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Repercussão e efeitos colaterais

No documento A liberdade de expressão e o passado (páginas 90-96)

1. DIREITO AO ESQUECIMENTO COMO LIMITE À

1.2. O direito ao esquecimento como fator restritivo à

1.3.4. Caso Google Spain – Tribunal de Justiça da União

1.3.4.3. Repercussão e efeitos colaterais

A decisão do TJUE teve grande repercussão, provocando diversas reflexões e críticas.

                                                                                                               

102 Consoante já salientado, a Diretiva 95/46/CE foi revogada pelo

Regulmanento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de abril de 2016.

103 O item concentra-se nas críticas à decisão, pois acredita-se que já foi

apresentado um número considerável de autores que defendem o direito ao esquecimento.

Como se colocou acima, a atividade do provedor de pesquisa foi enquadrada como tratamento de dados, sendo isto considerado suficiente para que o google se tornasse responsável pelo índice que apresenta após busca feita com o nome do requerente, Mário Costeja González, configurando-se a permanência do apontamento da dívida, resolvida há 16 anos, ainda que mediante uma publicação oficial e, portanto, lícita, um atentado à vida privada.

Não se tratou da discussão habitual da responsabilidade do provedor de pesquisa por conteúdo ilícito de terceiro que, conforme abordado acima, quando envolvido motor de busca, como regra, vem sendo entendida como devida a partir de uma notificação judicial104, para que não se configure violação da liberdade de expressão e se garanta o contraditório e a ampla defesa.

Niilo JÄÄSKINEN, Advogado-Geral que atuou no caso, em seu parecer105, opinou no sentido de que a legislação europeia vigente não contemplaria um direito geral a ser esquecido. Além de fazer uma análise bem elucidativa da atividade técnica dos provedores de pesquisa, ele explica que a questão examinada se concentra na atuação do google como um prestador de serviço de motor de pesquisa. Isto é relevante no sentido de que com esta delimitação, Jääskinen afirma que a Diretiva 95/46/CE não seria aplicável ao google, pois, em regra, ele não pode ser considerado como responsável pelo tratamento de dados pessoais (ainda que se esteja diante de um tratamento de dados) contidos em páginas web com origem em terceiros, sob pena de se dar uma interpretação extremamente ampliada, o que alcançaria muitas situações envolvendo pessoas naturais, inclusive, exemplifica, um professor que tivesse baixado decisões do Tribunal (que inevitavelmente contém dados pessoais) para o seu computador próprio e praticamente todos que possuem um smartphone, um tablet ou um notebook e façam este tipo comum de armazenamento de informação. Argumentou, ainda, que mesmo que o Tribunal concluísse que os motores de pesquisa são responsáveis pelo tratamento de dados pessoais contidos em sites de terceiros, não existiria um direito de ser esquecido a ser invocado perante eles, já que para tanto “teria de abandonar a sua função intermediária entre o utilizador o editor e assumir a responsabilidade

                                                                                                               

104 Por exemplo, Legislação brasileira e decisão da Corte Constitucional da

Argentina.

105 Disponível em

http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=9ea7d2dc30dd8a c7668815444a36a2c0fd73ed0a4465.e34KaxiLc3qMb40Rch0SaxuQchz

pelo conteúdo das páginas-fonte, e, se necessário, censurar o conteúdo, impedindo ou limitando o respectivo acesso.”( JÄÄSKINEN, 2013, p. 23)

Google, como visto, em virtude da atividade de pesquisa oferecida, foi considerada responsável pelo tratamento de dados e o direito de apagamento e de oposição garantiram o direito de supressão de links do resultado automaticamente gerado a partir de uma busca lançada.

Laure Marino (2014) chama atenção para a oposição do tribunal às conclusões do Advogado-Geral Nillo Jääskinen e ao que era relativamente um consenso entre os doutrinadores, ou seja, que a legislação vigente não comportava o pedido de Mario Costeja Gonzalez. Denys Simon (2014) chamou a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia a uma interpretação extensiva e mesmo “acrobática”, o que gera, inevitavelmente, uma discussão, inclusive, no que tange à separação dos poderes entre quem faz e quem diz a lei.

Anne Debet (2014) também critica a decisão, asseverando que a interpretação ampliada a partir dos direitos previstos na Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, deixou a impressão que os fins justificam os meios e que para os cidadãos europeus se alegrarem, foi permitido que os juristas tenham sido menos convincentes.106

Outros pontos da decisão também foram alvo de contestação doutrinária.

                                                                                                               

106Esta questão de não previsão expressa na Diretiva 95/46/CE do direito ao

esquecimento foi resolvida pela revogação da norma pelo Regulmanento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de abril de 2016, que em

seu artigo 17o trata do direito ao apagamento dos dados (“direito a ser

esquecido”). Cuida-se, porém, de ponto complexo, que merece uma análise cuidadosa, já que o próprio dispositivo em seu item 3 determina que não será aplicável quando o tratamento de dados tornar-se necessário para o exercício da liberdade de expressão e de informação. Como se trata de texto normativo recente, as reflexões deverão ser amadurecida, não sendo possível aprofundar neste momento. Porém, muito do que se apresenta nesta tese, acredita-se, pode ser transportado para o exame do regulamento, especialmente no que se refere a um processo de identificação entre controle de dados pessoais e privacidade, e que ambos estariam salvaguardados pela existência de um direito ao esquecimento. Estes pontos serão melhor elaborados no capítulo seguinte.  

Para atender ao julgamento, o Google preparou um formulário107 para que os usuários possam fazer os seus pedidos de desindexação. Somente no primeiro dia foram 12000 pedidos, em 48 horas mais de 40000 e, em um mês, foram 70000 pedidos relacionados com 267550 links, estando a França, neste período, em primeiro lugar do pódio europeu com 14086 demandas, como informam Denys Simon (2014) e Christophe Caron (2014).

Simon (2014) alerta para a dificuldade de análise do pedido, bem como para os custos financeiros para os motores de busca. Google anunciou a instalação de um comitê de experts, para que sejam pensados critérios aptos a avaliar o pedido de desindexação dos conteúdos que envolverem dados pessoais, tendo em vista a dificuldade de se avaliar o papel público da pessoa interessada, bem como o exame dos fins históricos, estáticos ou científicos.

E se os números iniciais indicados já são estarrecedores, o susto é ainda maior quando se observa que em consulta ao google, em 05/06/2016, há a informação que já são 556.834 URL suprimidas.108 É possível deduzir que nem todas as supressões correspondam a uma hipótese típica de direito ao esquecimento, o citado número pode comportar também violações reais à privacidade, honra e imagem. Na página de transparência da google, alguns exemplos de pedidos efetuados são apresentados109 e a empresa informa a obrigatoriedade, a partir da decisão do TJUE, a ela imposta de avaliar, conforme o pedido de cada indivíduo, as demandas de supressão, sendo cabível a permanência apenas das informações que apresentarem um interesse para o público.

Anne Debet (2014), além do que já foi referido por ela acima, critica o fato de se ter colocado o Google na posição de uma autoridade judiciária ou mesmo de autoridade de proteção de dados.

Marino (2014) também questiona como será a atuação dos motores de busca a partir do formulário disponibilizado, já que é uma

                                                                                                               

107

Link para o documento:

https://support.google.com/legal/contact/lr_eudpa?product=websearch&hl=fr

Acesso em 20/10/2014.

108 Disponível em

http://www.google.com/transparencyreport/removals/europeprivacy/?hl=fr

109

Dos exemplos indicados, a maioria relaciona-se com condenações criminais, ou seja, típica hipótese de direito ao esquecimento no contexto aqui formulado. Alguns foram suprimidos, outros não, sendo difícil examinar a coerência sem maiores detalhes dos pedidos.

tarefa de grande responsabilidade para um ator privado. Ainda, afirma que serão inevitáveis os diferentes entendimentos entre os Estados pertencentes à União Europeia e salienta que “beneficia” apenas pessoas naturais atingidas diretamente e não aos seus herdeiros, pois, como ironiza, a eternidade digital já é uma outra história.

Christophe Caron (2014) afirma que os efeitos colaterais já são muitos. Como ele alerta, por exemplo, não é difícil após uma pequisa no campo de busca do Google deparar-se com a informação “certains résultats peuvent avoir été supprimés conformément à la loi européenne sur la protection des données”110. O autor ainda chama atenção para o fato de que se para muitos o esquecimento parece ser ótimo, há no entanto uma forte reação contra esta decisão, acusando-a de censura e de atentado à liberdade de expressão. Ele cita por exemplo os jornalistas dos jornais britânicos (The Guardian, The Daily Mail e a BBC), fazendo um paralelo com os livros que eram queimados.

Igualmente, Laure Marino (2014) afirma que o julgamento gerou muitas críticas, não apenas do google, mas também do wikipedia, repórteres sem fronteiras, NextImpact, The Guardian e informa que o The Daiy Mail anunciou que publicará a lista dos artigos desindexados para que permaneçam acessíveis. Assevera que jornalistas já manifestaram a sua indignação com a desindexação de matérias por eles escritas. Um deles, em um blog da BBC, que tratou, do caso da instituição financeira Merrill Lynch e como ela afastou seu CEO durante a crise dos «subprimes», viu seu artigo ser desindexado, não obstante, ele ter a convicção de se tratarem de informações de interesse público. Ademais, ela coloca que Google admitiu alguns erros de apreciação e que está preparando uma « de-desindexação » para restabelecer os links.

Do mesmo modo, em tom de crítica à decisão, Jean-Michel Bruguiere (2014) provoca, dispondo que é preferível esquecer este direito ao esquecimento, ou ao menos, dar-lhe um nome diverso. Afirma que juridicamente, o esquecimento é um objeto de difícil operacionalização. Ele conclui dizendo que o droit à l’oubli é um direito inconsistente, de natureza imprecisa, e que se o Direito é a mais poderosa escola de imaginação, isto não pode conduzir a criação de direitos fantasmas.

                                                                                                               

110 “Certos resultados podem ter sido suprimidos conforme a lei europeia sobre

a proteção de dados”. Durante a realização desta tese, por diversas vezes, ao se pesquisar informações e ao se buscar por mais alguns detalhes no Google, por exemplo, sobre os casos da jurisprudência francesa analisados no segundo capítulo, deparamo-nos com este aviso.

E há limitações práticas imediatas, como aponta Clémentine Kleitz (2014), já que após a desindexação o mesmo conteúdo pode ser colocado em outro site e estando a supressão do link limitada ao domínio europeu, bastaria acessar o motor de busca americano para encontrar os links apagados pela procedência da demanda feita através dos formulários.

Com o objetivo de resolver essa limitação e ampliar a proteção do indivíduo, ao menos sob a ótica dos defensores do direito ao esquecimento, a CNIL, que é a autoridade administrativa de proteção de dados da França, notificou o google para que a supressão ocorresse em âmbito global, ou seja, que não ficasse restrita ao google.fr. No blog do próprio google111, em tom de indignação, chama-se a atenção para o sério risco de um chilling effect (efeito inibidor ou dissuasivo pelo receio de futuras sanções) e alerta-se para o fato de que são inúmeros os exemplos de conteúdos que são considerados ilícitos em um país e não em outros, na linha do que já se citou quando se examinou o caso da wikipedia, fazendo-se referência ao fato de que a Tailândia criminaliza críticas ao rei, que na Turquia é considerado crime o discurso contra ao Ataturk e na Rússia proíbe-se o que for considerado propaganda gay.

E, ao menos no que foi observado, não há distinção de como os dados se tornaram públicos. Se decorreu de uma notícia publicada, por jornais, revistas, televisão etc. Se foi o próprio indivíduo que voluntariamente publicizou no passado a informação, por exemplo, em uma rede social112. Ou ainda se os dados foram fornecidos e/ou publicados compulsoriamente, em virtude de uma exigência legal.

Por fim, reforça-se que o STJ não examina a atividade de pesquisa prestada pelos motores de busca sob o ângulo do direito ao esquecimento, como o fez o TJUE. Acredita-se que isto foi esclarecido quando se falou acerca da desindexação e exemplificou-se com o caso da apresentadora Xuxa e também do juiz que pretendia retirar do

                                                                                                               

111 Disponível em http://googlepolicyeurope.blogspot.fr/2015/07/implementing-

european-not-global-right.html Acesso em 10/08/2015.

112Verifica-se que a rede social facebook é o espaço virtual onde se concentra o

maior número de pedidos de retiradas de urls, de acordo com informações do Google que, conforme já explicado, para atender decisão do TJUE vêm examinando um grande volume de pedidos de desindexação. Em 28/05/2016, o número chegava a 12897 urls suprimidas, apenas do facebook. Informação disponível.

https://www.google.com/transparencyreport/removals/europeprivacy/?hl=fr. Acesso em 28/05/2016.

resultado de pesquisa google as referências de notícias relativas a processo administrativo a que respondeu. Contudo, não é possível deduzir o não acolhimento de entendimento em outro sentido, mais próximo do apagamento, na hipótese de ser invocado diretamente perante um determinado site que trata da notícia do passado, tendo em vista a condição de ilicitude, por não ser mais considerada atual, que lhe foi atribuída pelo mesmo tribunal brasileiro.

No documento A liberdade de expressão e o passado (páginas 90-96)