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A REVISÃO DO PDM DE LISBOA DE

No documento Arqueologia urbana em centros históricos (páginas 59-64)

várias centralidades Lisboa: uma cidade,

ANA CAESSA, ANTÓNIO MARQUES, RODRIGO BANHA DA SILVA

3.2. A REVISÃO DO PDM DE LISBOA DE

Apesar da sustentação jurídica (nacional e local) de que actividade arqueológica passou a dispor, tornando ‑se obrigatória em determinados procedimentos urbanísticos, apenas em meados da primeira década de 2000, começou a ter alguma expressão [FIG. 3]. Esta ténue experiência foi contudo bastante útil para a adopção de novas abordagens ao território, no contexto do processo de Revisão do Plano Director Municipal, que se operou entre os anos de 2004 e 2010, tendo os signatários deste artigo sido incumbidos desta tarefa, enquanto funcionários e arqueólogos do antigo Serviço de Arqueologia do Museu da Cidade. Entendeu ‑se então que o Património Arqueológico era um “conjunto de materialidades legadas pelo passado humano, ocultas no subsolo ou integradas no edificado, que constitui um recurso cultural a potenciar” (Caessa et al., 2012).

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As dificuldades antes sentidas com vista à elaboração de uma Carta Arqueológica, no seu sentido mais tradi‑ cional, mantiveram ‑se, acrescendo que por decisão superior, de carácter urba‑ nístico, o actual território geográfico do município passaria integralmente à categoria de “urbano”, suprimindo ‑se a categoria “rural” que ainda subsistia no PDM de 1994. A actual delimitação de “Áreas de Valor Arqueológico” na “Planta de Ordenamento e Qualificação do Espaço Urbano” do novo PDM1, resultou da revisão da anterior “Planta de Condicionantes Arqueológicas”.

Foram consideradas as fragilidades entretanto identificadas durante a vigência da primeira versão do PDM, designadamente a pouca atenção dispensada aos núcleos antigos dispersos, nos quais, apesar de categorizados como Nível 2 (1994), haviam ocorrido muito poucas intervenções arqueológi‑ cas, pese embora o enorme volume de novas edificações realizadas.

A actual versão, feita à luz da legislação nacional então em vigor (nomeadamente a Lei de Bases do Património Arqueológico Subaquático – Lei 64/97 de 27 de Junho; o Regulamento de Trabalhos Arqueológicos – Decreto ‑Lei n.º 270/99 de 15 de Julho; e a Lei de Bases do Património Cultural – Lei 107/2001 de 8 de Setembro) e europeia (concretamente a Convenção Europeia para a Protecção do Património Arqueológico, conhecida por Convenção de Malta e a Convenção Europeia para a Protecção do Património Arqueológico Subaquático, conhecida como Convenção de Paris), foi realizada através da pesquisa em bibliografia, cartografia e iconografia, mas sobretudo da consulta da base de dados do IGESPAR I.P. então disponível, denominada de “Endovélico”, e dos processos de arqueologia arqui‑ vados naquele Instituto (memórias documentais de todas as intervenções arqueológicas realizadas em Lisboa) com especial relevância para os diversos Estudos de Impacte Ambiental, feitos a partir da década de 90 do século xx.

A interpretação das informações recolhidas exigiu alterações significativas na localização, extensão e quantidade de manchas territoriais consideradas como áreas de sensibilidade arqueo‑ lógica. Nalguns casos, poucos, foram eliminadas manchas, contudo, na maioria dos casos verificou‑ ‑se o acréscimo motivado pela descoberta de novos vestígios em áreas anteriormente não abran‑ gidas, assumindo ‑se igualmente, a necessidade de propor uma nova categorização das “Áreas de Valor Arqueológico”, desta vez em três níveis de intervenção que preconizam distintos procedimentos, conforme adiante explicitaremos.

Por outro lado, considerando a incipiente eficácia do anterior PDM na salvaguarda do patrimó‑ nio arqueológico nos antigos núcleos habitacionais dispersos, nalguns casos (Carnide/Luz, Benfica, Ameixoeira, Charneca, Lumiar/Paço do Lumiar e Belém) procedeu ‑se à definição de áreas mais restritas, sujeitas a procedimentos mais apertados, onde a densidade da presença de materialidades primitivas é maior, justificando a sua elevação a uma sensibilidade superior à anteriormente atribuída.

FIG. 3 Actividade Arqueológica em Lisboa (1990 / 2016) 350 300 250 200 150 100 50 0 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 350 300 250 200 150 100 50 0 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016

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Preocupação que foi igualmente estendida aos principais eixos viários de acesso a Lisboa, sobeja‑ mente identificados na documentação histórica.

Pretendia ‑se que esta nova marcação das “Áreas de Valor Arqueológico” funcionasse como um instrumento de planeamento e gestão urbanística, passível, não só de registar para memória futura os vestígios do passado contribuindo para a construção do discurso histórico sobre o território do municí‑ pio de Lisboa, mas também de potenciar a integração das memórias materiais do passado no presente e nas opções futuras da cidade de Lisboa, rentabilizando ‑se o investimento económico que a prática arqueológica implica.

3.2.1. ÁREAS DE VALOR ARQUEOLÓGICO

As “Áreas de Valor Arqueológico” integradas na “Planta de Ordenamento e Qualificação do Espaço Urbano” do PDM de 2012, correspondem a manchas territoriais de sensibilidade arqueológica, onde os vestígios arqueológicos existem consolidadamente, ou existem potencialmente, com um grau de probabilidade variável entre o elevado e o razoável. Consoante o grau de conhecimento da exis‑ tência e da integridade dos vestígios essas áreas foram categorizadas em três níveis de intervenção.

A distribuição das manchas, tal como a sua categorização em níveis, representa um resumo cartográfico do que então se sabia acerca da evolução da ocupação e uso do território do município, ao mesmo tempo que reflecte a importância concedida a alguns arqueossítios elevados à categoria de marcos identitários da história de Lisboa, muito em especial os que foram incluídos nos novos níveis 1 e 2, alguns dos quais já integram roteiros culturais e turísticos da cidade de Lisboa, enquanto relati‑ vamente aos outros, se estudam estratégias e propostas passíveis de os colocar à fruição do grande público, ou em muitos casos de confirmar a sua existência.

As condicionantes a leva r em consideração nestas áreas, encontram ‑se previstas e definidas no Regulamento anexo ao PDM, designadamente no seu artigo 33.º, onde além de se contextualizarem os diferentes níveis, se propõem estratégias de actuação relativamente ao património arqueológico.

3.2.1.1. ÁREAS DE INTERVENÇÃO DE NÍVEL 1

As “Áreas de Intervenção de Nível 1” constituem áreas de valor arqueológico consolidado e correspondem à zona monumentalizada do Castelo de São Jorge, aos Troços das Cercas Medievais de Lisboa, ao espaço ocupado pelas ruínas do Teatro Romano, à zona da Sé Catedral, da Igreja de Santo António e respectivos largos, ao espaço ocupado pelas Termas dos Cássios e pelas ruínas do suposto “Templo de Cíbele”, às Galerias Romanas/Criptopórtico da Rua da Prata e ao Núcleo Arqueológico da Rua dos Correeiros [FIG. 4].

Nestes locais, considerados vitais para a manutenção da memória e identidade de Lisboa, preconiza ‑se a promoção da preservação, consolidação e valorização do uso patrimonial científico e arqueológico e uma estratégia arqueológica prévia a todas as operações urbanísticas que devem ser orientadas para esse desiderato. Todas estas áreas têm potencial para conferir uma valência pública à

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actividade arqueológica e integrar os roteiros de oferta patrimonial da cidade, contribuindo para a sua dinâmica cultural e turística.

3.2.1.2. ÁREAS DE INTERVENÇÃO DE NÍVEL 2

As “Áreas de Intervenção de Nível 2” são as áreas de potencial valor arqueológico elevado. Correspondem a realidades de ocupação do espaço onde a diacronia, a densidade, ou a integridade dos vestígios, de acordo com o estado actual dos conhecimentos, está já identificada ou a probabilidade da sua ocorrência é bastante elevada [FIG. 5].

Nessas áreas, na maioria dos casos, integradas em zonas históricas de uso predominantemente habitacional e terciário, preconiza ‑se uma estratégia de intervenção arqueológica prévia aos projectos e operações urbanísticas que impliquem impactos ao nível do subsolo. Desta forma pretende ‑se que o interventor, ou a entidade gestora do território, tenham a possibilidade de integrar alguma materialidade arqueológica, cuja importância o justifique, perseguindo ‑se por conseguinte, o aumento e valorização da oferta patrimonial da cidade, com a criação de pequenos equipamentos culturais, de carácter muse‑ ológico, mais ou menos dispersos pela cidade, que se transformem em eventuais pólos de atracção, revelando aos munícipes e visitantes, as diferentes fases da ocupação humana deste território.

Destacam ‑se as zonas correspondentes ao núcleo urbano primitivo de Lisboa desde a Antiguidade até aos inícios da Época Moderna, ou seja, toda a área compreendida dentro dos limites da denominada Muralha Fernandina (1371/73), o Bairro da Mouraria, a Encosta de Santana, o Bairro Alto e a frente ribeirinha contígua à Muralha. Nesta área, durante a vigência do PDM de 1994, detectaram ‑se vestígios pré ‑históricos e proto ‑históricos anteriores à própria cidade, sob o Palácio dos Lumiares no Bairro Alto (Valera, 2014) e sob o empreendimento da EPUL no lado ocidental do Largo Martim Moniz na Encosta de Santana (Muralha, Costa e Calado 2002).

Para além da zona do núcleo urbano primitivo da cidade de Lisboa, são também consideradas “Áreas de Intervenção de Nível 2” outros centros históricos, cujas origens conhecidas, na maioria dos casos remontam à Época Medieval e inícios da Época Moderna, períodos em que o território do município não se cingia ao espaço urbano de uma única cidade, mas antes era marcado por vastas áreas rurais de utilização agrícola, polvilhadas por pequenos núcleos de povoamento, quintas, conven‑ tos, casais agrícolas, etc.. É o caso dos centros históricos de Carnide/Luz, Paço do Lumiar, Lumiar, Charneca, Ameixoeira, Belém e Chelas, que se destacam pela antiguidade e possível integridade dos vestígios e que, grosso modo, só recentemente foram integrados na grande mancha urbana da Lisboa contemporânea.

Igualmente integradas em “Áreas de Intervenção de Nível 2”, estão incluídas as zonas corres‑ pondentes a arqueossítios de Época Pré ‑Histórica bem conhecidos então, na sua maioria já interven‑ cionados arqueologicamente e, em princípio, preservados na zona ocidental do território, nomeada‑ mente nas áreas protegidas afectas ao Parque Florestal de Monsanto (designadamente Vila Pouca e Montes Claros), dos Sete Moinhos e na área da Tapada da Ajuda. Os arqueossítios de Época Romana

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localizados sob a chamada “Casa do Governador da Torre de Belém” – uma unidade de produção de preparados piscícolas (Filipe e Fabião 2006/2007) e na Tapada da Ajuda – uma necrópole (Cardoso, Amaro e Batalha 2018), provavelmente pertencente a uma villa romana, foram também considerados neste nível de sensibilidade.

3.2.1.3. ÁREAS DE INTERVENÇÃO DE NÍVEL 3

As “Áreas de Intervenção de Nível 3” são áreas condicionadas de potencial valor arqueológico

[FIG. 6]. Nesta categoria foram contempladas várias realidades distintas de ocupação do território, cuja existência se presume a partir de materialidades existentes (núcleos habitacionais antigos, eixos viários fósseis e interface ribeirinho), da documentação arquivística e cartográfica, por vezes vaga e pouco rigorosa, e em materiais arqueológicos recolhidos, sobretudo durante a primeira metade do século xx (actualmente depositados em diferentes Museus), que lançam suspeitas verosímeis. Em função dessas informações, no âmbito dos procedimentos de salvaguarda arqueológica ora previs‑ tos, pretendia ‑se confirmar e reencontrar estas materialidades do Passado, por forma a tornar a infor‑ mação histórica da cidade mais fundamentada, permitindo um maior rigor na elaboração e revisão dos diferentes instrumentos de gestão territorial em termos futuros.

Nesta categoria preconiza ‑se uma estratégia preferencial de intervenção arqueológica de acompanhamento presencial das operações urbanísticas que tenham impacto no subsolo. Estão contempladas nestas áreas de Nível 3, as zonas de expansão do núcleo histórico urbano de Lisboa, ao longo da Época Moderna, estruturando ‑se habitualmente, ao longo dos antigos eixos viários de penetração e saída da cidade, por vezes de forma dispersa, nas mais diversas direcções.

Foi aliás ao longo desses eixos viários que se foram instalando as manufacturas de época pré ‑industrial e as indústrias de primeira geração, promovendo ‑se, por conseguinte, a preservação pelo registo arqueológico, deste património passível de reconstituir as primeiras fases da história da revolução industrial do município de Lisboa. Integram ainda esta categoria, as áreas de expansão dos outros núcleos históricos dispersos mais antigos que já referimos, ao longo dos seus principais eixos viários de acesso, como a Estrada da Luz, a Estrada de Carnide, a Estrada de Benfica, a Estrada da Ameixoeira ou a Estrada do Lumiar, entre outras.

Integrados nesta grande mancha de sensibilidade arqueológica definida pela Zona Ribeirinha/ Eixos Viários Antigos/Aqueduto da Águas Livres, encontram ‑se igualmente outros núcleos de FIG. 4 Plano Director

Municipal de Lisboa (2012). Área de Intervenção de Nível 1 (Centro Histórico).

FIG. 5 Plano Director Municipal de Lisboa (2012). Área de Intervenção de Nível 2. FIG. 6 Plano Director Municipal de Lisboa (2012). Área de Intervenção de Nível 3.

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povoamento antigos, como Olivais Velho, São Domingos de Benfica, Campolide e Ajuda, e fora desta Telheiras, Palma de Cima e de Baixo que, apesar de ainda possuírem algumas características primitivas, já estão muito diluídas pelo urbanismo contemporâneo que os foi integrando no grande espaço urbano que constitui hoje a cidade de Lisboa.

De igual modo, os espaços onde há notícia de terem estado implantadas estruturas milita‑ res datáveis de Época Moderna (fortes, baluartes, baterias e outros) foram também considerados, procurando ‑se localizar no terreno todos os vestígios da antiga cintura defensiva da cidade. O mesmo sucedeu com os troços do Aqueduto das Águas Livres identificados, uma vez que se trata de um Monumento Nacional (Decreto de 16 ‑06 ‑1910), sendo por conseguinte uma realidade patrimonial com implicações arqueológicas.

Algumas das manchas territoriais assinaladas como “Áreas de Intervenção de Nível 3” corres‑ pondem a zonas onde foram detectados vestígios de grande antiguidade (pré ‑históricos e romanos). É o caso das manchas localizadas na zona ocidental da cidade, localizadas no Alto do Duque, ou na Serra de Monsanto e suas imediações, nos Soeiros, na Ameixoeira, ou no Pinhal da Charneca, que correspon‑ dem a arqueossítios de Época Pré ‑Histórica com localização imprecisa e cuja integridade/existência necessita de ser verificada.

De Época Romana regista ‑se a ocorrência de arqueossítios em localizações cujo uso territorial poderá de algum modo ter protegido os vestígios, pelo menos em parte, como é o caso dos locais conhecidos como Cemitério de São Cornélio (junto ao actual cemitério dos Olivais), Poço de Cortes nos Olivais, o espaço ocupado pelo Palácio Pancas Palha e área limítrofe, Ameixoeira e o espaço contíguo à Avenida da República (arqueossítio de Entrecampos), onde foram detectados vestígios eventualmente relacionados com vilas romanas de exploração agrícola que se sabe terem existido, distribuídas pelo actual concelho de Lisboa e que fariam o abastecimento de víveres à urbe de Olisipo, considerando ‑se o seu papel de escala portuária para o comércio entre o Mediterrâneo e o Atlântico Norte.

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