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Salvato Trigo, da Universidade Fernando Pessoa

exercido sobre Angola a partir desses meados do séc. XVII até ao último quartel do séc. XVIII, a que se seguiu um interregno de quase meio século ate à Lei Áurea.

Tal influência política e cultural traduzia-se, designadamente, pela interferência directa do Brasil na nomeação de governadores - gerais e de responsáveis militares, mas também na subordinação de algumas terras de Angola à autoridade religiosa de certas cida- des brasileiras. Se, até ao último quartel do séc. XVIII, as rela- ções angolano-brasileiras tinham uma base essencial e exclusiva- mente económica que, como se disse, o tráfico negreiro sustenta- va, a partir daí entra-se na fase de um relacionamento também cultural, na mais lata acepção do conceito de cultura. Na realida- de, parece ter sido com os exilados da Inconfidência Mineira, ex- pulsos para Angola, que irá dar-se início a um interesse mais cul- tural pelo Brasil, o que, aliás, Gregório de Matos, o satírico poeta baiano, também ele exilado no séc. XVII, havia tentado sem gran- de sucesso. Desta feita, porém, ou porque tivessem vindo mais ou porque as condições contextuais fossem melhores, o interesse pela cultura e pela literatura do Brasil crescerão exponencialmente. É que uma boa parte dos inconfidentistas idos para Angola era de intelectuais esclarecidos e letrados que, por força desse estatuto agitaram a morrinha da vida cultural angolana que, nesse tempo, teria como principais protagonistas alguns militares e um que outro funcionário da administração pública.

Não obstante, os resultados desse contágio cultural poderem ter sido consideráveis, a verdade é que ele (o contágio) não foi responsável pelo despertar serôdio de uma consciência cultural e política nacional que, no caso de Angola, só emergería no séc. XIX já num contexto mais claro.

O governador-geral Sousa Coutinho, dando mostras de visão estratégica sustenta a necessidade de reduzir, se não neutralizar, a pesada influência económica e política que o Brasil exercia em Angola. Conseguiu parcialmente os seus objectivos afirmando uma autoridade praticamente incontestada, na defesa de interesses pró- prios da colónia, fora da lógica da cooperação com o Brasil. Aliás, este assomo de angolanismo colonial tinha já um precursor em João Fernandes Vieira, o governador “brasileiro” que, modelando a sua administração pela do Brasil, procurou sanear o governo dos “germes deletérios da governação ultramarina” porque sabia que “não poderia manter-se o domínio (português de Angola) sem bases económicas estáveis”. Era, todavia, visto no Brasil como um

indianista confesso, tendo, por isso mesmo, dado um impulso con- siderável ao movimento dos “resgatados africanos” que atraves- saram em barcos negreiros o Atlântico sul. Destinava-se essa política a obter fortes recursos financeiros para o desenvolvimen- to local da colónia e, assim, diminuir paulatinamente a sua depen- dência económica do Brasil. Diga-se, entretanto, que Fernandes Vieira beneficiou, para o efeito, da acção desenvolvida pelo seu antecessor, Luís Martins de Sousa Chichorro, o homem que, em 12 de Outubro de 1656, recebeu a submissão da celebrada Rainha Jinga, da Matamba, personagem que alimentou até aos nossos dias o imaginário poético de muitos dos escritores angolanos.

Esta política de afirmação de uma autoridade local própria seguiu-a também um outro governador “brasileiro”, André Vidal de Negreiros, o estratega da defesa de Angola contra os ataques da pirataria que se acentuaram, após a expulsão dos Holandeses, e que punham em causa a estabilidade da vida económica da co- lónia e a sua ligação comercial ao Brasil.

A coroa portuguesa ficava, entretanto, um pouco à margem deste relacionamento económico Angola-Brasil e dos seus efeitos na colónia africana, especialmente aqueles que se sentiram no

hinterland centro-sul da região de Benguela, durante a governação

de João Fernandes Vieira que, de alguma forma, facilitou o apareci- mento de grupos locais fechados muito ligados a congéneres brasileiros e que serviram de semente ao futuro movimento dos Kuribekas benguelenses, nos séc. XVIII e XIX, espécie de exten- são local da maçonaria brasileira. A coroa portuguesa despertaria, entretanto, e não da melhor forma, para a administração directa da colónia, quando D.Afonso VI nomeou governador Tristão da Cu- nha, cuja administração foi catastrófica na relação com os sobados gentios, fontes insubstituíveis de abastecimento de “peças” para a pujante economia brasílica. Dois anos após a sua posse, Tristão da Cunha é obrigado a fugir de Angola devido a uma sedição militar, sendo, então, substituído, em 4 de Novembro de 1668, pelo Conde de Alvor, Francisco de Távora, que aos 22 anos passa a ter respon- sabilidade de capitão-general e de governador de Angola.

Francisco de Távora exerceu um governo extremamente positivo para os interesses da colónia que realinhou de novo com o Brasil. Mereceu bem o cognome de “Menino Prudente” com que os sectores económicos e políticos de Angola o brindaram, teste- munhando o equilíbrio com que conduziu a sua administração. A braços com sublevações várias dos nativos, herdadas em grande

parte do governo do seu antecessor, Francisco de Távora, ele e o governador e capitão-general do Brasil, Afonso Furtado de Cas- tro de Rio e Mendonça, primeiro Visconde de Barbacena, organi- zaram uma expedição militar, vinda do Rio de Janeiro, durante o ano de 1673, para submeter sobas rebelados contra a estratégia negocial dos negreiros que enxameavam o território angolano, apresando mão-de-obra para as plantações de açúcar.

Esta vinculação de Angola com o Brasil e o entretecimento de relações políticas, económicas e militares daí advenientes, seria con- tinuada e aprofundada pelos governadores a vir, normalmente à media de um cada triênio. Refira-se que esse aprofundamento teve, de novo uma boa expressão com Lourenço de Almada, que, em 20 de novembro de 1705, tomou posse do governo de Angola que deixou em 4 de outubro de 1709, para partir para o Brasil para exercer idêntico cargo, a partir de 1710. O sucessor de Lourenço de Almada, que em Angola ficou conhecido como moralizador dos negócios e dos costumes e por isso incómodo para a burguesia das duas margens do Atlântico Sul, foi António de Saldanha de Albuquerque Castro de Mesquita Lobo de Andrade de Ribafria, outro brasileiro que se distinguiu, sobretudo, pela luta contra a pirata- ria e contra as guerras tribais e do Kuata-Kuata desenfreado.

Poderíamos continuar a fazer o inventário destas ligações administrativas de Angola ao Brasil que tiveram em Rodrigo César de Meneses, antes governador de São Paulo, João Jacques Ma- galhães e António Almeida Soares Portugal Alarcão Eça e Melo, Conde de Lavradio, os últimos três protagonistas, antes que se entrasse no chamado período do fomento pombalino iniciado com António Álvares da Cunha, Conde da Cunha, em 1753. Não vale- rá, porém, a pena, porque já temos matéria suficiente para contextualizar o ambiente político-cultural angolano-brasileiro que poderia potenciar uma influência no domínio da expressão literá- ria, que, todavia, não existiu naquela colónia de África, se uma influência no domínio da expressão literária, que, todavia, não existiu naquela colónia de África. se não a partir de 1845, pela introdução tardia do prelo pelo Governador Pedro Alexandrino da Cunha. Doutro modo, não se compreenderia por que motivo Gregório de Matos, degredado em Angola nos últimos anos da sua vida, não teve seguidores ou epígonos de uma poesia, como a sua, burlesca e satírica quanto bastava, e cáustica na crítica à política de admi- nistração colonial e militar portuguesa.

testemunhar uma insurreição militar de tropas mal pagas e maltra- pilhas com que teve de lidar o governador Henriques Jacques de Magalhães. Esse testemunho serviu-lhe para vergastar com a sua fácil verve poética a degenerescência política e moral da colónia de Angola, por semelhança, aliás, com o que havia feito em diver- sas ocasiões quanto ao governo da Bahia e do Brasil. Se Gregório de Matos não deixou epígonos, pelo menos conhecidos, em Ango- la, isso também pode significar que a indigência cultural no seu tempo de degredo, seria muito grande e, por isso, os grupos com alguma capacidade para as musas (militares missionários e um que outro funcionário. Isto é, não haveria em Angola destes finais do sec. XVII condições culturais para a emergência de uma acti- vidade literária por parte dos filhos da terra, o que, aliás, transparece claramente da História Geral das Guerras Angolanas (séc.XVII) de António de Oliveira Cadornega, que, tendo aí vivido por mais de meio século, desde o governode Pedro César de Meneses (1639) até a administração de D. João de Lencastro (1691), não conseguiu registar dessa actividade mais do que a Décima (1647) do capitão António Dias de Macedo, filho da terra, que não foi além de um hesitante texto crítico-satírico sobre a arrogância de alguns administradores de segunda linha.

Uma explicação possível para essa indigência poderá ser tam- bém o facto de, então, não existir em Angola ainda uma sociedade de base mulata ou parda como a que existia no Brasil e da qual Gregório de Matos foi, seguramente, o primeiro poeta, pondo em destaque as suas qualidades, designadamente, as intelectuais e de beleza, para exasperação dos europeus:

É parda de tal talento,

Que a mais branca e a mais bela, Poderá trocar com ela

A cor pelo entendimento.

Mas, se, por um lado, os promovia poeticamente, por outro lado, também os criticava:

Muitos mulatos desavergonhados, Trazidos sob os pés os homens nobres, Posta nas palmas toda a picardia.

cos e sociais da época, minados por uma fidalguia que o mesmo Gregório de Matos, aliás, nascido numa abastada família de senho- res de escravos, filho de Gregório de Matos, fidalgo da série de Escudeiros em Ponte de Lima, e de D. Maria da Guerra, “matrona da Bahia”, zurziria no célebre soneto “A Fidalguia do Brasil”:

Há cousa como ver um Paiaiá Mui prezado de ser caramuru, Descendente do sangue de Tatu, Cujo torpe idioma é cobé pá? (cobessa) A linha feminina é Carimá,

Moqueca, pititinga, caruru, Mingau de puba, vinho de caju Pisado num pilão de Pirajá. A masculina é aricobé

Cuja filha Cobé um branco Paí Dormeu no promontório de Pacé. O branco era um Marau, que vejo aqui: Ela era uma Índia de Marí:

Cobé pá, aricobé, cobé, paí.

Regressado a Pernambuco, onde lhe autorizaram ir morrer, não deixou, então, Gregório de Matos verdadeira semente poética em Angola que germinasse antes da primeira metade do século XIX, desta feita já por intermediação de Castro Alves, de quem terá sido verdadeiro precursor. De facto, mulatizada já considera- velmente Angola, sobretudo em Loanda e no hinterland benguelense (o que, aliás, deu a Benguela o epíteto, também poé- tico, de Praia Morena) a plêiade de nativistas contestatários iria inevitavelmente surgir. Isso mesmo se constata, por exemplo, num relatório de Nicolau de Abreu Castelo Branco, governador e capi- tão-general do reino de Angola, onde se insurge contra “as ideias subversivas dos Demagogos, (que) têm chegado a toda a parte do Mundo, influindo segundo as conveniências aos diferentes indiví- duos, que os inspiram”, juntando-se em “clubes muito recônditos”, sendo o maior número de adeptos os mulatos, e onde, então se forjava a revolução na colónia, a fim de se unirem “à causa do Brasil” recônditos”, sendo o maior número de adeptos os mula-

tos, e onde, então se forjava a revolução na colónia, a fim de se unirem à causa do Brasil”.

Era, como vimos atrás, o fenômeno Kuribeka a funcionar liga- do estreitamente à maçonaria brasileira, impulsionada, aliás, por uma profunda crise que, desde os finais do século XVIII, tinha tomado conta de Loanda e de Angola, acentuando-se por toda essa primei- ra metade do séc. XIX. É neste cenário de crise que as influências literárias brasílicas, especialmente as de cariz mais nativista e exóti- co do que propriamente as de cariz social (estas só emergirão pelo início do século XX, para se manifestarem amadurecidas apenas nos anos 40 e 50), começaram a notar-se mais em Angola.

Será José da Silva Maria Ferreira, nascido em 1827 e embar- cado para o Brasil em 1834 acompanhado por duas irmãs para seguir estudos, no dizer do historiador angolano Carlos Pacheco, o introdutor na literatura de Angola, por influência do Brasil, do “nativismo como precursor do nacionalismo” que brotaria, a partir da década de 50, com o movimento da Vamos Descobrir Angola. A estada no Rio de Janeiro permitiu a Maia Ferreira o contacto com os meios intelectuais e literários locais, sobretudo através das lojas maçônicas que vieram a originar os tais “clubes recônditos”, valen- do-se da experiência e da leitura dos vates brasileiros para escrever um poema a cantar a sua terra com glosa conhecida:

Minha terra não tem os cristais Dessas fontes do só Portugal, Minha terra não tem salgueirais, Só tem ondas de branco areal. (...)

Não tem vates por Deus inspirados, Que decantem um Gama, um Moniz, Que em seus feitos com loiros ganhados Deram lustre ao nativo país.

(...)

- Mas que, minha terra

Não ten vate por Deus inspirado, Não é pátria do divo Camões Tão poeta, quão bravo soldado. Não é pátria dos vates da América Que em teus cantos, com maga harmonia, Na Tijuca em seu cume sentado

Nada tem a minha terra natal Que extasie e revele primor, Nada tem, a não ser dos desertos A soidão que é tão grata ao cantor. E tu, Poeta bem fadado,

Que na gentil Guanabara Tantos cantos tens cantado À tua pátria preclara, Recebe este meu canto De amargor e de pranto, Sem belezas, sem encanto, À minha pátria tão cara.

Leitor seguramente de O Uraguay de José Basílio da Gama e outros, Maia Ferreira evidencia em toda a sua poesia uma sintonia com os ideais de liberdade e do liberalismo político de que o Rio de Janeiro era, no seu tempo, autêntico cadinho. Pelo início do século XX, em Angola, em Lourenço do Carmo Ferreira e em Jorge Rosa, encontramos expressão poética desses ideais moldados na poesia brasileira de cariz nacionalista. Mas estas vozes de ango- lenses nacionalistas seriam eclipsadas por quase meio século, para darem lugar a uma poesia angolana de orientação nitidamente colonial que vai buscar grande parte da sua inspiração em Gonçal- ves Dias e Casimiro de Abreu, não pelo que tinham de mensa- gem, mas pelo exotismo semantico revelado. É assim que o indigenismo das paisagens física e humana do Brasil capta mais a atenção de poetas menores como João Baptista Pereira que, nos anos 40, glosa a célebre “Canção do exílio”:

Nos parmêra do Brasil Canta, canta o sabiá; Seja em Março ou em Abril Passa os dias a cantá. Dizem que canta a soidade Coisa triste como o luto – Deste branco da cedade Que não mais voltou ao Puto.

E os gentes sonha ao ouvil O sabiá do Brasil!

Castro Alves, entretanto, irá repercutir na poesia da geração da Mensagem da Literatura Angolana, sendo só expressamente convocado por João Maria Vilanova, um poeta angolano heterónimo mais do que pseudónimo, na sua “Canção do Navio Negreiro”, já na década de 70. Aliás, João Maria Vilanova preferiu o regresso à genuidade romântico-revolucioária de Castro Alves, não seguin- do, portanto, os caminhos do Modernismo Brasileiro que Maurício de Almeida Gomes e Geraldo Bessa Victor anunciavam como os mais adequados para modelarem a poesia de Angola, desde Ma- nuel Bandeira e Ribeiro Couto a Jorge de Lima que Viriato da Cruz invocaria. Mário António de Oliveira, esse, preferiu Jorge Amado para inspirar-lhe o poema sobre Jubiabá e António Balduíno, na linha da Terra Nova, lá na Luanda dos muceques.

A Língua Portuguesa, esta língua que hoje põe em comunica- ção quase 200 milhões de falantes é favorecida por uma longa e preenchida memória escrita que se aproxima dos 800 anos. Temos dois textos autênticos do princípio do século XIII, que prolongaram e conservaram, até aos nossos dias, na sua configuração material, esses gestos instituidores que fizeram do romance falado no noroeste da Península Ibérica uma língua escrita. O Testamento de D. Afonso

II,1 que se preserva mesmo em duplicado, é de 1214, e a Notícia de

Torto,2 não estando embora datada, deve ter sido escrita pela mesma

altura. Cerca de trezentos anos depois, foi esta língua escrita pela primeira vez no Brasil, num texto igualmente instituidor e, de algum modo paralelo do Testamento de D. Afonso II, que é a Carta do “achamento desta vossa terra nova”, escrita por Pero Vaz de Caminha.3500 anos depois, é justamente essa língua, que ainda

falamos e escrevemos, que nos reune aqui, como um lugar de encontro, simultaneamente natural e cultivado, língua materna e fraterna, pátria por sobre as pátrias, na qual depositamos as nossas complacências e a esperamça de que a nossa voz chegue longe.

Gostaria de propôr uma breve apreciação do ritmo de varia- ção diacrónica, estabelecendo uma comparação entre os primei- ros 300 anos de escrita da Língua Portuguesa (desde o Testamen-

to de D. Afonso II até ao séc. XVI), e o percurso histórico cor-

respondente aos últimos 500 anos, desde a Carta do achamento

do Brasil, até aos nossos dias.

Para um falante do português, hoje, a Carta do séc. XVI oferece uma grande transparência e uma quase total legibilidade. É obviamente muito mais legível do que os dois textos do início do

O léxico arcaico na história