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2.1 Os gêneros textuais no contexto acadêmico

2.1.4 Resenha acadêmica

A resenha acadêmica é um gênero textual cujo principal objetivo é avaliar criticamente, seja de forma positiva ou negativa, uma determinada produção intelectual ligada a alguma área do conhecimento. Segundo Carvalho (2005), as resenhas “podem ser lidas como conjunto das reações à publicação de um livro em determinada época, servindo como registro importante para vários pesquisadores; podem também ser utilizadas como guias de leitura e aquisição de publicações” (p. 137). Nesse caso, elas são produzidas em periódicos especializados com o intuito de se divulgar a produção científica e de analisar a qualidade de uma obra bem como a consistência da abordagem proposta pelo seu autor.

Não podemos esquecer de que esse gênero também é produzido pelos alunos no contexto educacional como forma de sistematizar os conhecimentos teóricos aprendidos (SILVA; MATENCIO, 2003) e como forma de inseri-los no diálogo acadêmico (MOTTA-ROTH, 2001). As resenhas também são produzidas por calouros em disciplinas, ministradas nos períodos iniciais de muitos cursos de graduação, destinadas ao desenvolvimento de habilidades ligadas à leitura e à escrita de textos acadêmicos.

Além disso, Carvalho (2005) ressalta a importância desse gênero no contexto universitário em função da grande quantidade de artigos e livros publicados, fato que impossibilita a aquisição e a leitura de todas as novidades lançadas na área em que se pesquisa. Dessa forma, a leitura da resenha ajuda na seleção das referências

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Ressaltamos que nos preocupamos em trabalhar essas questões com os graduandos nas aulas presenciais e virtuais.

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bibliográficas mais adequadas e importantes para atender aos objetivos dos trabalhos dos pesquisadores, pois ela indica aspectos como, por exemplo, a contribuição do estudo para a área, a organização do livro e o desempenho do autor ao expor o assunto.

A avaliação feita pelo resenhista, segundo Motta-Roth e Hendges (2010), deve ser baseada no conhecimento já desenvolvido dentro do campo ao qual a obra pertence e, por isso, o resenhador geralmente precisa ser alguém que domine a área acadêmica na qual a obra avaliada se insere. Severino (1980), citado por Therezo (2001), também defende que a resenha deve ser produzida por um especialista da área a fim de se alcançar uma visão crítica da obra em relação à “coerência interna da argumentação, à validade dos argumentos empregados, à originalidade do tratamento dado ao problema, à profundidade de análise do tema e ao alcance de suas conclusões” (p. 37).

Considerando esses aspectos, destacamos a necessidade de se buscar outros textos capazes de dialogar com o texto-fonte. Essa prática é relevante para o aluno adquirir maior embasamento teórico capaz de lhe permitir, por exemplo, a comparação entre os textos, fato que mostra uma postura reflexiva acerca do objeto resenhado. Percebemos, então, que “para a produção de resenhas, é essencial a integração entre o conhecimento do gênero e da sua função, a construção de relações intertextuais e de pontos de vista por meio de recursos que a linguagem dispõe” (SILVA, 2011b, p. 16). A exigência de tantas habilidades linguísticas e discursivas para a escrita da resenha nos ajuda a entender porque ela é um gênero o qual os graduandos apresentam tanta dificuldade na sua elaboração.

Torna-se importante ressaltar que temos consciência de que os alunos não são resenhistas especializados, pois ainda estão cursando a graduação e, consequentemente, estão adquirindo conhecimentos iniciais a respeito de Linguística Textual.10 Portanto, não esperávamos que os alunos produzissem resenhas com elevado nível de criticidade como ocorre em resenhas produzidas por especialistas, pois Bezerra (2002) verificou a existência de um “padrão principal para a descrição de resenhas de especialistas e de um padrão secundário, menos complexo, para dar conta da organização retórica de resenhas de alunos” (p. 46) e, portanto, não esperávamos que os estudantes conseguissem atingir rapidamente o padrão de uma resenha produzida por um especialista.

10Gosta ía osà deà desta a à ueà utiliza e osà oà te oà ese hista à pa aà de o i a à osà alu osà

participantes dessa pesquisa, pois, apesar de sabermos que eles não são especialistas na produção de resenhas acadêmicas, consideramos que eles estão desempenhando a função social e o papel de um resenhista, embora estejam atuando em um contexto de ensino-aprendizagem.

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Entretanto, não podemos esquecer de que o curso de Letras tem o importante papel de ensinar os graduandos a produzir textos da esfera acadêmica e, por isso, é necessário investir em práticas pedagógicas que os levem a conhecer profundamente os principais movimentos retóricos desses gêneros a fim de conseguirem produzi-los da melhor forma possível. As estratégias básicas para a construção da resenha devem ser amplamente trabalhadas na graduação, embora saibamos que a habilidade do aluno se aprimorará também de acordo com as experiências de leitura e de escrita de resenhas durante a sua vida universitária, podendo se tornar um resenhista profissional ao longo do seu percurso acadêmico. Devemos ressaltar, assim como Silva (2011a), que o ensino da resenha deve envolver tanto aspectos voltados para o nível macro textual do gênero quanto para aspectos ligados a um nível micro textual.

Motta Roth (1995) desenvolveu um estudo, baseado no modelo Cars de Swales (1990), no qual analisou um corpus formado por 60 resenhas de livros em inglês de três diferentes áreas: química, economia e linguística. A partir dessa análise, a pesquisadora verificou a estrutura retórica básica de uma resenha, ou seja, ela identificou os movimentos retóricos típicos desse gênero e, portanto, descreveu a sua estrutura esquemática. Observe:

1 APRESENTAR O LIVRO

Passo 1 informar o tópico geral do livro e/ou

Passo 2 definir o público-alvo e/ou

Passo 3 dar referências sobre o autor e/ou

Passo 4 fazer generalizações e/ou

Passo 5 inserir o livro na disciplina

2 DESCREVER O LIVRO

Passo 6 dar uma visão geral da organização do livro e/ou Passo 7 estabelecer o tópico de cada capítulo e/ou Passo 8 citar material extra-textual

3 AVALIAR PARTES DO LIVRO Passo 9 realçar pontos específicos

4 (NÃO) RECOMENDAR O LIVRO

Passo 10A desqualificar/recomendar o livro ou Passo 10B recomendar o livro apesar das falhas indicadas

Descrição esquemática das estratégias retóricas usadas no gênero resenha (Motta- Roth, 1995, p.143 apud Motta-Roth e Hendges, 2010, p. 43)

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Através do quadro acima, percebemos que Motta-Roth (1995) identificou padrões de ação dos resenhistas. A autora percebeu, durante a análise de seu corpus, que os resenhistas geralmente seguem quatro etapas/movimentos retóricos: apresentação, descrição, avaliação e recomendação da obra. Entretanto, a pesquisadora ressalta que a estrutura de organização das resenhas acadêmicas mostrada acima é uma tendência a ser adotada. Portanto, a ordem estrutural verificada por Motta-Roth (1995) não corresponde a uma regra que deve ser seguida rigidamente, pois essa organização pode sofrer alterações de acordo com o contexto de produção da resenha e de acordo com os objetivos e com o estilo do resenhista (MOTTA-ROTH; HENDGES, 2010). Nesse sentido, Gonçalves (2007) acredita que o professor deve usar o modelo didático como um instrumento capaz de levar os estudantes a perceberem mais facilmente o funcionamento do gênero ensinado, pois ele funciona como “uma síntese prática que guia as ações do professor-pesquisador” (p.94).

Bezerra (2001) também corrobora com o caráter flexível da organização do gênero, pois “uma subfunção pode aparecer em um lugar bem diferente de sua posição canônica na resenha, de modo que a ordem esboçada pela sequência de moves é, muitas vezes, mais ideal que real” (p. 31), embora o modelo não deixe de ser a representação que melhor caracterize a organização retórica do gênero. Pietro e Schneuwly (2006) também adotam a perspectiva na qual o modelo é uma “abstração” e, por isso, sofre variações.

Isso demonstra claramente que o modelo não deve ser utilizado no ensino como uma regra fixa a ser totalmente obedecida pelos alunos quando estão produzindo uma resenha, pois alterações comumente ocorrerão de acordo com o contexto comunicativo de produção do gênero. Percebe-se, portanto, que, dentro de cada movimento retórico, existem estratégias que podem ou não ser adotadas pelo resenhista, pois muitas delas são facultativas.

Assim, Bezerra (2002) reforça que o termo “modelo” não pode ser entendido com base em uma perspectiva normativa e prescritiva, pois a disposição e a manifestação das unidades e subunidades retóricas variam de acordo com aspectos contextuais como, por exemplo, a experiência do resenhista na elaboração do gênero e os seus propósitos comunicativos específicos. A pesquisadora ressalta que, embora os padrões retóricos sofram variações, todas “as realizações concretas do gênero resenha

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variam em torno de uma prototipicidade”11 (p.65), ou seja, a resenha obedece a uma estrutura organizacional ampla que melhor a caracteriza.

Nesse sentido, a avaliação da obra é influenciada por aspectos como, por exemplo, “a natureza dos assuntos tratados, o tratamento dos dados e a velocidade com que os programas de pesquisa avançam em cada disciplina” (MOTTA-ROTH; HENDGES, 2010, p. 45). Além disso, a relação entre resenhista e leitor pode ser simétrica ou assimétrica, afetando a construção da avaliação. Isso se justifica porque há uma tendência de o resenhista utilizar expressões que mostrem, de forma mais explícita e direta, a sua opinião quando há uma relação simétrica entre ele e o leitor. Nesse caso, geralmente o resenhista opta por fazer escolhas lexicais que não atenuem fortemente a sua avaliação (MOTTA-ROTH; HENDGES, 2010).

Carvalho (2005) menciona que a avaliação é o componente mais complexo da resenha, pois ela evidencia as relações sociais entre as pessoas envolvidas direta ou indiretamente na produção de tal gênero. Ou seja, a imagem do autor da obra está em jogo durante a avaliação, pois o papel do resenhista é avaliá-la de forma positiva ou negativa. Entretanto, a reputação do resenhista também está ameaçada, pois ele deve saber fazer suas críticas de forma polida e comedida a fim de se mostrar um avaliador sério, isto é, que baseia suas apreciações em juízos e valores acadêmicos. Para isso, é preciso deixar claro que sua avaliação não é influenciada por questões de caráter pessoal.

A área na qual a resenha está sendo produzida também interfere na profundidade da avaliação, pois alguns campos do conhecimento se caracterizam por avaliar uma obra de forma mais generalizada e outras áreas, como a Linguística, avaliam com maior profundidade. Dessa forma, a produção desse gênero demanda algumas estratégias distintas de acordo com a comunidade na qual ele é produzido e, portanto, “cada disciplina tem maneiras particulares de usar o mesmo gênero para comunicação profissional” (MOTTA-ROTH; HENDGES, 2010, p. 45).

Além dos aspectos mencionados, Bezerra (2001) constatou que as resenhas de graduandos apresentam um número menor de expressões e rótulos avaliativos quando comparadas com as resenhas produzidas por especialistas da área ao qual o livro pertence. Isso demonstra uma maior consciência dos últimos em relação ao caráter avaliativo do gênero. Por outro lado, a autora acredita que o baixo número de avaliações ocorre devido à falta de domínio sobre o gênero ou devido à carência de uma ampla

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bagagem teórica sobre o conteúdo da obra resenhada. Os dados presentes no trabalho da autora mostram que apenas 36,6% das resenhas produzidas por estudantes realizaram avaliação final do livro, enquanto 86,6% das que foram elaboradas pelos especialistas recomendaram ou desqualificaram o livro no final da resenha. Acreditamos que esses dados demonstram a falta de consciência dos alunos em relação à predominância argumentativa da resenha acadêmica.