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A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL E O ENFRENTAMENTO À QUESTÃO SOCIAL NO BRASIL

2. CRISE DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO E SEUS REBATIMENTOS NO CONTROLE DEMOCRÁTICO BRASILEIRO

2.3. A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL E O ENFRENTAMENTO À QUESTÃO SOCIAL NO BRASIL

Para se apreender a relação existente entre o Estado e a sociedade civil no âmbito da ideologia neoliberal, faz-se necessário mencionar algumas concepções acerca das temáticas - Estado e sociedade civil. Para tanto, serão recuperados, sumariamente, os pensamentos de autores consagrados como Hobbes, Locke, Marx e Gramsci9, para, a partir desse debate clássico, analisar a apropriação semântica e política que, na contemporaneidade, o capital faz do termo sociedade civil.

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Para um aprofundamento acerca do debate clássico do Estado e sociedade civil nesses autores, ver Duriguetto, Maria Lucia. Sociedade civil e democracia. São paulo: Cortez, 2007; como também, o artigo de Amaral, Ângela Santana do. A categoria sociedade civil na tradição liberal e marxista, in: o mito da

Assim, segundo Amaral (2010), o Estado, para Hobbes, corresponde à instância política responsável pela normatização da vida em sociedade. O Estado entraria em cena a partir do momento em que os indivíduos, agindo de forma arbitrária, pela vaidade, amor próprio e pela necessidade de se sobrepor ao outro, perderiam o comando de suas ações, gerando um quadro de desordem. Diante disso, o Estado seria a instância fundamental capaz de intervir nesses conflitos, assegurando, então, a paz entre os homens.

Por sua vez, os homens em sociedade, naturalmente, consentiriam, ao Estado, o poder de estabelecer leis para a regulação das relações sociais, obedecendo-as, a fim de se superar as situações conflituosas. Portanto, a soberania atribuída ao Estado dá- se pelo consentimento de cada um.

De acordo com o pensamento de Locke, a emergência do Estado vincula-se com as relações sociais permeadas pela dinâmica do mercado, em que o Estado atua de forma complementar a este, administrando os conflitos individuais e garantindo o direito à liberdade privada. Para Locke, a sociedade aciona a intervenção do Estado no sentido de “garantir o processo de produção e reprodução de mercadorias, aí incluídos a proteção do mercado dos seus efeitos autodestrutivos, a preservação da propriedade etc.” (AMARAL, 2010, p. 70).

A partir dos pensamentos dos dois autores supracitados tem-se a concepção liberal da relação Estado-sociedade, em que o Estado é tido, somente, como protetor dos direitos privados; com isso, a centralidade da constituição de sociabilidade encontra-se no indivíduo e o Estado aparece como necessário mediador das relações sociais. Essas perspectivas são retomadas na contemporaneidade sob a retórica neoliberal.

De outro ponto de vista radicalmente diverso, na perspectiva marxista, o Estado é, na verdade, uma relação social, gestada pela sociedade classista e que tem como objetivo manter a sociedade regida pela ideologia dominante, que é manter a exploração e alienação da humanidade.

assistência social: ensaios sobre Estado, Política e Sociedade. Mota (org.)-4ª edª, São Paulo: Cortez, 2010.

Dessa forma, a sociedade civil, para Marx, “é o conjunto das relações materiais dos indivíduos no interior de um determinado estágio de desenvolvimento das forças produtivas” (SIMIONATO, 2004, p. 68) e se apresenta como uma estrutura sobre a qual se articula uma superestrutura, da qual é parte o Estado, portanto, este seria uma expressão da sociedade civil e essa relação deve ser considerada como uma totalidade complexa e em constante interlocução.

De acordo com Tonet (1989), Marx analisa a sociedade civil na sua forma moderna, a qual corresponde à sociedade burguesa e a sua natureza baseia-se na propriedade privada, sendo permeada por conflitos entre o capital e o trabalho. Tal natureza consistia na guerra de interesse entre indivíduos, orientados pelo individualismo, e o Estado surge dessa mesma natureza contraditória, cuja função primordial seria a de solucionar essa contradição, ou melhor, mantê-la de forma a atender aos interesses da classe dominante.

Remetendo-se ao pensamento gramsciano, não existe distinção entre Estado e sociedade civil, o que se tem é uma relação dialética entre ambas, ou seja, o conceito de Estado Ampliado que abrange a sociedade política (instituições jurídicas, penais, militares, etc.) e a sociedade civil (escolas, igrejas, sindicatos, etc). Nesta existe, segundo Correia (2004, p. 165), “um terreno de disputa de projetos de classes diferentes em busca da hegemonia. Neste espaço se trava a luta de classes, podendo- se construir a hegemonia das classes subalternas [...]”.

Segundo a concepção Gramsciana, o Estado, dependendo da correlação de forças existentes, pode representar as classes subalternas, até mesmo no sentido de garantir sua legitimidade perante a sociedade. Embora o Estado se constitua de condições a promover a unificação e o domínio da classe dominante, atentando para o fato de que esta predomine nas relações de produção, essas concepções não são suficientes para justificar a atuação concreta do Estado (SIMIONATO, 2004).

Em Gramsci, o Estado intervém de forma coercitiva, enquanto a sociedade civil, parte constituinte do Estado, não pensa na coerção, mas, sim, na forma de como atingir o consentimento dos sujeitos. Nesse segmento, inserem-se as instituições como escolas, igrejas, sindicatos, que são permeadas pela direção da classe dominante, mas que pode ser contestada, para se ter a hegemonia da classe dominada.

Portanto, entende-se que a sociedade civil apresenta projetos societários de interesses distintos e antagônicos, contradições classistas, o que torna possível as contestações e a busca da superação da ordem estabelecida. Na contemporaneidade a noção de sociedade civil tem se alterado de forma que a tendência tem sido entendê-la como espaço indiferenciado de projetos e propostas políticas.

A expressão sociedade civil, nas últimas décadas, vem sendo bastante discutida nos debates acadêmicos e políticos sob distintas concepções, dentre estas, pensa-se em sociedade civil como esfera que mantém relação harmoniosa com o Estado e o mercado. É utilizada como estratégia para promover a desresponsabilização do Estado no âmbito das políticas sociais; também se atribui a ela a possibilidade da construção de um Estado democrático e de direito.

De acordo com Duriguetto (2005), a participação da sociedade civil no exercício do controle social nas políticas sociais pode estar direcionada por distintas visões, ou seja, uma que defende o processo de privatização dos serviços públicos e outra que exige do Estado a primazia da sua responsabilidade na implementação das políticas sociais.

A concepção aqui defendida acerca da sociedade civil está centrada no pensamento gramsciano que a considera como espaço de disputa por distintos projetos societários, e que se contrapõe a visões apolíticas e anticlassistas. É nesse sentido, que se busca discutir a noção de sociedade civil e sua relação com o Estado na sociedade brasileira diante da trajetória sócio-política da conjuntura nacional, a partir dos anos 1970.

Remetendo-se a essa relação no Estado Moderno, Montaño (2005) afirma que o Estado é uma sociedade regida pelo capitalismo e participa, então, da lógica do capital. Esse Estado, entre os anos de 1960 a 1970, para legitimar e desenvolver o sistema capitalista, incorpora a lógica de um Estado democrático com algumas respostas à classe trabalhadora, como direitos trabalhistas e a ampliação de forma significativa da cidadania e da democracia10.

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Vale ressaltar que essa lógica democrática representa ameaça ao capital, na medida em que se ampliam os direitos sociais, políticos e civis, ou seja, não há compatibilidade entre gestão democrática, cidadã e o capitalismo.

Com a crise desse Estado democrático, no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, surge, como forma de superar essa crise, um Estado respaldado na lógica da concorrência: o Estado neoliberal, caracterizado como mínimo para o social e máximo para a economia capitalista.

Remetendo-se ao Estado capitalista brasileiro e sua relação com a sociedade civil, tem-se uma visão equivocada de que, na década de 1960-70, a sociedade civil era tida como frágil, porém, o que existia era uma sociedade civil reprimida, que encontrava enormes dificuldades para organizar-se autonomamente e, quando de algum modo isto era possível, a sociedade política, nos termos de Gramsci, acionava seus instrumentos repressivos e o Estado a serviço dos dominantes entrava em cena, pois este Estado conformado pelo regime de 1964 correspondeu e respondeu aos interesses do grande capital.

De acordo com Netto (2004), com o período da transição democrática, o Estado e a sociedade civil se reconfiguram, não na dimensão do fortalecimento da sociedade civil, mas no fortalecimento de agências e formas de intervenção, na sociedade civil, das classes subalternas, especialmente da classe operária que encontrou formas de veiculação viáveis, universalizantes e até criou espaços, como foi o caso do Partido dos Trabalhadores (PT) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT).

Nesse período de mobilização popular, a sociedade civil estava caracterizada como espaço predominante dos interesses populares, em oposição ao Estado strito sensu, definindo o espaço “civil” como antiditatorial e como espaço dos movimentos sociais na luta pela democracia, objetivando seu fortalecimento para diminuir e superar o Estado ditatorial.

Com esse processo de abertura política, o Estado sofreu muitas alterações, embora tenha continuado com a estrutura construída pela ditadura. Com a consequência dos processos democratizantes, que fomentaram a Constituição de 1988, o Estado brasileiro seria palco de transformações determinadas pela mobilização social em evidência, caminhando para a redemocratização.

Contudo, o que se identifica, conforme afirma Netto (2004), é que houve um bloqueio para a viabilização da reforma democrática do Estado, devido a procedimentos do grande capital e seus representantes. Tal afirmativa tem sua confirmação com a

eleição de Fernando Collor de Melo que preparou as bases para a implantação do Neoliberalismo no Brasil. Nesse contexto, tem-se um Estado que sinaliza a minimização de sua intervenção na área social.

Com essa conjuntura político-econômica, o grande capital e as classes dominantes têm jogado, com êxito, todo o seu peso na sociedade civil brasileira, desconfigurando a ideia da articulação entre democracia direta e a democracia representativa11. Portanto, não se podem substituir as responsabilidades sociais do Estado pela ação da sociedade civil, no sentido de torná-la responsável no provimento dos serviços sociais e políticas sociais.

Sobre essa transferência de responsabilidade estatal para a sociedade civil, Montaño (2005, p. 260) afirma que:

[...] há uma localização e uma trivialização da ‘questão social’ e uma auto-responsabilização dos sujeitos (individuais ou coletivos) portadores de carência pelas respostas as suas necessidades, podemos afirmar que esta função social – a resposta às seqüelas da ‘questão social’ - , ao sair paulatinamente da responsabilidade estatal e da ética do direito universal, passa para a cotidianidade individual dos sujeitos na esfera da sociedade civil.

É nesse contexto que entra em cena o chamado “terceiro setor” como forma de atender às demandas sociais, através de suas instituições sem fins lucrativos, como associações comunitárias, entidades assistenciais e filantrópicas, fundações e institutos empresariais e as organizações não governamentais (ONG’s).

Contudo, tal conceito é estudado por uma corrente de intelectuais partindo da fragmentação da totalidade social, ou seja, o Estado corresponderia ao “primeiro setor”, o mercado ao “segundo setor” e a sociedade civil como “terceiro setor”, tendo, como consequência, o esvaziamento da história na análise da realidade social, remetendo o “político” ao âmbito estatal, o “econômico” ao mercado e o “social” apenas à sociedade civil (MONTAÑO, 2005).

A origem do terceiro setor tem como pressuposto a ideia de que tanto o Estado como o Mercado não apresentam condições para responder às demandas sociais,

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aquele por estar em crise e este por objetivar o lucro, restando, à sociedade, a responsabilidade da articulação entre os dois setores. Daí a ideia do público, porém privado. Diante disso, identifica-se o incentivo estatal ao terceiro setor, conforme disposto na Legislação Federal:

 A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 150, inciso VI, alínea “c”, estabelece a isenção de impostos sobre o patrimônio, renda ou serviço às instituições de educação e assistência social, sem fins lucrativos. O Decreto nº 91.030, de 5 de março de 1985, regula essas isenções fiscais, beneficiando entidades sem fins lucrativos que promovam atividades com fins culturais, científicos e assistenciais ( cf. 1988 );

 A Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998, altera os dispositivos anteriores para isenção de contribuição à seguridade social, dirigidos a entidades filantrópicas. O Decreto nº 2.536, de 6 de abril de 1998, dispõe sobre a concessão do certificado de entidade de fins filantrópicos, alterado posteriormente pelo Decreto nº 3.504, de 13 de junho de 2000 (cf. 1988).

O “Terceiro Setor”, como uma estratégia do capital, vem desenvolvendo, através de suas instituições, políticas públicas, as quais acabam chegando àqueles que estavam alijados dos serviços sociais prestados pelo Estado, disseminando uma ideologia de que a sociedade civil deve fazer o que o Estado não está cumprindo.

Na verdade, o que se tem é a desconsideração de um Estado democrático e de direito. Além de destituir a noção dos interesses de classes, compreende-se a sociedade civil como um espaço homogêneo, esvaziado de distintos projetos societários, permanecendo os ideais de solidariedade e colaboração entre os indivíduos em cooperação com a iniciativa estatal. Com base nessa afirmação, Montaño reflete que:

[...] O Estado descentraliza, repassa recursos (via parceria) ao setor privado, facilita legalmente a atividade das organizações da sociedade civil de interesse público, e estas se mobilizam atuando na gerência ou gestão (controlada) das respostas às necessidades sociais pontuais e localizadas (2005, p. 277).

O Terceiro Setor funciona como estratégia neoliberal a serviço da disseminação da filantropia empresarial, que alimenta sua lucratividade por meio das ações de responsabilidade social, em busca de incentivos fiscais - e como forma de desestruturar e desarticular a sociedade civil via um discurso solidário -, para que esta sirva de instrumento ao capital na perspectiva da reestruturação capitalista.

A atuação dessa esfera no social contribui para que o processo de desestruturação da seguridade social seja justificado e legitimado e para que se torne crescente a desresponsabilização do Estado em relação às demandas sociais; isenta o capital do co-financiamento para as respostas à questão social através de políticas sociais implementadas pelo Estado; contribui, também, para a despolitização dos interesses de classe e pulverização do discurso da parceria com o Estado, impedindo a luta contra a reforma estatal, como também para a auto-responsabilização da sociedade no trato às expressões da questão social (MONTAÑO, 2005).

Dessa forma, essas novas respostas oferecidas pelo “terceiro setor”, bem como o atendimento pontual das demandas sociais por meio das políticas compensatórias, camuflam os verdadeiros fenômenos e seus determinantes, isentando-os de questionamentos, tais como: os conflitos capital-trabalho; desaparecimento dos princípios democráticos; perspectiva da superação da ordem social; precarização do mundo do trabalho, entre outros.

A relação Estado/sociedade civil tende a ser posta como um meio de mudar a orientação das lutas sociais, pois, se estas têm a visão de lutar contra a reforma do Estado, nesta conjuntura atual, a ideia é formar parcerias Estado-sociedade civil – mercado, com o objetivo de manter e não questionar a ordem estabelecida. Essas mudanças no âmbito do Estado e da Sociedade Civil, segundo Dagnino:

[...] se expressam em novas relações entre eles: o antagonismo, o confronto e a oposição declarados que caracterizavam essas relações no período da resistência contra a ditadura perdem um espaço relativo e substancial para uma postura de negociação que aposta na possibilidade de uma atuação conjunta, expressa paradigmaticamente na bandeira da ‘ participação da sociedade civil’ [...] ( 2002, p. 13 ).

Desta forma, as lutas de classes travadas no seio da sociedade civil são convertidas em “atividades de ajuda mútua em parceria com o Estado e o empresariado” (MONTAÑO, 2005, p.236), tendo, como consequências, uma população responsável em atender aquelas necessidades sociais não respondidas pelo Estado, ficando, este, nas mãos dos neoliberais; esse fato acentua as correlações de força presentes na sociedade capitalista.

Como argumenta Montaño (2005), a sociedade civil deve mobilizar-se efetivamente na luta por direitos e ter, como orientação, as contradições de classes, obrigando o Estado e o Mercado a responder às demandas que lhe são postas, ou seja, devem ir de encontro ao ideário neoliberal, que possui, como um dos seus objetivos, a separação das esferas sociais, colocando a sociedade civil como uma esfera fragmentada que deve arcar com o social, perdendo, assim, a visão de totalidade social.

Na visão dos autores do terceiro setor, as lutas sociais não são visualizadas como elementos para a construção da democratização, por entender que esse processo é produto de pactos consensuais, parcerias, diálogos; assim, o que pode resultar, é uma democracia compatível com o capitalismo (MONTAÑO, 2005).

Assim, a direção de democracia apontada pelo discurso do terceiro setor reflete a negociação, parceria e acordo entre as classes, diferentemente do processo histórico, ou seja, das lutas, confrontos, ganhos avanços e conquistas das classes subalternas, em busca de um novo modelo de sociabilidade fundada na igualdade real e na superação do capital.

É nesse cenário de reconfigurações da relação entre Estado e sociedade que se identifica a importância do entendimento teórico e político da noção de sociedade civil, na perspectiva de que as análises e estratégias políticas do segmento do trabalho não redundem no reforço ideológico da lógica do grande capital, com ênfase na desresponsabilização do Estado, mas se efetivem na direção da afirmação da participação popular no desvendamento da sociabilidade capitalista, das suas estratégias de dominação e no controle das políticas públicas.

Na perspectiva dos movimentos sociais em sua relação com o Estado, identifica- se uma mudança na direção de suas reivindicações, pois, se entre as décadas de 1970

e 1980, as manifestações populares associadas a uma organização não governamental (ONG) caminhavam num movimento contrário ao Estado, os movimentos sociais lutavam contra mecanismos de opressão e exploração e as ONG’s serviam como articuladoras dos movimentos, como também contribuíam para sua organização.

No entanto, a partir da década de 1990, os movimentos sociais começam a se organizar em outros formatos de lutas, ou seja, das lutas por um conjunto de direitos (sociais, políticos, civis e econômicos), de enfrentamento ao Estado - deixam lugar a um “terceiro setor”, que desenvolve uma parceria com o Estado (Montaño, 2005). As ONG’s passam a sinalizar uma aproximação parceira com o Estado e a intermediar a relação dos movimentos sociais com a esfera estatal.

De acordo com o pensamento de Petras apud Montaño (2005) sobre o terceiro setor, particularizando as ONG’s, na mesma proporção em que aumentam os movimentos sociais contra a hegemonia do capital, as agências financeiras (Banco Mundial, FMI, etc.) investem pesadamente nas ONG’s, contribuindo para que essas organizações atuem de forma significativa no trato à questão social.

Diante desse repasse de recursos às ONG’s, estas passam a ter mais credibilidade do que os movimentos sociais frente à sociedade, e possui um gerenciamento que, supostamente, lhes dá um caráter de eficiência, numa realidade que postula que as posições sociais dos indivíduos na sociedade devem ser resultado do mérito de cada um, ou seja, das suas realizações individuais, tal caráter torna-se o diferencial frente aos movimentos sociais que se destaca pela ação política.

Portanto, as ONG’s passam a assumir a representação dos movimentos sociais, e como frente à conjuntura sócio-histórica, a tendência é a perda da autonomia das ONG´s frente ao Estado, configurando-se um conjunto de problemas que necessita no seu enfrentamento, da articulação autônoma dos movimentos sociais e demais sujeitos coletivos.

Acentua-se a presença de ONG’s que tendem à incorporação da lógica da parceria com o Estado, fazendo a “mediação” dos movimentos sociais com a esfera estatal. Conforme afirma Montaño, “[...] a chamada ‘parceria’ não é outra coisa senão o repasse de verbas e fundos públicos no âmbito do Estado para instâncias privadas, substituindo o movimento social pela ONG” (2005, p.146).

Dessa forma, o Estado torna-se um facilitador no sentido de promover bases para as atividades do chamado terceiro setor, contribuindo, assim, para o seu fortalecimento. Para tanto, além do repasse de recursos, são criadas leis que viabilizam a atuação desse setor, conforme a Lei nº 9790 do Terceiro Setor, de março de 1999 que afirma:

Art.9º - Fica instituído o Termo de Parceria, assim considerado o instrumento passível de ser firmado entre o Poder Público e as entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público destinado à formação de vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas no art. 3º desta Lei.

A partir dessa análise, apreende-se a despolitização das organizações e movimentos populares e o retrocesso democrático, fato instrumentalizado pelo capital para trazer para seu projeto os sujeitos coletivos que foram, historicamente, opositores. E além e ademais disso, trata-se de cooptar os segmentos do trabalho e tratá-los como “parceiros”, mas que na realidade são antagônicos ao capital.

Existem organizações não governamentais que em suas gestões possuem um trabalho comprometido com os interesses das classes subalternas, porém, o que é preciso enfatizar e refletir é a sua função social neste momento contemporâneo e o seu