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Xosé Manuel Dasilva, da Universidade de Vigo

cional desde há pouco tempo do nome de Saramago se tem firma- do, em grande medida, num mecanismo da notoriedade tão efec- tivo como o que constitui a capacidade divulgadora da tradução1.

Perante a realidade desta circunstância, de natureza até esmagado- ra, mesmo é plausível imaginar que o próprio autor de Memorial do

convento criasse os seus romances e ao mesmo tempo estivesse já

a pensar na sua imediata translação a outras línguas, o que poderia ter até influência em certas escolhas estilísticas para o texto original. Talvez esta suposição seja exagerada, mas não convém descartá-la desde que uma voz tão esclarecedora como a do editor e narrador português Luiz Pacheco lançasse, nesse sentido, a denúncia deste- mida de Saramago e também Lobo Antunes utilizarem, com o pen- samento posto generosamente nos seus tradutores, uma prosa já não de genuína feição lusitana, mas sobretudo formada por traços idiomáticos acessíveis de fácil adaptação a qualquer âmbito interna- cional. Inserida num depoimento jornalístico, eis reproduzida na ínte- gra a citada denúncia de Luiz Pacheco, corajosa verdadeiramente e não isenta de relevo:

Queremos que digas o que quiseres. Há aqui

um problema grave, que é assim. O Lobo Antunes e o Saramago não estão a escrever para vocês nem para mim. Estão a escrever uma coisa género

standard, que é o romance internacional. Já não é

prosa portuguesa. Se eu amanhã estivesse traduzi- do na China, na Alemanha, na Inglaterra, não podia estar a escrever um texto com requintes poéticos ou termos idiomáticos ou ir buscar palavras esqui- sitas, porque isso, na tradução, o tradutor não se vai chatear. (...). Como sabem que vão ser traduzi- dos, têm de fazer uma linguagem o mais corrente possível, mais linear, mais badalhoca. Desculpa,

mas quer o Saramago quer o Lobo Antunes não são propriamente escritas assim tão simples. São até barrocas, num certo sentido. Não sei como

será em tradução. Ó pá, hoje, um escritor, género Saramago ou Lobo Antunes, está a fazer um livro e a pensar no Prémio Nobel. Não está a pensar em vocês nem em mim. É na tradutora sueca ou alemã. Não está a fazer um romance, está a fazer um produ- to. tem de escrever a pensar nisso: temas mais ou menos de interesse universal, e depois serve-se aquilo na prata da casa.2

Numa recente visita ao Brasil, logo da sua estada na Galiza, Saramago propunha, com motivo da IX Bienal do Livro do Rio de Janeiro, a necessidade de uma iniciativa similar luso-brasileira que terminasse com o isolamento entre os escritores e os leitores de ambos os países. Este apelo esperançoso estava destinado a cor- rigir a dolorosa ignorância recíproca a respeito das duas literatu- ras, mas cumpriria interpretá-lo, aliás, como medida indispensável com o intuito de favorecer a tradução da literatura que se produz em cada comunidade lusófona. Com efeito, como será possível impulsar o conhecimento internacional das letras portuguesas e brasileiras por meio de versões noutras línguas se a leitura de au- tores de cada uma destas literaturas simplesmente não existe, com a ressalva da massa universitária, tanto em Portugal como no Bra- sil? É evidente, por antecipado, a conveniência de um conheci- mento mútuo das duas literaturas, e isso porque, em primeiro lugar, contribuiria para fortalecer os elos culturais entre as duas comuni- dades, mas ainda seria muito útil também a fim de propiciar, por outra parte, um bloco comum na conquista de leitores para lá das fronteiras da lusofonia.

É muito ilustrativa, no que diz respeito a esta questão, a expe- riência que se viveu há dois anos na Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha, onde Portugal participou com sucesso na qualidade de país-tema. Uma literatura como a portuguesa, periférica nas grandes rotas editoriais, conseguiu então um importante reconhe- cimento para afirmar-se no mercado internacional, prelúdio do imediato Prémio Nobel que se outorgaria às suas letras. Se antes existiam apenas sessenta e cinco livros de autores portugueses traduzidos para alemão, a Feira do Livro de Frankfurt permitiu que tão-só no período de um ano aparecessem as versões de mais quarenta livros. Este sucesso não atingiu, contudo, do mesmo modo a literatura brasileira nem, além disso, facilitou quando mais não seja que a recepção dos autores de cada um dos dois países se tornasse mais fluída no outro espaço. Foi exequível, pelo contrário, verificar nesse evento a contradição de que a mesma língua, mais do que a diversidade idiomática, possa chegar a ser um obstáculo, ao menos em termos editoriais, na difusão correspondente das literaturas portuguesa e brasileira. Efectivamente, o editor portu- guês não comprava na Feira do Livro de Frankfurt os direitos de edição de títulos brasileiros e a mesma era a atitude em sentido inverso, isto é, o editor brasileiro no que diz ao livro português, de maneira que se continuou a perpetuar assim a distribuição das

literaturas respectivas em ambos os países através de importado- res, os quais não raro dificultam mais o trânsito literário entre fron- teiras do que os tradutores.

Seja como for, é necessário revelar uma certeza incontestá- vel quanto à projecção internacional das letras portuguesas e bra- sileiras. Está-se a fazer referência à sua dissemelhante expansão, visto que as primeiras alcançaram um grau de conhecimento mais elevado ainda de cada vez, designadamente como consequência do Prémio Nobel concedido a Saramago, que as letras brasileiras não conseguiram, e isso com independência da rica qualidade que oferece tanto uma literatura como a outra, sem nítidas diferenças a este respeito. Se se adopta como ponto de partida o âmbito espanhol, por exemplo, não é comparável o peso da presença por- tuguesa e da presença brasileira entre os leitores deste país por meio de traduções. Conquanto não se tenha chegado ao limite mais satisfatório, é interessante registar o número de obras de autores portugueses vertidas em Língua Espanhola, enquanto os autores brasileiros se contabilizam ainda em quantidade pouco suficiente. Realmente deve-se dizer que apenas é exequível ler em espanhol a obra de autores assinalados da literatura brasileira, mais uma excepção do que um acontecimento sistemático, graças ao esforço teimoso de alguns tradutores a imporem as suas prefe- rências perante as editoras.

Talvez não haja que rejeitar para esta desigualdade ser assim a cercania, tanto em termos geográficos como culturais, de Portu- gal com relação a Espanha e a distância do Brasil3. Trata-se de

uma explicação aceitável que é adequado matizar, no entanto, com outras notas de índole idiomática sobre a peculiaridade da língua literária brasileira. Há que confessar, antes de mais, que fica longe de qualquer intenção aqui encarecer a diversidade palpável, sem- pre menor, aliás, do que a unidade, entre a modalidade americana e a modalidade europeia da Língua Portuguesa. Não é difícil com- preender sem prejuízos enfadonhos que a larga difusão do portu- guês no mundo, a ocupar espaços muito afastados entre si, tivesse como consequência a variedade legítima que o idioma apresenta hoje em dia. Uma análise dos traços particulares de cada modali- dade realizada de uma perspectiva restritamente filológica con- duz, efectivamente, a fixar a sua natureza comum no conjunto do mesmo sistema linguístico, e isso a despeito da existência de cor- rentes, de forma paradoxal até a surgirem na antiga metrópole, interessadas em traçar diferenças abertas e inconciliáveis entre

as diversas normas da Língua Portuguesa.

Ora bem, esta situação descrita, susceptível de ser examina- da com conceitos filológicos transparentes, reclama uma aproxi- mação mais pormenorizada do ponto de vista tradutológico. E é que parece complicado negar em princípio a realidade de uma língua literária brasileira singular, por vezes não ajustada às con- venções da língua escrita comum, que encerra repercussões evi- dentes, nem sempre de fácil abordagem, para a sua desembara- çada circulação exterior por meio da translação a outros idiomas. Como se sabe, cumpre estabelecer a vontade definitiva de criar uma língua literária de signo nacional, após tentativas primigénias no período romântico, especialmente a partir do Modernismo, cuja revolução estética há-de significar o desejo irrefreável de renovar a linguagem no território da criação literária. Para lá de excessos ostensíveis de alguns autores, é por via de regra aceite que a ousa- dia modernista supôs a vantagem de a literatura brasileira granjear uma língua privativa pouco distante dos seus referentes mais vivos e, aliás, de grande virtualidade artística. Bem certo é que na maior parte dos primeiros modernistas apenas se percebem actos de escrita individuais, arbitrários portanto e sem procurarem a unicidade de uma norma no seio da língua literária, mas isso não evita reconhecer, através das suas experiências tão versáteis, o gérmen possante de um instrumento idiomático tão marcadamente nacional quanto afastado da rigidez lusitana. Embora não seja agora a melhor ocasião para aprofundar neste novo horizonte que o rom- pimento modernista delineou no panorama literário brasileiro, sirva ao menos como amostra o conhecido testemunho do poeta Raul Bopp, tão revelador como os famosos versos de Manuel Bandeira em idêntico sentido no poema “Evocação de Recife”:

Leis da gravidade do idioma e seus valores incógnitos. A gramática atravessou o oceano e ins- talou-se na Casa Grande, com as suas fórmulas vernáculas, preocupada com purismos lusos na maneira de dizer. Não ouvia as vozes de lá fora. Mas o Brasil amansou o idioma... a linguagem, nas suas múltiplas relações de cultura, foi-se diferençando das usadas em livros de além-mar.4

Esse processo de nacionalização, por assim dizer, da lingua- gem inerente às letras brasileiras contemporâneas favoreceu des- de então, acima de tudo, a existência de um sistema literário com

fisionomia inconfundível, sem vínculos estreitos demais com a litera- tura portuguesa. Mas primeiro o Romantismo e nomeadamente o Modernismo mais tarde propiciaram dessa maneira, além disso, a consolidação de um veículo expressivo que permite identificar um certo pendor da língua literária brasileira. Com efeito, nessa linguagem artística é preciso pôr em lugar de destaque a sua extremada liberdade de sabor invulgar, repleta de flexibilidade e de imaginação verbal. Tudo consistiu em sobrepor formas actuais às raízes já conhecidas com anseio indagador, sem medo a misturar elementos de origem variegada e até afortunados achados, o que determinou a constituição de uma língua literária de complexo tratamento para ser traduzida noutros âmbitos culturais. No mesmo campo da tradução, mas agora no que diz respeito a essa linguagem como ponto receptor e não na qualidade de fonte emissora, é oportuno trazer à baila as experimentações de Augusto e Haroldo de Campos com a obra de diversos nomes da literatura universal —Ezra L. Pound, James Joyce, Mallarmé, Maiakovski, Paul Valéry, Goethe, Lewis Carroll, Keats...— que revolucionaram a língua literária e, por essa razão, deparavam um atraente repto de tradução5. Não apenas inexistentes

em Portugal, mas também desditosamente irrealizáveis, tais experimentações de Augusto e Haroldo de Campos desvendariam uma atitude idiomática de semelhante carácter inovador, a alargarem, neste caso, a dimensão da língua própria graças à influência da língua estrangeira que se traduz.

Um experiente tradutor de textos lusófonos no âmbito hispâni- co expunha, não há muito tempo, a reflexão de a língua literária brasileira, por ele mesmo qualificada significativamente como modelo das línguas do século XXI, ser um instrumento vulcânico de ímpeto essencialmente renovador6. O seu magma seria um conjunto léxico

e uma modelação sintáctica de proporções trasbordantes, fruto de uma realidade proteica que é um resumo do mundo e desafia o tradutor com inúmeros segredos. Um universo original, enfim, com uma cultura multiforme em que se torna saliente a sugestiva presença de diferentes tradições, as quais se manifestam no vocabulário através de um património opulento e na sintaxe por meio de uma agilidade irreprimível. Este tradutor citado tem vertido em espanhol várias obras de autores como João Ubaldo Ribeiro, Autran Dourado, Clarice Lispector ou Rubem Fonseca, sempre a preservar o pendor da língua literária brasileira embora por vezes esse esforço apenas merecesse a derrota, como aconteceu com o romance Tebas do

ano de batalhas contra uma sintaxe que rompia premeditadamente qualquer linearidade do pensamento. Tratar-se-ia de um fenómeno expressivo análogo ao que surge na modalidade americana do espanhol, manancial também de novo sangue que se transfunde, a dar uma outra vida, para um idioma que é tão antigo como o português7. É conveniente trazer à colação, a fim de perceber as

dificuldades paralelas que suscita a tradução da narrativa hispano- americana, o seguinte depoimento sobre uma versão alemã da sua obra feito pelo escritor guatemalense Miguel Ángel Asturias, também Prémio Nobel da Literatura:

O tradutor de romances latino-americanos tem que ter uma potência poética. Se ele, no fundo, não é poeta, se ele não sabe traduzir euforicamente os nossos livros, o leitor alemão nunca terá uma im- pressão remota do que seja a nossa literatura. O nosso espanhol é uma língua que se move numa escala amplíssima, e esta escala que se permuta em estações do sentir, do adivinhar, do pensar - exatamente nesta ordem - requer que ela seja traduzida na maneira em que se expressa no origi- nal. O tradutor de nossa literatura tem que estar a par do que acontece em nossas terras, ele tem que saber que nossas obras são a resposta a esta reali- dade viva e em transformação.8

Esse é um pensamento que Meyer-Clason, tradutor para ale- mão de Guimarães Rosa, põe de relevo de caso pensado com o alvo de patentear a complexidade tradutora da língua literária bra- sileira e, mais em concreto, os abrolhos que levanta qualquer ver- são noutro idioma do autor de Grande sertão: veredas. Guima- rães Rosa, justamente, pode servir de valiosa ilustração para reve- lar os efeitos tradutológicos da capacidade verbal dos autores bra- sileiros, embora seja necessário aceitar, por suposto, que é um escritor de grande singularidade nesse sentido. É verdade que a obra literária de Guimarães Rosa representa, por si só, uma aven- tura expressiva de génio excepcional no próprio panorama das letras brasileiras, porquanto o seu estilo indefinível significa uma audaz proposição que liberta a linguagem até ao infindo. Não se está aqui, como bem se sabe, perante um instrumento comunica- tivo de base colectiva, mas antes é um discurso de perfil abstracto, quase de pura ficção, que mistura ingredientes naturais e artifici- ais para explorar, com fôlego altamente criativo, as próprias possi-

bilidades do idioma português9. Consoante o seu axioma de que

tão-só renovando a língua é que se pode renovar o mundo10, Gui-

marães Rosa enriquece a expressão, efectivamente, com critérios intransferíveis que nascem sobretudo da sua subjectividade inaca- bável. Foi dito quanto a isso, e é uma equação susceptível de ser aceite, que o seu idiolecto dispõe de um alcance vivificador equiparável à fertilidade que o discurso literário brasileiro fornece ao sistema linguístico português11. Esse carácter solitário da expe-

riência estilística de Guimarães Rosa porventura seja a interpreta- ção última que convem dar àqueles versos iniciais do poema “Um chamado João”, de Drummond de Andrade, vindo à luz apenas três dias após o falecimento do escritor: Sertão místico dispa-

rando / no exílio da linguagem comum?12

Apesar de o código de Guimarães Rosa ser uma descoberta individual, a mágica revelação da sua linguagem representaria, to- davia, uma amostra levada até ao extremo do gosto renovador tão fecundo da língua literária brasileira13. É conhecido que as primeiras

experimentações modernistas implicaram mormente a transforma- ção da língua no género poético, enquanto a prosa, por sua vez, opunha mais resistência a qualquer mudança radical. Há-de corresponder a Guimarães Rosa a propagação bem sucedida desse alento vanguardista no campo da ficção, a dar lugar assim a uma prosa de espírito inovador que acrescentava à radicalização vocabular dos modernistas uma sintaxe revolucionária14. A capacidade supre-

ma do autor de Noites do Sertão para criar um estilo original vincu- lar-se-ia, portanto, ao mesmo curso da história das letras nacionais e seria uma prova deslumbrante, para lá da sua natureza privativa, do poder verbal que não raro é traço comum na literatura brasileira. Segundo se pode observar com clareza no seguinte depoimento, Guimarães Rosa era consciente do vasto catálogo de recursos ao dispor do escritor brasileiro, e não do escritor português, para desen- volver uma língua literária de alargado signo criativo:

Deve-se apenas partir do princípio de que há dois componentes de igual importância em mi- nha relação com a língua. Primeiro: considero a língua como meu elemento metafísico, o que sem dúvida tem suas consequências. Depois, existem as ilimitadas singularidades filológicas, digamos, de nossas variantes latino-americanas do portu- guês (...). Temos de partir do facto de que nosso português-brasileiro é uma língua mais rica, inclu-

sive metafisicamente, que o português falado na Europa. E além de tudo, tem a vantagem de que seu desenvolvimento ainda não se deteve; ainda não está saturado. Ainda é uma língua Jenseits

Von Gut und Bösel —Além do Bem e do Mal—, e

apesar disso, já é incalculável o enriquecimento do português no Brasil, por razões etnológicas e antropológicas. (...). Naturalmente, tudo isto está à nossa disposição, mas não à disposição dos portugueses. Eu, como brasileiro, tenho uma es- cala de expressões mais vasta que os portugue- ses, obrigados a pensar utilizando uma língua já saturada.15

Uma outra razão justificaria ainda a escolha de Guimarães Rosa para desvendar as consequências tradutológicas da riqueza expressiva dos autores brasileiros, e é a ampla difusão internacio- nal dos seus livros através de um bom número de versões noutras línguas16. Mesmo não é complicado registar o seu interesse pelo

fenómeno da tradução, graças sobretudo a alguns testemunhos entre os quais se tornam especialmente salientes os contactos epistolares com Meyer-Clason, já citado, tradutor para alemão das suas obras, e com Edoardo Bizzarri, responsável de algumas versões italianas17. Esse interesse de Guimarães Rosa cimenta-

va-se, por suposto, na sua multíplice competência linguística, a abranger diferentes idiomas como o espanhol, o francês, o italiano, o inglês, o alemão, o russo, o sueco ou o holandês. Também se firmava, no entanto, numa perspicaz compreensão do processo tradutor no território da literatura, mais ainda no que tem a ver com uma obra de aclimatação tão intricada noutras realidades culturais como era a dele18. Guimarães Rosa revelou, com efeito,

uma inteligência total da profícua comunhão entre criador e tradu- tor, o que é frequente hoje em dia com excelente resultado na maior parte dos casos mas que ainda na altura parecia esquisito19.

Sabe-se que ele acompanhava a tradução das suas obras noutras línguas, a contribuir valiosamente assim para esclarecer dúvidas pontuais, nomeadamente de índole léxica, ou para iluminar passos obscuros de leitura inacessível. Os abrolhos que os seus textos deparavam ao tradutor foram chamados de procustos pelo enge- nho irónico do próprio escritor, em alusão às conotações lancinantes e tirânicas do leito de ferro em que Procues, assaltante da Ática, torturava os viajantes20. Inclusivamente Guimarães Rosa, além

desta disposição cordial perante as hesitações dos seus traduto- res, era capaz de reconhecer com generosidade a hipótese de uma versão bem aprumada chegar a preencher o sentido da obra original, como se sublinha nestas palavras de afervorada aprova- ção a respeito das edições italianas feitas por Edoardo Bizzarri:

Sem piada, mas sincero: quem quiser realmen- te ler e entender Guimarães Rosa, depois, terá de ir às edições italianas.21

A fim de ter em vista o exemplo de Guimarães Rosa com o objecto de demonstrar as particularidades de trasladar a língua literária brasileira caberia aduzir, de resto, uma última motivação não menos