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Relação afecto-cognição

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3. AFECTIVIDADE E APRENDIZAGEM

3.2. Relação afecto-cognição

A relação entre o afecto e a cognição tem intrigado grandes filósofos desde a Antiguidade e seduziu personalidades de renome como Aristóteles, Santo Agostinho, Descartes, Pascal e Kant.

Surge, no século XVIII, a ideia predominante de que a vida mental do indivíduo se encontra separada em três faculdades que actuam separadamente: emoção, sabedoria e vontade, isto é, afecto, cognição e volição. Christian Wolff esteve entre os primeiros filósofos que distinguiu “a facultas cognoscitia and a facultas appetiva” – knowing and desire” (Hilgard, 1980 cf Forgas, 2000:3). Algumas décadas mais tarde, Mendelssohn (cf Forgas, 2000) introduziu uma classificação das faculdades fundamentais da alma, que consistiam em compreensão, emoção e vontade.

A classificação – afecto, cognição e volição – manteve-se, também no campo da Psicologia até aos dias de hoje. Assumindo esta tendência, os psicólogos estudaram e trataram estas faculdades separadamente.

Em consonância, os paradigmas que se seguiram a esta classificação, ignoraram a correlação entre afecto e cognição e estudaram o afecto, a cognição e a vontade, como faculdades isoladas. Nenhum deu grande relevância ao estudo dos fenómenos afectivos. Segundo Forgas (2000) estamos a falar dos dois grandes paradigmas que dominaram o século XX: behaviorismo e cognitivismo.

De acordo com o autor, os behavioristas consideravam que todos os fenómenos mentais que não se podiam observar, como as emoções e os afectos, não eram importantes.

Consequentemente, as investigações por eles conduzidas, pouco contribuíram para o estudo das funções e consequências do afecto na vida social.

A Psicologia, dominada pelos behavioristas, tendo como principal mentor B. Skinner, que de acordo com Goleman (1999), defendia que apenas o comportamento que se podia observar exteriormente, podia ser cientificamente estudado, pelo que, as emoções e os afectos, colocados na vida interior do indivíduo, ficavam fora da área da ciência.

Os cognitivistas manifestaram, também, pouco interesse pelas questões do afecto e quando estas eram consideradas, o afecto era entendido como uma influência negativa e nefasta para o pensamento.

Com a “revolução cognitiva” a ciência psicológica virou-se para o estudo das maneiras como a mente regista e armazena as informações e para o estudo sobre a natureza da inteligência, estando as emoções excluídas destes fenómenos. Os cognitivistas defendiam que a inteligência envolvia uma análise fria e dura dos factos, esquecendo-se que o cérebro está envolto por um confuso e pulsante conjunto de neuroquímicos que pode influenciar o funcionamento do mesmo. Assim, o modelo cognitivo consubstancia uma visão incompleta da mente, uma vez que não consegue explicar os sentimentos presentes no intelecto. Goleman (1999: 61) refere, ainda, que os cognitivistas

“…tiveram de ignorar a relevância para a criação dos seus modelos da mente, das suas esperanças e medos pessoais – toda essa mistura de sentimentos que dá à vida o seu sabor exacto (bem ou mal) como a informação é processada”.

Esta visão científica distorcida de uma vida emocionalmente plana, esteve na base de toda a investigação sobre a inteligência, durante os últimos oitenta anos. Segundo o autor esta tendência está a alterar-se, na medida em que a Psicologia começou a reconhecer o papel preponderante do sentimento no pensamento.

O conceito de indivíduo e o seu comportamento tem sofrido alterações ao longo dos tempos e é definido de forma distinta pelas correntes de pensamento behaviorista e humanista. Segundo a posição behaviorista, o indivíduo é entendido como um produto dos genes e da aprendizagem que realiza a partir das suas experiências. São os factores genéticos, biológicos e da aprendizagem que definem as atitudes, objectivos, motivações, ideias e comportamentos do indivíduo. Deste modo, cada indivíduo é predeterminado,

cabendo-lhe, apenas, reagir ao seu ambiente interno e exterior, não tendo qualquer tipo de escolha no comportamento. Assim, Ringness (1975) afirma desde muito cedo que cada indivíduo continua a ser único, com base no vasto potencial genético e experimental, no entanto, não somos independentes e não nos auto-orientamos, apenas temos essa ilusão.

Contrariamente à posição dos behavioristas, os humanistas pensam que o indivíduo tem uma palavra a dizer no controlo da sua vida; pode ser espontâneo e conseguir auto- orientar-se, podendo até alterar o seu comportamento se não estiver satisfeito com este. Assim, o indivíduo não tem apenas que reagir perante as situações, mas tem a capacidade de agir, podendo controlar o seu ambiente, em vez de ser controlado por ele. O indivíduo é auto-determinado e interage com o meio, influenciando-se mutuamente. De acordo com Ringness (1975) os humanistas não negam, porém, a influência que a genética tem na aprendizagem, mas defendem que o indivíduo é um ser complexo e auto-dirigido e não apenas a soma das partes.

Na última década do séc. XX, os psicólogos fizeram um esforço para reintegrar o afecto como elemento fundamental da Psicologia. No entanto, surge uma questão controversa neste campo lançada por Forgas (2000:5): “whether affect should be seen as an integral part of the cognitive-representational system ...or should be considered as a separate, and in some ways, primary response system in its own righ.”.

Alguns autores defendem uma visão de sistemas separados, referindo que as reacções afectivas são distintas dos processos cognitivos (Zajonc, 1980 cf Forgas, 2000). Outros autores defendem uma visão mais interaccionista, embora este facto esteja dependente do modo como se define o domínio da cognição. Deste modo, Lazurus (1984 cf Forgas 2000:5) defende que o afecto pode ser considerado “…a primary and separate response system only if cognition is defined as excluding early attentional and interpretational processes that are inevitably involved in stimulus identification before any response is possible”.

Segundo Damásio (1998) na sua obra “O Erro de Descartes”, o erro de Descartes foi precisamente a separação entre o corpo e a mente. Ou seja, Descartes defende que o raciocínio, o juízo moral e o sofrimento provenientes da dor física ou da agitação emocional existem independentemente do corpo, existindo uma separação das

operações mais refinadas da mente e da estrutura e do funcionamento do organismo biológico. Segundo o autor, não parece sensato excluir as emoções e os sentimentos da mente, embora estudos científicos de várias áreas o façam.

A maioria dos modelos contemporâneos afecto-cognição entende o afecto como uma parte singular e integrada no sistema representativo cognitivo, no sentido em que a experiência de uma emoção é a cognição. Outra perspectiva aceite é a de que o afecto, enquanto conceito amplo e inclusivo, agrupa simultaneamente emoções e estados de espírito. Em consequência, segundo Forgas (2000:6) as investigações efectuadas abrem caminho a uma bidireccionalidade na ligação afecto e cognição, em detrimento de uma unidirecionalidade. Assim, “is much evidence for affect influencing attention, memory, thinking, associations and judgments ... equally, however, cognitive processes are integral to the elicitation of affective states”.

No decorrer das investigações que estudam a relação afecto e cognição, torna-se evidente que o afecto pode influenciar o processo de cognição, ou seja, o modo de pensar dos indivíduos. Igualmente, e segundo Forgas (2000) os estados afectivos negativos e positivos têm consequências na cognição social, assim como o contrário, também, é importante, ou seja, os processos cognitivos e as regras emocionalmente produzidas estão implicados no modo como os indivíduos compreendem e constroem as situações e na natureza do resultado das suas reacções afectivas.

Segundo Forgas (2000), mais tarde, investigadores como Bruner (1957) e Neisser (1982) admitiram que o pensamento também envolve sentimentos, desejos e emoções. Posteriormente, as investigações de Oatley & Jenkins (1992, 1996 cf Forgas, 2000) sobre a interacção entre o afecto e a cognição vêm confirmar que as faculdades mentais não actuam isoladas. Também Damásio (1998), nas suas investigações, vem defender que certos aspectos da emoção e do sentimento são imprescindíveis para a racionalidade, ajudando o indivíduo na tarefa de fazer previsões e no planeamento das acções para o futuro.

Entre as mais importantes aplicações da Psicologia à Educação está “The confluent education movement”, a partir do qual os teóricos Brown e Gloria Castillo, apontaram a necessidade de juntar o domínio cognitivo e afectivo, para que se pudesse trabalhar a educação do indivíduo como um todo. Deste modo, Arnold & Brown (1999:5) referem que

os métodos surgidos a partir dos anos setenta (Sugestopedia, Silent Way, Community Language Learning, Total Physical Response) têm em consideração o lado afectivo da aprendizagem da língua.

Arnold & Brown (1999:8) afirmam que Hilgard, especialista em aprendizagem e cognição, enfatiza a necessidade de uma abordagem integrada afectividade-cognição. Também, Cross (1992 cf Arnold & Brown, 1999) defende a ideia de uma aprendizagem de todo o cérebro e reconhece o contributo dos afectos para essa aprendizagem: “It is now apparent that learning can be enlivened and strengthened by activating more of the brain’s potential. We can accelerate and enrich our learning, by engaging the senses, emotions, imagination”.

A relação entre o afecto e os aspectos cognitivos é, hoje, um facto e a sua importância no processo de ensino-aprendizagem, também. Deste modo, procuraremos perceber o contributo da afectividade neste processo, no próximo ponto deste capítulo.