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RELAÇÃO PORTO-CIDADE NO BRASIL

O processo de formação do território urbano e suas dinâmicas sociais, econômicas e de uso do solo têm caráter específico quando se analisam as cidades portuárias. Nesses locais, o porto e a cidade constituem dois sistemas cujas interações e complementaridades variam no tempo sob influência dos avanços da produtividade, da tecnologia, do urbanismo e da sociedade. Por isso, tanto as mudanças nas atividades e infraestruturas portuárias implicam em novos posicionamentos frente ao espaço urbano quanto o desenvolvimento e o crescimento destes também levam a uma nova postura da cidade em relação à presença do porto (MONIÉ; VASCONCELOS, 2012).

Dessa forma, o estudo da interação entre o porto e a cidade tem por objetivo analisar de que forma as áreas portuárias e urbanas se relacionam historicamente, e quais variáveis territoriais, econômicas e sociais estão envolvidas nessa interação. Dentre as análises, constam os impactos causados mutuamente, bem como as tendências das dinâmicas inerentes ao desenvolvimento de ambos, considerando seus valores econômicos, históricos, culturais e coletivos, sob a ótica dos usos da terra e da água ao longo das orlas e nas áreas de influência dos portos em solo terrestre.

RELAÇÃO PORTO-CIDADE NO BRASIL

Para que se analise a relação atual entre o porto e a cidade é imprescindível considerar a herança do vínculo histórico entre a civilização e seu desenvolvimento com o sistema de transporte marítimo e o incremento da estrutura dos portos no tecido urbano ao longo do tempo. Em linhas gerais, o que se depreende é a existência de um processo de desenvolvimento contínuo dessas regiões, baseado em ciclos de impulsos de renovação tecnológica, alavancados pelos direcionamentos econômicos globais. Tais alterações impactaram diretamente na logística dos portos e no planejamento urbano das cidades, configurando alterações históricas nos espaços de interface entre o porto e a cidade (MENDES; ROMANEL; FREITAS, 2016).

A partir dessa ótica é possível definir quatro períodos de evolução da relação porto-cidade que correspondem a diferentes diretrizes de desenvolvimento econômico e tecnológico dos portos, em associação a mudanças de gestão e planejamento das cidades, os quais são exemplificados no contexto brasileiro e indicados na Figura 78.

O primeiro período concerne ao período colonial, em que o transporte marítimo de cargas acabou por criar uma rede econômica na qual as colônias iniciaram o processo de criação dos portos em decorrência das suas relações comerciais com os países colonizadores (MONIÉ; VIDAL, 2006). O porto, por vezes, configurava uma estrutura mais desenvolvida em termos de atividades econômicas e infraestruturas do que as ocupações urbanas nas quais se encontrava – atuando como um indutor do processo de povoamento – e uma condicionante das futuras cidades. Economicamente, as cidades portuárias desempenhavam função fundamental no processo de conquista, como meio de controle e defesa dos territórios, porta de entrada de bens e canal de saída de riquezas encontradas no sítio nacional. Dessa forma, cidades como Rio de Janeiro e Salvador ganhavam caráter central em relação ao território colonial, recebendo maiores investimentos e, consequentemente, apresentando um desenvolvimento urbano superior ao das demais.

Após a consolidação da Revolução Industrial no século 19, as cidades portuárias, até então marcadas pelo caráter de centro de mercado e pela sua vitalidade, encararam um processo de diferenciação entre a função da zona portuária e do núcleo geracional das dinâmicas do meio urbano. Observa-se que a influência dos novos direcionamentos econômicos, que surgem com o capitalismo industrial entre os séculos 19 e 20, exigiu adaptações nas estruturas dos portos, como a construção de grandes armazéns e vias férreas, que se tornaram incompatíveis com as funções e as formas urbanas por eles geradas no período das grandes navegações (MONIÉ; VIDAL, 2006). Da mesma forma, o período das renovações urbanas alavancadas pelo movimento chamado Planejamento Urbano Higienista estabeleceu para o desenvolvimento urbano diretrizes que afastavam cada vez mais as cidades das áreas portuárias, interpretadas como locais de chegada das grandes epidemias. Assim, ocorreu o início do processo que culminou no enfraquecimento da integração entre porto e cidade, como no exemplo da configuração da área portuária do Valongo, em Santos.

Período colonial Formação e fortalecimento das cidades a partir do

Porto

SÉCULO 16, 17 E 18 SÉCULO 19 SÉCULO 20 SÉCULO 21

Período da Revolução Industrial Desconexão entre as áreas portuárias e urbanas Período da abertura econômica Desenvolvimento isolado do porto quanto

ao núcleo urbano Período da Revolução Técnico-científico- informacional Revitalizações de frentes marítimas e retomada da integração entre o porto e

a cidade

LEGENDA

Cidade Conexão/Relação

Porto

Metrópole Revitalização

Figura 78 – Evolução da relação porto-cidade no Brasil

No século 20, com as adaptações aos direcionamentos macroeconômicos e a abertura econômica, o Brasil sofreu impacto direto da adoção do sistema de contêineres como meio de transporte e armazenamento de cargas em esfera global. São características desse período a implantação de portos em locais afastados dos centros urbanos e a expansão de áreas de ocupação de portos já existentes para territórios periféricos à urbanização. A partir desse momento histórico, no Brasil, as estruturas portuárias e urbanas ganharam autonomia em suas relações, muitas vezes traduzidas na distância física de suas estruturas, devido ao aumento da escala de produção (ZANETTI, 2005). Como exemplos expressivos desse período, encontram-se o Porto de Pecém e o Complexo Portuário de Suape.

Em seguida, a transição entre os séculos 20 e 21 foi marcada pela reestruturação econômica mundial, proporcionada pela revolução técnico-científico-informacional. Nesse período, no âmbito da gestão urbana, surgiram discussões e implantações de planos estratégicos, voltados às operações econômicas que definem áreas de interesse de mercado na cidade e que possibilitam reestruturações territoriais com foco em investimentos de capital privado (MONIÉ; SILVA, 2015). A configuração de áreas portuárias ociosas decorrentes do distanciamento das áreas produtivas e de armazenamento de seus locais de origem reforça a possibilidade de transformação do porto em instrumento a serviço do desenvolvimento local, estabelecendo assim uma maior proximidade na relação porto-cidade (IVINS, 2013). O esforço do planejamento estratégico na gestão urbana está voltado também para a criação e a implantação de projetos de remodelação das frentes marítimas, por conta de sua localização privilegiada, muitas vezes relacionada aos centros históricos e a paisagens turísticas, e pelo potencial econômico a elas atribuído, relacionado majoritariamente ao setor turístico e comercial (MONIÉ; SILVA, 2015). Tais experiências exploram o caráter integrador e de fomento à ocupação urbana de áreas antes degradadas, mantendo as áreas de movimentação portuária relevantes para a economia, a exemplo do projeto Estação Docas em Belém e do Porto Maravilha no Rio de Janeiro.