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Requisições do SUAS e direção ético-política

6. PROFISSIONALIDADE DO SERVIÇO SOCIAL CONTEMPORANEO: LEGITIMIDADE PELA

6.2 SERVIÇO SOCIAL E ASSISTENCIA SOCIAL

6.2.1 Requisições do SUAS e direção ético-política

A implantação dos atributos essenciais do SUAS tem posicionado competências essenciais, fundamentais, específicas e compartilhadas, na lógica da complementaridade do trabalho coletivo, depende da adesão e da participação ativa dos trabalhadores, a partir dos projetos profissionais em disputa, com a consequente valorização e acreditação de competências no processo de gestão.

A lógica induzida de organização de patamares formativos progressivos, da formação inicial até o mestrado, na perspectiva da educação permanente, tende a potencializar a produção de conhecimentos para o sistema na perspectiva do seu aprimoramento, tendo em vista a nova fase de implantação do SUAS, que já anuncia uma nova lógica: pactuação de prioridades e metas nacionais, planejamento e cobertura progressiva. 104

Algumas diretrizes na gestão do trabalho orientam a organização da gestão e a prestação de serviços, dimensionando novas requisições, que partem de algumas definições já estabelecidas, como a composição de equipes de referência com servidores efetivos, responsáveis pela organização e oferta de serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e especial, considerando o número

104 Os patamares formativos estão definidos na Política de Educação Permanente aprovada no dia 13 de março de 2013.

de famílias e indivíduos referenciados, tipo de atendimento e aquisições a serem geradas no trabalho social; a organização das equipes de referência seguindo padrão mínimo definido por proteção e equipamentos, considerando o porte do município e a complexidade do serviço; a coordenação dos serviços por servidor do quadro próprio e com perfil qualificado; o desenvolvimento de atividades nos equipamentos CRAS e CREAS por profissionais de nível superior, assistentes sociais, psicólogos, pedagogos, advogados, antropólogos e outros trabalhadores, observando-se as requisições e especificidades dos serviços por nível de complexidade e número potencial de usuários.

As novas requisições no campo da assistência social, correspondentes aos atributos de gestão e de prestação de serviços, conformam um campo de saberes e práticas diversos, que dimensionam um conjunto de conhecimentos, competências e perfis para o desenvolvimento das funções de gestão e atendimento.

Tais requisições estão relacionadas como os componentes que estruturam a própria política, com destaque para: identificação e análise das vulnerabilidades sociais e as situações de risco, e das respostas socioinstitucionais, com realização de diagnóstico territorial e pesquisas sociais; elaboração da política e gestão da política de assistência social em cada esfera de governo, com desenvolvimento de processos que revertam indicadores; gestão financeira e gerenciamento do Fundo de Assistência Social, com elaboração de instrumentos orçamentários e financeiros na lógica unificada; organização e reordenamento de redes socioassistenciais e seu referenciamento territorial; mapeamento, qualificação, monitoramento e avaliação de serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais, tanto estatais como das entidades; elaboração de instrumentos de gestão da assistência social, como planos, relatórios, pactos e protocolos; vigilância socioassistencial, gestão da informação, monitoramento e avaliação; apoio às instâncias de pactuação e controle social; gestão do trabalho, abrangendo quadro próprio e a rede privada; regulação da rede socioassistencial e os processos de acompanhamento e reordenamentos; apoio e orientação técnica aos estados, municípios e entidades; supervisão técnica no atendimento prestado à população; coordenação das proteções, dos equipamentos e de redes locais, para garantia e ampliação de direitos, com direção intersetorial e interdisciplinar; trabalho socioeducativo voltado ao desenvolvimento de capacidades/potencialidades, de consciência crítica, de recomposição de direitos, de

construção de projetos de vida, com protagonismo, participação e desenvolvimento da autonomia dos sujeitos de direitos.

O processo de acelerada expansão de serviços socioassistenciais tem alimentado o debate sobre o significado da assistência social na seguridade social e no próprio SUAS.105 Os posicionamentos críticos do Serviço Social respondem à concepção “neofuncionalista” orientadora da Política Nacional de Assistência Social, por trazer elementos que reforçam concepções conservadoras, amplamente criticadas, especialmente pela negação das determinações de classe na análise da sociedade e das demandas por direitos; pela centralidade na família, recuperando práticas tradicionais de controle da vida privada; pela lógica das ações comunitárias basilares do desenvolvimento do todo, na cultura integradora do social; pela prevalência do assistencial em detrimentos de outros direitos de proteção, reforçando o chamado “mito da assistência social” (MOTA, 2008).

O documento intitulado “Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais e Psicólogos(as) na Política de Assistência Social” se constituiu numa iniciativa por parte dos Conselhos, base para demais políticas e espaços ocupacionais, visando “abordar alguns parâmetros ético-políticos e profissionais com a perspectiva de referenciar a atuação de assistentes sociais e psicólogos” (CFESS/CFP, 2007, p. 8), com efeito de difusão dos debates acumulados entre os Conselhos, tendo por base as respectivas legislações.

O documento parte do entendimento de que a “definição de estratégias e procedimentos no exercício profissional deve ser prerrogativa dos(as) profissionais. Desse modo deve-se evitar a padronização de rotinas e procedimentos pelo órgão gestor” (Idem, p. 9). Problematiza-se, ainda, a intervenção profissional que tem como “horizonte somente a execução de atividades arroladas nos documentos institucionais, sob o risco de limitar suas atividades à ‘gestão da pobreza’ sob a ótica da individualização das situações sociais e de abordar a questão social a partir de um viés moralizante”. As preocupações partem do entendimento de que as necessidades sociais não se constituem “problemas e responsabilidades individuais

105 Entre 2004 e 2010 houve uma expansão de serviços de 700 para 7 mil de Centros de Referência de Assistência Social, o que não significou aumento expressivo de investimento público já que os recursos do Fundo Nacional de Assistência Social custeiam em aproximadamente 90% o Benefício de Prestação Continuada, ainda que o orçamento tenha progredido substancialmente.

e grupais”, pois tais situações estão relacionadas com a “desigualdade de classe” (Idem, p. 11).

Outros elementos destacam-se nos argumentos de crítica à política e orientação do exercício profissional: o acesso à proteção básica não se restringe aos CRAS; as situações de “exclusão” e de “desigualdade” devem ser enfrentadas pelo conjunto de políticas públicas; a assistência social não possui a tarefa de realizar exclusivamente a proteção social; é preciso delimitar os direitos socioassistenciais considerando a vinculação com o repasse de recursos.

Após a demarcação de que “serviço social não é e não pode ser confundido com assistência social” (Idem, p. 15), que a Seguridade Social inclui os direitos previstos no artigo 6º, é abordada a contribuição do conjunto CFESS/CRESS na defesa da assistência social. No caso da psicologia ressalta-se o “compromisso social” dos psicólogos(as) com a participação e sua inserção crescente nas políticas públicas. Além dos desafios no reconhecimento dos sofrimentos “instalados nas comunidades”, outros comparecem como decodificação dos níveis de complexidade, sobressai o trabalho em rede, a desnaturalização das violações, e a recusa à “patologização” e “objetificação” da classe trabalhadora (Idem, p. 22-23).106

Com a perspectiva da ênfase no trabalho interdisciplinar e nas prerrogativas legais do Serviço Social e da Psicologia, são apresentadas as competências e atribuições profissionais. No caso do Serviço Social, evidenciam-se os direitos e deveres previstos no Código de Ética (artigos 2º e 3º), sublinhando-se a necessidade de um perfil profissional que se afaste de “abordagens tradicionais, funcionalistas e pragmáticas, que reforçam as práticas conservadoras que tratam as situações sociais como problemas pessoais que devem ser resolvidos individualmente” (Ibidem, p. 25).

As competências gerais são reproduzidas das Diretrizes Curriculares, reforçando a ênfase na formação para o credencialismo profissional na área:

apreensão crítica dos processos sociais de produção e reprodução das relações sociais num a perspectiva de

106 O conjunto CFESS/CRESS publicou em dezembro de 2005 nota esclarecendo a distinção entre Serviço Social e Assistência Social num contexto de expansão do SUAS. Permanece o desafio constante de construir uma especificidade quando a própria nomenclatura não favorece e mesmo as explicações: “Serviço Social, portanto, não é assistência social, embora a abarque” http://www.cfess.org.br/pdf/ssprofissao_aspolpublica2005.pdf .

totalidade; análise do m ovim ento histórico da sociedade brasileira, apreendendo as particularidades do desenvolvim ento do Capitalism o no País e as particularidades regionais; com preensão do signif icado social da profissão e de seu desenvolvim ento sócio -histórico, nos cenários internacional e nacional, desvelando as possibilidades d e ação contidas na realidade; i dentif icação das dem andas presentes na sociedade, visando a f o rm ular respostas prof issionais para o enfrentam ento da questão social, considerando as novas articulaç ões entre o público e o privado (CFESS, 2009,p.17-18).

Partindo das “competências gerais” previstas nas diretrizes curriculares, são particularizadas dimensões interventivas: a) abordagens individuais, familiares ou grupais; b) coletiva junto aos movimentos sociais; c) voltada à inserção em espaços democráticos e de controle social; d) gerenciamento, planejamento e execução direta de bens e serviços a indivíduos, famílias, grupos e coletividade; e) realização sistemática de estudos e pesquisas; f) pedagógico-interpretativa e socializadora de informações, saberes no campo dos direitos.

Em tais dimensões comparecem intencionalidades balizadas pelos princípios ético-políticos: orientação social com vistas à ampliação do acesso aos direitos; reconhecimento da classe social como sujeito coletivo, na luta “pela ampliação dos direitos e responsabilização estatal”, e intervenção voltada à socialização da informação, mobilização e organização popular; estratégias que fomentem a participação dos usuários e trabalhadores; fortalecimento da gestão democrática e participativa; revelação das condições de vida da classe trabalhadora; fortalecimento dos direitos e da participação.

Importante apontar um contrassenso na base da crítica formulada, ou aspectos que merecem aprofundamentos: a assistência social não garante proteção social exclusivamente, mas o atendimento individual, familiar ou grupal deve ser “na perspectiva de atendimento das necessidades básicas e acesso aos direitos” (CFESS/CFP, 2007, p. 27); é preciso definir direitos socioassistenciais, considerando o financiamento público vinculado.

Evidente que assistência social não responde exclusivamente às demandas de proteção social, mas sua codificação como política de proteção reforça seu status conquistado de política de Seguridade Social. Alguns aspectos carecem de consenso nos direcionamentos produzidos: a assistência social deve ter um

conteúdo específico ou ela é apenas processante para as demais políticas? Uma política pública não deve definir competências e atribuições, sua natureza institucional permite maior incidência de concepções diversas, entretanto, os coletivos, notadamente o do Serviço Social, evocam reformulações que afastem categoriais conservadoras, quando o próprio documento que orienta assistentes sociais revela “desvios” que podem ser interpretados como incoerências, a exemplo da exclusão social e situações sociais, categorias amplamente utilizadas por referentes neopositivistas.

Entre as diversas “competências, estratégias e procedimentos específicos, são destacados alguns que vão desde a realização de pesquisas para identificação de demanda, até a supervisão direta em serviço social, por procurar corresponder às competências e atribuições profissionais, muito embora, ao exemplificar corre-se o risco da simplificação da competência “realizar estudo e estabelecer cadastro atualizado de entidades e rede de atendimentos públicos e privados” CFESS/CFP, 2007, p. 30).

A edição dos documentos em versões revisadas e específicas produzidas pelos respectivos Conselhos demonstra, principalmente, a necessidade de corresponder às peculiaridades de cada profissão e mesmo direcionamentos específicos em consonância com os projetos profissionais. Assim, a versão atualizada e ampliada dos “Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na Política de Assistência Social”, produzida em 2010, inaugurando a série “Trabalho e Projeto Profissional nas Políticas Sociais”.

O documento em sua versão atualizada apresenta competências gerais, relativas às diretrizes, e “específicas”. Importante problematizar o específico, já que o mesmo pode se confundir com atribuições definidas na Lei 8.662/93. Uma questão que emerge na problematização é o alcance da definição do que seja específico, já que entre as competências destacadas no documento apenas supervisão de estagiários em Serviço Social é privativo. Abre-se, portanto, o debate do modelo de competências nos documentos produzidos, na contradição entre monopolização do saber profissional e produção de direcionamentos ético-políticos para o exercício profissional, num trabalho que possui natureza coletiva.

A partir das competências gerais da profissão são consideradas competências, estratégias e procedimentos específicos,

Realizar pesquisas para identificação das dem andas e reconhecim ento das situações de vida da população que subsidiem a form ulação dos planos de Assistência Social; Form ular e executar os program as, projetos, bene fícios e serviços próprios da Assistência Social, em órgãos da Adm inistração Pública, em presas e organizações da sociedade civil; Elaborar, executar e avaliar os planos m unicipais, estaduais e nacional de Assistência Social, buscando interlocução com as di versas áreas e políticas públicas, com especial destaque para as políticas de Seguridade Social; Form ular e defender a constituição de orçam ento público necessário à im plem entação do plano de Assistência Social; Favorecer a participação dos(as) usuários(as ) e movimentos sociais no processo de elaboração

e avaliação do orçam ento público; Planejar, organizar e adm inistrar o acom panham ento dos recursos orçam entár ios nos benefícios e serviços s ócio-assistenciais nos Centro de Referência em Assistência Social (C RAS) e Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS); Realizar estudos sistem áticos com a equipe dos CRAS e CREAS, na perspectiva de análise conjunta da realidade e planejam ento coletivo das ações, o que supõe assegurar espaços de reunião e ref lexão no âm bito das equipes m ultiprofissionais; Contribuir para viabilizar a participação dos(as) usuários(as) no processo de elaboração e avaliação do plano de Assistência Social; prestar assessoria e

consultoria a órgãos da Administração Pública, empresas privadas e movimentos sociais em matéria relacionada à política de Assistência Social e acesso aos direitos civis, políticos e sociais da coletividade; Estim ular a organização

coletiva e orientar(as) os usuários(as) e trabalhadores(as) da política de Assistência Social a constituir entidades representativas; Instituir espaços coletivos de socialização de inform ação sobre os direitos sócio -assistenciais e sobre o dever do Estado de garantir sua im plem entação; Assessorar os m ovim entos sociais na pers pectiva de identificação de dem andas, fortalecim ento do coletivo, form ulação de estratégias para defesa e acesso aos direitos; Realizar visitas, perícias técnicas, laudos, informações e pareceres

sobre acesso e implementação da política de Assistência Social; Realizar estudos sócio -econôm icos para identificação

de dem andas e necessidades sociais; Organizar os procedim entos e realizar atendim entos individuais e/ou coletivos nos CRAS; Exercer funções de direção e/ou coordenação nos CRAS, CREAS e Secretarias de Assistência Social; Fortalecer a execução direta dos serviços sócio - assistenciais pelas prefeituras, governo do DF e governos estaduais, em suas áreas de abrangência; Realizar estudo e estabelecer cadastro atualizado de entidades e rede de atendim entos públicos e privados; Prestar assessoria e supervisão às entidades não governam entais que constituem a rede sócio-assistencial; Participar nos Conselhos m unicipais, estaduais e nacional de Assistência Social na condição de conselheiro(a); Atuar nos Conselh os de Assistência Social na condição de secretário(a) executivo(a); Prestar assessoria aos conselhos, na perspectiva de f ortalecim ento do controle dem ocrático e am pliação da participação de usuários(as) e trabalhadores(as); Organizar e coordenar sem inário s e

eventos para debater e form ular estratégias coletivas para m aterialização da política de Assistência Social; Participar na organização, coordenação e realização de conferências m unicipais, estaduais e nacional de Assistência Social e af ins; Elaborar pr ojetos coletivos e individuais de fortalecim ento do protagonism o dos(as) usuários(as); Acionar os sistem as de garantia de direitos, com vistas a m ediar seu acesso pelos(as) usuários(as); Supervisionar direta e sistem aticam ente os(as) estagiários(as) de Ser viço Social (CFESS, 2009, p.19-22).

O trabalho interdisciplinar também é abordado neste documento sobre o Serviço Social no SUAS, com a preocupação de garantir atribuições e sigilo profissional, numa perspectiva ética, alertando-se sobre a necessidade de discernir sobre informações, atribuições e tarefas que estejam no campo de atuação de cada profissão. No trabalho conjunto com outros/as profissionais, deve-se preservar o caráter confidencial das informações sob a guarda dos/as assistentes sociais, registrando-se nos documentos conjuntos aquilo que for necessário para o cumprimento dos objetivos do trabalho (CFESS, 2009, p.25). Por fim, afirma-se que “o trabalho em equipe não pode negligenciar as responsabilidades individuais e competências, e deve buscar identificar papéis, atribuições, de modo a estabelecer objetivamente quem, dentro da equipe multidisciplinar, encarrega-se de determinadas tarefas” (idem, p.27-28).

Os parâmetros basearam-se na síntese de competências tendo por base a Lei 8.662/03, sem estudo empírico ou aplicação de metodologias como grupo focal. Sua finalidade de orientar o significado do trabalho fica prejudicada quando procura “ajustar” as competências e atribuições à particularidade da assistência social.107

Assim como existe o risco dos profissionais reduzirem suas atividades às prescrições normativas, forjando práticas aprisionadas nas definições consensuadas no SUAS, os parâmetros podem, igualmente, “aprisionar” os profissionais e reduzir as possibilidades de criatividade e ampliação das ações.

107 O Conselho Federal de Psicologia adota como estratégia para a produção de referências técnicas a pesquisa participativa, com mapeamento das atividades nas áreas abordadas. Os conselhos regionais mobilizam profissionais da área em estudo e consolidam contribuições e são nacionalmente sistematizadas.