• Nenhum resultado encontrado

Retornos à educação: evidências de abordagens comparativas

2 EVIDÊNCIAS

2.1 SOBRE PREMISSAS NEOCLÁSSICAS

2.1.2 Retornos à educação: evidências de abordagens comparativas

Análises comparadas constituem importante meio para investigar o alcance da relação entre educação e rendimentos como explicação para a dispersão salarial. É a esse tipo de análise que muitos trabalhos têm se voltado no contexto do aumento da desigualdade salarial em países desenvolvidos ― contexto em que, como vimos no capítulo anterior, tem se observado crescente consideração ao papel de instituições formais do mercado de trabalho. Com relação aos retornos salariais à educação, muitos trabalhos têm se dedicado a comparar a importância de diferenças na estrutura educacional (e na demanda por determinadas qualificações) com outros fatores menos considerados pela ortodoxia.

Em estudos comparativos, os retornos à educação ― o efeito de um ano adicional de estudo, ou de determinado nível de escolaridade, sobre os rendimentos ― são geralmente analisados a partir de dois efeitos. A distinção entre ambos é pouco explorada na literatura brasileira (SILVA et al., 2016). O primeiro, o efeito “quantidade”, diz respeito aos impactos de variáveis observáveis de capital humano (como anos de estudo) sobre a desigualdade salarial. O segundo, o efeito “preço”, é a sensibilidade dos salários à qualificação; os retornos salariais à educação (e a desigualdade salarial) podem responder a variações dessa sensibilidade mesmo quando não há mudança na distribuição das variáveis de capital humano. Em outros termos, o efeito “quantidade” envolve a distribuição das qualificações dos trabalhadores e o efeito “preço”, a sensibilidade do mercado a essas qualificações; quando se explica a dispersão de rendimentos pela variação dos retornos à educação, ambos os efeitos podem explicar essa variação (BARROS; MENDONÇA, 1995b; BARROS et al., 2007; BLAU; KAHN, 1996; LUSTIG et al., 2012; SILVA et al., 2016).

O ponto a ser sublinhado é que diversos fatores podem explicar o efeito “preço” (BARROS; MENDONÇA, 1995b; BLAU; KAHN, 1996; BROECKE et al., 2017). Como constatam Barros e Mendonça (1995b, p. 46), “a sensibilidade salarial ao nível educacional pode [...] variar ao longo do tempo, ou como uma consequência das mudanças na distribuição de educação ou devido a outros fatores”. Em distintas sociedades pode haver sensibilidades à educação muito diferentes, motivadas por razões que não se limitam à distribuição da qualificação dos trabalhadores ou às forças de mercado.

Em oposição à perspectiva neoclássica, amplas evidências sugerem que diferenças em dispersões salariais entre países não podem ser explicadas pela qualificação dos trabalhadores (proxy de suas produtividades). Jovicic (2016) investiga empiricamente o postulado neoclássico

de que a distribuição salarial é explicada pela distribuição educacional (e/ou de habilidades) em comparação internacional ― ao qual se refere como “hipótese da compressão salarial”.

The wage compression hypothesis is based on the perfect market model and its rigid assumptions. However, many of these assumptions are flawed ― as the empirical analysis of this paper shows. Cross-country differences in wage dispersion cannot be explained by cross-country differences in skill dispersion; [...] there is wage dispersion within skill levels, which is in stark contrast with marginal productivity theory. These arguments are in contrast with theoretical foundations of the wage compression hypothesis. [...] This paper shows that the wage compression hypothesis is not supported by empirical evidence and therefore challenges the theoretical assumptions it is derived from (JOVICIC, 2016, p. 3).

Segundo a autora, os resultados “levam à conclusão de que deve haver alguma outra coisa [além das qualificações e habilidades medidas pelo estudo] que afeta significativamente a estrutura salarial e também a desigualdade salarial” (JOVICIC, 2016, p. 14, tradução nossa). Diversos estudos chegam a conclusões semelhantes: as diferenças entre países não podem ser explicadas pela distribuição de qualificação e/ou habilidade (efeito “quantidade”) (e.g. BLAU; KAHN, 1996, 2005; BROECKE et al. 2017; DEVROYE; FREEMAN, 2001; LEUVEN et al. 2004; MACHIN et al., 2016; PACCAGNELLA, 2014; PENA, 2016).103

Jovicic (2016) e a maior parte desses autores, por constatar que a explicação reside no efeito “preço”, passaram a atribuí-lo às diferentes configurações institucionais ― como salário mínimo e sindicalização ― observadas nos mercados de trabalho dos países (desenvolvidos) analisados. Esses trabalhos sugerem que “explicações em termos de instituições têm mais poder para explicar essas diferenças; [...] a correlação entre várias medidas de instituições e a desigualdade salarial é significativamente maior que a correlação desta última com a desigualdade de habilidades” (JOVICIC, 2016, p. 22, tradução nossa).

Recente estudo de Broecke et al. (2017), no entanto, faz ressalva importante: “Os preços das habilidades não são determinados apenas pelas instituições, mas também pelas forças de mercado ― isto é, a escassez relativa de habilidades”. Se há alta demanda, mas pouca oferta de

103 Concluem Broecke et al. (2017, p. 112, tradução nossa) que, nesses trabalhos, invariavelmente, “diferenças em habilidades são consideradas responsáveis por apenas pequena parcela das diferenças na desigualdade entre países, enquanto papel muito mais importante é desempenhado pelos preços das habilidades (ou seja, como essas habilidades são recompensadas)”. Essa literatura, que utilizava apenas variáveis educacionais como proxy das habilidades (e da produtividade), premissa da teoria do capital humano, passou a incluir dados de testes de habilidades, então mais acessíveis em países desenvolvidos, por constatar que o uso de variáveis educacionais, como anos de estudos, não é ideal para comparação entre países. Modelos mais recentes costumam incluir as distribuições de ambas as variáveis, qualificação educacional e testes de habilidade, que, em grande medida correlacionadas, têm apresentado efeitos semelhantes (PENA, 2016). Antes da disponibilidade dos novos dados, habilidades e qualificações educacionais eram por vezes tratadas como sinônimos (e.g. BLAU; KAHN, 1996). Observa-se, ainda, que os modelos que comparam a desigualdade salarial entre países, via de regra, não são desenhados para inferir causalidade, mas apenas para investigar correlações (BROECKE et al., 2017).

habilidades, explicam os autores, seus retornos provavelmente aumentarão, e vice-versa. Assim, se diferenças no efeito “preço” explicam “a maior parte da diferença na desigualdade entre países, isso ainda poderia ser atribuído a diferenças em políticas que afetam [a oferta e demanda de] habilidades, e não às diferenças em instituições” (BROECKE et al. 2017, p. 112, tradução nossa).104 Os autores lembram, contudo, como fazem outros pesquisadores (e.g. AGELL, 1999; BLAU; KAHN, 2005; LUSTIG et al., 2012), que os dois fatores são “altamente interdependentes”, influenciando-se mutuamente (BROECKE et al., 2017).105

Considerando essa ressalva, o efeito “preço”, não associado à distribuição de qualificações ou habilidades, tem sido geralmente atribuído a instituições formais do mercado de trabalho. No entanto, importa repetir, outros fatores, como convenções sociais (ou instituições informais, mais abrangentes), também podem explicar o efeito “preço” e por que diferentes sociedades abrigam retornos à educação marcadamente distintos ― ponto ao qual voltaremos.106

É com as evidências da comparação entre países que se tornam mais flagrantes as limitações empíricas do entendimento neoclássico da desigualdade salarial (STIGLITZ, 2013). Essas limitações mostram-se especialmente evidentes quando são observadas as disparidades de países em desenvolvimento.

104 Broecke et al. (2017) desenvolvem modelo econométrico para distinguir o peso das forças de mercado e das instituições sobre o efeito “preço” e concluem que “as primeiras são provavelmente ao menos tão importantes quanto as últimas” (BROECKE et al., 2017, p. 123, tradução nossa). Leuven et al. (2004) chegam a conclusões semelhantes. Blau e Kahn (1996) já observavam que os preços das qualificações e/ou habilidades podem ser explicados tanto por sua oferta e demanda relativas como por instituições do mercado de trabalho. A conclusão dos autores, a partir do caso norte-americano, é que os segundos fatores parecem ser muito mais relevantes que os primeiros para explicar diferenciais salariais na comparação com outros países.

105 Por exemplo: Broecke et al. (2017) afirmam que, se o salário mínimo for alto, empresas podem decidir realizar contratações em outros países; se a tributação das maiores rendas for elevada, pode haver desincentivo para determinados investimentos em capital humano.

106 Parte dos trabalhos mencionados apenas presume que o efeito preço deve ser explicado por instituições do mercado de trabalho ― devido à constatação de que a distribuição de qualificações e habilidades não é capaz de explicar diferenciais salariais entre países (e.g. BLAU; KAHN, 2005; JOVICIC, 2016; MACHIN et al., 2016; PACCAGNELLA, 2014; PENA, 2016). Fazer menção a “instituições”, de maneira genérica, é meio frequentemente encontrado por economistas para se referir a fatores sociais, dificilmente incorporados em modelos econométricos (FLEETWOOD, 2008), como discutido adiante. No contexto dessa discussão, Broecke et al. (2017) lembram que instituições do mercado de trabalho são “altamente endógenas”: “sociedades mais homogêneas provavelmente escolhem instituições que refletem isso” (BROECKE et al., 2017, p. 123, tradução nossa).

2.2 SOBRE A DETERMINAÇÃO SALARIAL EM PAÍSES NÃO-DESENVOLVIDOS: O