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CAPÍTULO V – DEVERES DOS ADMINISTRADORES

VI.2. Sistemas de Responsabilidade Civil

VI.2.4. Responsabilidade objetiva pura

De acordo com este sistema a vítima precisa provar apenas a existência e extensão do dano. Não é necessário provar a relação de causa e efeito entre o dano e uma determinada ação ou omissão daquele que terá de indenizar a vítima. No Brasil, o empregado que tenha sofrido um acidente de trabalho, por exemplo, pode reclamar ao INSS o pagamento de prestação pecuniária conforme determina a lei. Não há nenhum nexo causal entre os danos do acidente e a atuação do INSS171.

A doutrina costuma apontar o risco inerente ao exercício de determinada atividade como o fundamento da responsabilidade objetiva. Nesse sentido, no

169 Fabio Ulhoa Coelho, Curso de Direito Comercial, 10. ed., cit., p. 254. 170 Fabio Ulhoa Coelho, op. cit., p. 255.

campo objetivista estaria a teoria do risco, segundo a qual cada um deve sofrer o risco de seus atos, sem cogitação da idéia de culpa, de modo que o fundamento da responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa (vontade do agente) para a idéia de risco172.

Sérgio Cavaliere Filho esclarece que

risco é perigo, é probabilidade de dano, importando, isso, dizer que aquele que exerce uma atividade perigosa deve-lhe assumir os riscos e reparar o dano dela decorrente. A doutrina do risco pode ser, então, assim resumida: todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou, independentemente de ter ou não agido com culpa. Resolve-se o problema na relação de causalidade, dispensável qualquer juízo de valor sobre a culpa do responsável, que é aquele que materialmente causou o dano173.

Diante dessa concepção, ao infringir a lei e o estatuto social o administrador cria risco de dano para a companhia, independente do proveito pessoal que lhe tenha trazido tal risco ou da vantagem por si ou por outrem auferida. Verifica-se neste caso a inobservância dos deveres de diligência, lealdade e informação.

A infringência da lei independe da caracterização da culpa porque ninguém pode alegar desconhecimento da lei (art. 3 da Lei de Introdução ao

172 Segundo estudo realizado por Caio Mário da Silva Pereira, uma corrente dita objetivista procurou desvincular o dever ressarcitório de toda idéia de culpa. Saleilles, que se fez campeão desta equipe, insurgiu-se contra a culpa, e assentou a indenização no conceito material do fato danoso. Josserand procurou conciliar a responsabilidade objetiva como o Código de Napoleão, muito embora permanecesse jungido à teoria subjetivista. Numerosos escritores encaminharam-se nesse rumo, testando alterar a equação para um dever ressarcitório fundado no dano e na autoria do evento lesivo, sem cogitar do problema da imputabilidade, sem investigar se houve ou não um erro de conduta, sem apurar a antijuridicidade da ação. Uma forte corrente procurou deslocar o fundamento da responsabilidade da culpa para o risco, mas segundo o autor, perdeu-se logo fragmentando-se em subteorias, a saber: (a) do risco-proveito, que impunha a responsabilidade aquele que obtivesse vantagem do ato gerador do dano; (b) do risco profissional, relacionados aos acidentes no trabalho; (c) do risco criado, no direito público; (d) do risco social, com base no princípio da solidariedade. Aos poucos a doutrina foi se concentrando no conceito de “risco criado”. Esta teoria foi sendo incorporada na década de 20 especialmente nos anos seguintes à Primeira Guerra Mundial. Instituições de Direito Civil, 4. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995. v. III, p. 366. 173 Sérgio Cavalieri Filho, Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Malheiros, 2000. p.143.

Código Civil), sendo certo que o mesmo princípio aplica-se ao administrador em relação ao estatuto da sociedade.

Para Fabio Ulhoa Coelho não são os riscos da atividade o fundamento da responsabilidade civil, e sim a possibilidade de serem absorvidas as repercussões econômicas ligadas ao evento danoso, através da distribuição do custo entre as pessoas expostas ao mesmo dano, ou, de algum modo, beneficiárias do evento174.

Explica o autor que o estado, por exemplo, pode responder objetivamente pelos danos causados por seus funcionários porque tem meios para distribuir entre os contribuintes – por meio de tributos – os encargos derivados de sua responsabilização. Da mesma forma o fornecedor pode ser responsabilizado por acidentes de consumo na medida em que consegue incluir na composição de seus preços um elemento de custo correspondente às indenizações pelos acidentes. Comenta ainda a respeito do INSS que é responsável pelos acidentes de trabalho porque, através da imposição de contribuições aos empresários e empregados, reparte entre estes o valor benefícios pagos aos acidentados175.

Para Waldirio Bulgarelli foi principalmente em relação aos acidentes do trabalho que se iniciou, em fins do século passado, a reivindicação de um tipo de responsabilidade que não deixasse sem reparação os danos produzidos, constando-se que era inadequada para esse fim a responsabilidade baseada exclusivamente na culpa. Na França, as duas expressivas manifestações dessa volta ao passado, para a responsabilidade objetiva, causal e independente de culpa, vieram através da Lei de Acidentes do Trabalho de

174 Responsabilidade Civil dos Administradores de Instituições Financeiras. In: Aspectos Atuais do Direito do Mercado Financeiro e de Capitais. Roberto Quiroga Mosquera (Coord.), cit., p. 91- 93.

1898 e da interpretação da jurisprudência do artigo 1.384, parágrafo 1, do Código Civil napoleônico, a partir de 1930176.

No direito brasileiro, a responsabilidade civil foi tratada sob a orientação da teoria subjetiva. Todavia, em diversos casos específicos, a legislação foi absorvendo a teoria objetiva do risco. A primeira referência legal para a responsabilidade objetiva em nosso direito encontra-se no artigo 26, do Decreto n. 2.681, de 7 de dezembro de 1912, que responsabiliza as estradas de ferro pelos danos causados, na exploração de suas linhas, aos proprietários marginais. Foi também acolhida a responsabilidade objetiva no Código Civil, em seu artigo 938, que responsabiliza o habitante do imóvel pelos danos decorrentes das coisas que dele caírem ou forem lançadas. Como já comentado, o acidentado no trabalho recebe proteção jurídica, com base na teoria do risco, desde 1919, com o advento do Decreto n. 3.724, de 15 de janeiro. A Constituição tratou deste tema no artigo 7, inciso XXVIII, que foi regulamentado pela Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, e, com base na teoria do risco integral, em que o trabalhador fica amparado mesmo diante da exclusão do nexo causal. Também com base na idéia do risco integral, a Lei n. 6.194, de 19 de dezembro de 1974, instituiu o seguro obrigatório de responsabilidade civil para os proprietários de veículos automotores. O Código de Mineração, Decreto-lei n. 227, de 28 de fevereiro de 1967, em seu artigo 47, inciso VIII, estabelece responsabilidade objetiva aos que exploram a lavra mineral, pelos danos e prejuízos causados a terceiros, direta ou indiretamente, no exercício de sua atividade. Também é objetiva a responsabilidade pelos danos causados ao meio ambiente, conforme o artigo 14, parágrafo 1, da Lei n. 6.938/81. O Código Brasileiro da Aeronáutica, Lei n. 7.565/86, em seus artigo 268 e 269, estabelece responsabilidade objetiva pra os danos causados por aeronave a terceiros em superfície. Deve-se citar

176 Waldirio Bulgarelli. In: Yussef Said Cahali (Coord.). Responsabilidade Civil – Doutrina e Jurisprudência, cit., p. 441.

também o Código de Defesa do Consumidor, que acolheu a responsabilidade objetiva em vários dispositivos.

VI.3. Fontes de Responsabilidade: atos culposos ou dolosos e atos

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