à maneira de diário ou de forma mais sistema‑ tizada enquanto resultado de uma encomenda real, como os escritos de Pero de Magalhães Gândavo (1576), Gabriel Soares Souza (1587) e Diogo de Campos Moreno (1609 e 1616). As obras de Moreno são ilustradas, sendo o regis‑ tro de 1616 acompanhado por desenhos elabora‑ dos por Luís Teixeira.

FIG. 2 Exemplos da produção da Família Albernaz: registros da região da Capitania de Pernambuco de 1616 e de 1626 respectivamente. Fontes: Moreno, 1616 e Albernaz, 1626.

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Este inaugura o trabalho produzido por uma família de cartógrafos reais que irá se destacar dentre a produção iconográfica portuguesa pela quantidade e expressividade de registro da costa brasileira, a exemplo dos Atlas elaborados por seu filho João Teixeira Albernaz, os quais caracterizam uma categoria de mapas titulada por Jaime Cortesão (1971), como cartografia do açúcar1.

Se os portugueses se destacam no processo de descoberta, exploração e representação militar das terras, uma outra mentalidade motiva os neerlandeses a permearem seus projetos de colonização com a busca de informações minuciosas sobre o território encontrado. No século xvii, além do legado português, conta ‑se com o extraordinário acervo de imagens produzidas pelos holandeses, especial‑ mente durante a presença de Maurício de Nassau no Brasil (1637 ‑1644), o qual se fez acompanhar por uma comitiva constituída por cartógrafos, pintores, naturalistas e cientistas. A atuação de Nassau no Brasil foi minuciosamente narrada por Gaspar Barléus em sua obra História dos feitos recentemente

praticados durante oito anos no Brasil.

Os holandeses registraram as terras nordestinas conquistadas também em forma de textos outros além daquele produzido por Barléus, como os relatórios de Adrian Verdonck (1630) e Adrian Van der Dussen (1639), os quais participaram da comitiva nassoviana ao Brasil e registraram, em forma de listagens e descrições, os rios, as áreas povoadas e outras estruturas edificadas que conformavam a ocupação portuguesa das capitanias, inclusive as construções holandesas essencialmente de caráter militar. (Mello, 1981)

Esse material refere ‑se a uma série de localidades urbanas, mas se concentra no registro da região Nordeste, por obviamente ter sediado o governo colonial português e, no século xvii, o governo holandês, colocando ‑a em situação privilegiada para a realização de estudos baseados em fontes seis‑ centistas, especialmente as iconográficas.

FIG. 3 Registros da Vila de Olinda elaborados por George Marcgrave e Frans Post, respectivamente.

No documento Arqueologia urbana em centros históricos (páginas 196-200)