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5 ANÁLISE DO PROCESSO

5.2 FASE 2 UM MOVIMENTO QUE SE APROXIMOU DE UMA CATEGORIZAÇÃO

5.2.1 Relacionando dados na pesquisa

Utilizamos o texto de Frota e Borges (2004), que versa sobre Perfis de entendimentos sobre o uso de tecnologias na Educação Matemática, para nos auxiliar no processo de categorização de alguns dados nesta etapa da pesquisa. Dessa forma, tomamos como categorias para análise de nossos dados, a ideia de:

Consumir Tecnologias

Em nossas leituras e pesquisa, observamos que a ideia de Consumir tecnologias é utilizada por muitas pessoas e também por professores no ambiente escolar. Isso é evidente, pois professores utilizam a tecnologia como um recurso didático que automatiza tarefas para o ensino. Dessa forma, realizam atividades ou exercícios com as tecnologias, que poderiam ser realizados sem as mesmas. Percebemos esse fato no depoimento do licenciando Mário.

Em 2008/09, o Colégio BLOG, ele fez uma propaganda para se expandir o nome dele, que ele tinha uma sala que tinha uns recursos tecnológicos, quadro touchscreen e alguns outros recursos que ele tinha aquele quadro [...]. Só que eu já tinha assistido a uma aula daquela, né, bolsão e tal. Não tinha nada de diferente na aula, apenas aqueles efeitos visuais, tipo assim que [...], você puxa a mesma coisa do PowerPoint, que segue aquele efeito, mas era o mesmo conteúdo, o professor falando a mesma coisa, a única coisa que acontece é que na época era giz né, por exemplo, giz e era quadro negro. Todo mundo com o dedo sujo e aquele cara [o professor] já não tinha o dedo sujo mais (LICENCIANDO MÁRIO, AULA EM 16/10/2015, grifo nosso).

Ao falar sobre essa situação, o licenciando evidenciou como as tecnologias foram utilizadas somente como um recurso didático e que o referido professor não planejou uma metodologia apropriada para esse uso, consumindo a tecnologia somente para automatizar uma tarefa. Revisitamos Borba, Silva e Gadanidis (2014), que apontam que, mesmo com tantas referências ao uso das tecnologias digitais, seu uso isolado não é suficiente para se resolver os problemas do ensino e da aprendizagem. O professor precisa adequar suas metodologias às tecnologias que serão usadas com fins educativos em sala de aula.

Salientamos ainda que a concepção de Consumir tecnologias está enraigada em nossa cultura educativa. A partir do momento em que excelentes professores declaram que primeiro precisam ensinar o conteúdo matemático, e somente depois entendem que os estudantes devem utilizar a tecnologia para potencializar o estudo desse conteúdo, estão dicotomizando, assim, o processo de ensinar com tecnologias. Na roda de conversa sobre dispositivos móveis, um dos licenciandos afirmou que:

[...] tiro por mim que trabalho na educação profissional. Lá, a gente tem curso de Eletrotécnica e Técnico de Projetos. Eu particularmente, quando vou dar a disciplina de Projetos I, não vou logo pro AutoCAD, eu faço... peço na verdade pro menino fazer o projeto em folha, para ele desenhar, fazer a planta baixa, a simbologia, fazer os cálculos. Essa fundamentação ele tem que ter, porque lá no AutoCAD, ele vai jogar as informações e ele [AutoCAD] vai dar todos os cálculos, vai dar o dimensionamento, vai dar as espessuras. Mas, se ele não teve essa base, é difícil, eu acho que queima etapa no processo de ensino e aprendizagem (LICENCIANDO JEFERSON, AULA EM 16/10/2015).

Em consonância com as ideias de Jeferson, outra licencianda declarou que:

[...] Meu trabalho foi sobre isso, que fala sobre o cálculo de juros usando o Excel, e eu justamente tinha dificuldade no meu trabalho, que eu tive que ensinar o Excel primeiro, no caso nem era Excel era o BrOffice, pra depois ensinar a trabalhar cálculo, juros, demora, né, e depois criou um obstáculo epistemológico porque o aluno acha que não vai aprender por causa disso (LICENCIANDA JULIANA, AULA EM 16/10/2015, grifo nosso).

Esses depoimentos evidenciam que os licenciandos tiveram realmente dificuldade de usar a tecnologia para ensinar a Matemática ou outro assunto, ou seja, ambos demonstraram nitidamente que primeiro ensinaram o conteúdo matemático, e somente depois o uso da tecnologia para tentar resolver os problemas envolvendo os referidos conteúdos. Nesse contexto de Consumir tecnologia, torna-se difícil pensar o uso da tecnologia para ensinar

Matemática de forma integrada. Logo, o uso didático-pedagógico de tecnologias requer um professor investigador, criativo e preparado para atuar com elas, pois sem um uso adequado, as tecnologias se tornarão meros recursos educacionais. Ressaltamos ainda que a escolha de um aplicativo ou software para ensinar Matemática tem suas especificidades e cabe ao professor propiciar aos educandos a possibilidade de conhecer e usar tais recursos (FROTA; BORGES, 2004).

Contudo, muitos licenciandos já se posicionaram contrariamente em relação a Consumir tecnologias para automatizar as tarefas do professor. Com isso, surgiram críticas sobre essa categoria, que entendemos como relevantes para a nossa discussão. A fala a seguir se destacou para nós, visto que, para o licenciando Gilberto:

O professor tem um padrão de ... metodológico. Aí, ele quer seguir o mesmo padrão com as novas tecnologias. Ele não está buscando um novo conhecimento, uma nova forma de passar essa aprendizagem (LICENCIANDO GILBERTO, AULA EM 16/10/2015, grifo nosso).

Esse licenciando apontou uma delicada situação, ou seja, a questão das metodologias utilizadas para o ensino de Matemática. Percebemos, muitas vezes, que alguns professores ainda não conseguiram se empoderar de metodologias para realizar bem a tarefa de ensinar, com ou sem as tecnologias. Para Behrens (2013, p. 78), “o professor precisa refletir e realinhar sua prática pedagógica no sentido de criar possibilidades para instigar a aprendizagem do aluno. O foco passa da ênfase do ensinar para a ênfase do aprender”. Nesse sentido, às vezes, a formação inicial do professor de Matemática ainda apresenta lacunas e precisa se tornar mais bem estruturada, de forma que realmente habilite profissionais capazes de desempenhar bem a docência (MUSSOLINI, 2004).

Destacamos, ainda, na fala do Gilberto a questão do (passar) a aprendizagem, ideia que não condiz com o entendimento de integrar ensino e tecnologias. Isso nos remete a uma Educação que ainda preconiza os conteúdos, ou seja, demonstra que esse licenciando mantém seu foco no ensinar e não no aprender, como já abordado anteriormente. Todavia, esse entendimento de Gilberto pode ser reflexo de estar cursando o 2º período do curso de Matemática e de sua experiência docente até o referido momento da pesquisa. O licenciando Jorge corroborou essa ideia quando declarou, em outro trecho do diálogo, que:

Edwirgem: E você, Jorge?

Jorge: Não vou falar nada, professora, tenho vergonha (risos). Eu não tenho experiência como professor de Matemática.

Edwirgem: Não precisa ficar com vergonha, não tem ninguém aqui te julgando, não.

Você já trabalha ou trabalhou? Como regente de sala?

Jorge: Na verdade, eu já dei aula já, não de Matemática, mas já dei aula de inglês

Edwirgem: Mas, pretende continuar na docência?

Jorge: Sim. Aula de Matemática, sim. Por enquanto continuo dando aula de inglês... (risos) (LICENCIANDO JORGE, AULA EM 16/10/15, grifo nosso).

Neste trecho, o licenciando Jorge verbalizou sua preocupação com o fato de sua falta de experiência docente no ensino de Matemática. Ao mesmo tempo, percebemos em sua fala que a experiência de ensinar inglês é diferente de ensinar Matemática. É claro que, guardadas as devidas proporções, cada disciplina possui suas especificidades, porém o processo educativo em geral possui elementos inerentes ao ato de ensinar e caberá ao professor adequar tal teoria de ensino às suas metodologias e disciplina.

Freire (2014, p. 47) afirmou que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”. Portanto, nos questionamos que, se o licenciando Jorge propicia essa possibilidade aos seus estudantes em sua aula de inglês, porque não poderia utilizar essa experiência sobre como ensinar inglês, salvando as devidas especificidades, adaptações, metodologias para tentar ensinar Matemática, bem como o processo educativo desenvolvido nas escolas básicas e em cursos particulares, como o de Língua estrangeira, por exemplo.

Jorge apontou em sua fala uma ênfase dispensada aos conteúdos de formação específica em detrimento dos conteúdos de formação pedagógica e, talvez por isso, não conseguiu enxergar o contrário, ou seja, que é o processo pedagógico que permeia todas as disciplinas. Tão importante quanto saber conteúdos de Matemática, inglês ou outros, é saber um processo de como ensiná-los aos educandos. Esse processo está claro para nós, por exemplo, diante da leitura de Shulman (1986), que trouxe as bases de conhecimentos necessários ao ato de ensinar. E, posteriormente, baseados nesses conhecimentos, outros pesquisadores realizaram adaptações e complementações para criar novos conhecimentos, por exemplo, Ball (2008) na Matemática, Mizukami (2004) nas ciências, Mishra e Koehler (2006) na tecnologia, entre outros.

Assim como qualquer outro elemento que constitui o processo educativo, o uso de tecnologias precisa ser mais explorado em práticas pedagógicas constituídas na ainda formação inicial de professores (BEHRENS, 2013). Para a autora, o professor de ensino superior é uma referência na vida de licenciandos. Portanto, um professor universitário precisa ser uma pessoa que propicie significado à aprendizagem de conteúdos para estudantes de um curso de licenciatura, propiciando que, estimulados por essa motivação, sejam capazes de visionar uma formação com uso de tenologias para o ensino de Matemática, em seu futuro.

Segundo Behrens (2013, p.76), as mudanças ocorridas na educação têm desafiado “[...] as universidades no sentido de oferecer uma formação compatível com as necessidades deste momento histórico”. Portanto, professores do ensino superior também precisam adotar novas metodologias de ensino para com os seus licenciandos. Uma vez que muitos deles ainda são habilitados nas licenciaturas, sob uma metodologia que preconiza os conteúdos acadêmicos e, ao concluírem seus cursos, muitas vezes não se sentem preparados para ensinar Matemática na escola básica (CIBOTTO, 2015).

Ao assumir uma postura criativa, articulada e parceira, professores e estudantes poderão trilhar um caminho que os auxiliará nesse processo educativo, favorecendo desse modo a oportunidade de todos (aprenderem e ensinarem) juntos e permeados pelo uso das tecnologias digitais e da educação Matemática. Nesse sentido, conforme Borba, Silva e Gadanidis (2014), entendemos que essa experiência se aproximou de movimentos como seres-humanos-com- mídias ou pensar-com-tecnologias e outros.

Integrar Tecnologias

A incorporação de tecnologias digitais em salas de aula das licenciaturas em Matemática poderá ocorrer, principalmente, à medida que as tarefas desenvolvidas evidenciem o caráter da experimentação, da visualização, da criação de hipóteses, de relações e de demonstrações (BORBA; SILVA; GADANIDIS, 2014). A licencianda Karen manifesta seu entendimento sobre o uso de TD salientando que:

[...] no ensino da Matemática, as tecnologias digitais podem ser usadas em sala de aula tanto para despertar a curiosidade como para analisar propriedades. [...] Por

exemplo, em aplicativos que geram gráficos, é possível diferenciar funções, descobrir novas possibilidades de aplicação e ter resultados de gráficos em várias dimensões, o que não seria fácil se o trabalho fosse feito a mão (LICENCIANDA KAREN, FÓRUM EM 22/10/2015).

A licencianda percebeu o uso dessas ferramentas e/ou instrumentos cognitivos que possibilitam aos seus usuários modificar a forma de fazer e de se pensar a Matemática, ideia que reflete a integração de tecnologias ao ensino. Nesse caso, há considerável preocupação de Karen em relação ao processo educativo, envolvendo novas formas de se ensinar Matemática. Também reconheceu que em qualquer nível de escolaridade o estudante irá utilizar algum tipo de tecnologia, principalmente, no que se refere às digitais. Portanto, a escola, assim como os professores, deve se preocupar com a integração de TD com os conhecimentos construídos em todas as disciplinas, pensando no processo educativo de forma integrada.

Destacamos que essa tarefa de integrar tecnologias à educação não é uma tarefa fácil, devido a obstáculos que alguns professores e estudantes encontram na escola, como: falta de acesso à tecnologias (computadores, tablets, etc.) e internet, falta de tempo para planejamento, falta de apoio pedagógico e até de gestão para uso das mesmas, entre outras. A questão hoje passou “do uso” de tecnologias para “como fazer uso” dessas tecnologias e, em particular, para o ensino de Matemática. Esse processo demanda um conhecimento do professor em relação ao uso de TD de maneira que elas possam, realmente, contribuir para o processo educativo. Outro ponto relevante é que, para o professor integrar tecnologias em suas práticas educativas, primeiro ele precisa integrá-las em suas atividades cotidianas. Ou seja, precisa ter suas experiências com tecnologias, e talvez precise estar receptivo à possibilidade de aprender juntos com seus estudantes. Para Frota e Borges (2014, p. 6-7),

[...] essa concepção incorporar tecnologia admite dois níveis de entendimento. Num primeiro destes, o professor entende que em virtude do acúmulo de experiências pessoais com o uso de tecnologias, a incorporação da tecnologia pelo educando se acentua e as formas de fazer Matemática se modificam: o uso de calculadoras gráficas, o uso de calculadoras simbólicas, o uso de simulações, a construção de modelos, o teste de hipóteses numéricas entre outras, passam a constituir o arsenal de estratégias que se usa para fazer Matemática. É claro que mudar a forma de fazer Matemática implica em mudar também as tarefas Matemáticas e problemas tradicionais podem assumir versões mais complexas.

Para assumir atividades com versões complexas, o professor precisa sair de sua zona de conforto, assumindo a imprevisibilidade das questões e até seus próprios limites acerca do

conhecimento de determinados conteúdos (BORBA; PENTEADO, 2012). Essa questão implica em uma melhor formação acadêmica e a necessidade de vivenciar situações pedagógicas durante todo o curso de licenciatura, de maneira a favorecer também o desenvolvimento profissional de futuros professores.

Em nosso trabalho, observamos que no planejamento das tarefas os licenciandos não conseguiram integrar os tablet às atividades, pois elas poderiam ter sido realizadas sem uso do dispositivo. Todavia, essa integração demanda prática, tempo, exercício de utilização de tecnologias em atividades matemáticas e aquilo que os licenciandos apresentaram nas tarefas foram suas vivências até o momento de nossa pesquisa.

Matematizar tecnologias

Essa concepção foi criada por Frota e Borges (2004), porém tais autores não conseguiram identificá-la na pesquisa realizada com alunos de um curso de capacitação, no qual foi desenvolvida. Destacamos que adotamos tal concepção como categoria e conseguimos identificá-la em nosso trabalho, em uma única situação de diálogo particular entre o professor regente e o licenciando Hudson, que já possuía formação acadêmica em Engenharia da Computação.

O professor perguntou sobre transformações de funções e suas variações em relação aos eixos das Coordenadas e das Abscissas e o licenciando Hudson respondeu utilizando um exemplo de uma função que representa uma amplitude; e estabeleceu algumas relações entre as funções dadas pelo professor e as ondas eletromagnéticas que permitem o funcionamento de rádios (AM/FM), por exemplo. Esse processo foi exatamente o que Frota e Borges (2004) reconhecem como matematizar as tecnologias, ou seja, identificar qual foi a Matemática existente no funcionamento/criação de uma tecnologia.