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AS TRANSFORMAÇÕES DA BAIXA IDADE MÉDIA

No documento Arqueologia urbana em centros históricos (páginas 111-113)

em Mértola (Portugal) Uma perspetiva integrada

CLÁUDIO FIGUEIREDO TORRES, MARIA DE FÁTIMA PALMA, MIGUEL REIMÃO COSTA, SUSANA GÓMEZ MARTÍNEZ, VIRGÍLIO LOPES

1.5. AS TRANSFORMAÇÕES DA BAIXA IDADE MÉDIA

Em muitas das escavações realizadas em Mértola, a estratigrafia é omissa no que diz respeito à Baixa Idade Média, motivo pelo qual ainda não foi possível confirmar se a estrutura viária mudou neste período e, sobretudo, como se produziu a alteração do modelo de casa de pátio islâmica para as tipolo‑ gias que dominam no mundo cristão. O perímetro amuralhado manteve‑se, no essencial, muito seme‑ lhante ao dos períodos anteriores, mas o antemuro introduzido em época almóada foi então aban‑ donado e deixado a uma degradação progressiva. As três grandes exceções ao vazio estratigráfico referido são o Castelo [FIG. 15.1.], a antiga Mesquita [FIG. 15.2.] e a área a noroeste de ambos, geralmente designada de Alcáçova [FIG. 15.3.].

No caso do Castelo [FIG. 15.1.], a Ordem de Santiago realizou fortes modificações após a conquista em 1238 (Gómez & Palma, 2013). A mais importante foi, sem dúvida, a construção da Torre de Menagem cuja lápide fundacional data de 1292. Para as outras modificações não contamos com uma cronologia tão precisa. Em data indetermi‑ nada do século xiv, foi construída a Capela de Santiago sobre a porta de acesso ao Castelo (Boiça & Barros, 2002). Já no século xv terá ocorrido o reforço defensivo da porta falsa, que foi protegida com um balu‑ arte, aproximadamente pentagonal (Boiça & Barros, 2002). Nessa mesma época, a Torre da Carocha, situada na esquina sudoeste da fortificação, teve de ser reforçada por um contraforte escalonado (Boiça & Barros, 2002: 380).

FIG. 15 Mértola na Baixa Idade Média. 1. Castelo. 2. Igreja Matriz. 3. Cemitério Cristão. 4. Biblioteca Municipal

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No interior da Praça de Armas, as escavações permitiram verificar que as estruturas de habitação islâmicas tinham sido destruídas e as canalizações de época almóada tinham sido abandonadas. Sobre elas foram construídas edificações adaptadas às necessidades da Ordem, a maior parte das quais não se conservou, devido a transformações do período moderno. Se considerarmos a informação ofere‑ cida pelos documentos medievais, a nascente, encostadas à muralha, foram erguidas as cavalariças e os dormitórios da guarnição constituídos por duas casas contiguas de dimensões razoáveis. A cozinha parece ter sido implantada no lado sul do terreiro (Boiça & Barros, 2002: 383). As Visitações, especial‑ mente a de 1515, descrevem a Alcaidaria, adossada a uma das faces da Torre de Menagem, erguida na década de oitenta do século xv, em tempos de D. João II (Boiça & Barros, 2002: 583).

No desenho de Duarte de Armas, nada foi assinalado no espaço a norte da Praça de Armas, junto da Torre de Menagem e do pano norte da muralha do Castelo. No entanto, esta zona foi alvo de uma intervenção arqueológica, em 2006, que revelou um compartimento perpendicular à torre de mena‑ gem e paralelo à muralha, pavimentado com uma camada de argamassa muito espessa, sobre a qual encontramos vestígios de três lareiras que parecem indicar uma função do espaço ligada a atividades domésticas, talvez relacionadas com a confecção de alimentos e outros serviços de apoio aos freires (Gómez & Palma, 2013).

Do mesmo modo, também a Mesquita foi sofrendo progressivas transformações com a sua conversão em Igreja Matriz [FIG. 15.2.]. A estrutura manteve ‑se no essencial, mas a sua nova função obrigou a modificações que, pouco a pouco, foram ocultando os elementos distintivos da mesquita e criando novos, que foram sendo registados pelas visitações da ordem de Santiago e documentados, pontualmente, do ponto de vista arqueológico. É este o caso da sacristia contígua à porta almóada em arco de ferradura do muro da qibla. A construção dessa sacristia foi ordenada pelos visitadores da Ordem de Santiago em 1482 (Barros, Boiça & Gabriel, 1996: 43) e já estaria construída em 1509, data provável do Livro das Fortalezas de Duarte de Armas, no qual a sacristia aparece desenhada. Esta sacristia teve, no entanto, um curto período de vida, acabando por ser destruída para assentar, sobre os seus alicerces, o arcobotante que sustenta a cobertura abobadada da igreja construída por volta de 1535.

A conversão da mesquita em templo cristão trouxe uma outra transformação estrutural no espaço envolvente com a implantação do binómio, habitual no mundo medieval cristão, que une igreja e cemitério paroquial. Tanto no interior como em redor do recinto sagrado, foi instalada uma necrópole que as escavações têm vindo a revelar. No adro, a disposição inicial das sepulturas tentou seguir os cânones habituais de orientação Oeste ‑Este, mas as condições adversas da topografia do terreno e a necessidade de aproveitar melhor o espaço levaram à sua reorganização e as sepulturas passam a alinhar ‑se com os muros da igreja.

Na Alcáçova do Castelo, produziu ‑se então uma transformação radical: o espaço dos vivos deu lugar ao espaço dos mortos. O antigo bairro almóada foi abandonado, passando a alojar o cemitério que só saiu desta área da cidade em meados do século xx. É possível que o intuito da Ordem de Santiago

ARQUEOLOGIA URBANA EM MÉRTOLA (PORTUGAL). UMA PERSPETIVA INTEGRADA

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não fosse apenas o de associar o cemitério ao espaço sagrado, mas também o de criar um espaço livre em redor do Castelo, por razões de estratégia militar e conferir um maior destaque simbólico e visibili‑ dade para o seu centro de poder.

O fim da Idade Média foi ainda marcado por uma outra novidade a nível da ocupação do espaço intramuros: a introdução de estruturas artesanais de forte impacto no tecido urbano, como atesta o achado dum forno de produção de cerâmica no sítio da Biblioteca Municipal (Palma & Gómez, 2018,

FIG. 15.4.). Assim, a área periurbana da vila aparece, nesta época, despida de estruturas de carácter habitacional ou produtivo, confinando, dentro das muralhas, todas as atividades urbanas e reservando, inclusivamente, lugar para algumas pequenas hortas.

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