• Nenhum resultado encontrado

Como as revistas Istoé e Sábado abordam os livros e a literatura: um estudo comparativo

No documento Jornalismo / Periodismo (páginas 195-200)

FLáViA serAFiM

furabia@gmail.com

Universidade do Minho

Resumo

O presente trabalho trata-se de um estudo exploratório que visa averiguar o modo como um semanário brasileiro e um português abordam os livros e a literatura, procurando inserir essa problemática no âmbito do jornalismo cultural. Esta especialidade do jornalismo, de acordo com alguns autores, encontra-se em crise, portanto, além de caracterizar a cobertura que a Sábado e a Istoé realizam acerca de assuntos literários, nos propomosa averiguar se esta dita crise pode ser vislumbrada nas matérias referentes à temática em questão. Algumas das características dessa crise seriam: valorização da cultura do entretenimento ou de massa, crescente carência interpretativa nas matérias e a desvalorização do saber cultural local. Esta comunicação baseia-se numa análise quantitativa de conteúdo de vinte revistas: dez exemplares da brasileira Istoé e dez exemplares da portuguesa Sábado, que foram publicados no período de 21 de agosto a 23 de outubro de 2013. As análises efetuadas permitiram-nos perceber que, no âmbito das matérias sobre literatura, essas publicações apresentam uma desvalorização da cultura local, certa valorização de produtos massivo (em especial no caso da Sábado) e um certo nível de carência interpretativa, evidenciado pela presença significativa de notas jornalísticas, as quais não permitem reflexões por parte do jornalista.

Palavras-Chave: Livros ; literatura; jornalismo cultural; istoé; Sábado

Introdução

A presente comunicação reporta-se a um estudo preliminar sobre o modo como um semanário brasileiro e um português abordam, em suas páginas, os livros e a literatura, procurando inserir a sua problemática no âmbito do jornalismo cultural.

Um número considerável de autores afirma que esta ramificação do jornalismo, na atualidade, está passando por uma crise. Segundo Gadini, é

Uma tendência cada vez mais crescente na cobertura jornalística da cultura no Brasil contemporâneo é a gradual redução do campo cultural ao que se denomina de entretenimento que, não por acaso, significa diversão e passatempo. Assim é que, sob o pretexto de explorar a informação como um serviço, notícia se converte em entretenimento, priorizando a tematização e o agendamento de atividades, eventos e programas que visam à diversão do seu público (Gadini, 2007: 1).

Outra autora que compartilha dessa crença é Guedes, de acordo com a qual o jornalismo cultural, “Assim como outras especialidades da prática jornalística, [...] deixa-se levar pela lógica mercadológica que sorve as outras áreas da vida social”, o que levaria às seguintes mudanças:

[...] carência interpretativa que tem acometido os jornalistas das editorias de cultura dos veículos impressos. Seguindo, vemos a intensa factualidade que cada vez mais vem acompanhando as informações sobre cultura. A desvincula- ção entre os sujeitos e o saber cultural local; a análise ou crítica segmentada e superficial das expressões artísticas, que são tomadas pela sua “forma” concreta: filmes, livros, grandes espetáculos, shows, dentre outros. Estas formas são toma- das sem quaisquer vínculos reflexivo ou cultural, que formam os pilares destas produções estéticas. O que importa é vender o produto cultural, nutrir a indústria de consumo. O que se avalia não é a arte a partir de seu significado para as diversas culturas, mas os “produtos” da arte fragmentados para o consumo breve (Guedes, 2007: 8).

Nesse seguimento, as dimensões principais que serão trabalhadas neste texto são as seguintes: o espaço dedicado a livros e literaturas nas revistas analisadas; a presença (ou não) de alguns dos problemas mencionados acima nas matérias de jornalismo cultural que tratam de livros; a caracterização da cobertura realizada por ambas as revistas no que se refere a livros e literatura.

A comunicação está dividida em quatro pontos. No primeiro, a problemática será tratada, ou seja, as teorias que fundamentaram o presente estudo e auxilia- ram na elaboração das categorias analíticas e das perguntas de pesquisas serão expostas. Em outras palavras, nesse primeiro ponto se efetuará a contextualização da pesquisa. O tópico número dois tratará de especificar a maneira como a pesquisa foi conduzida, ou seja, é uma nota metodológica. Em seguida, os resultados obtidos através da metodologia utilizada, a saber, a análise quantitativa de conteúdo, serão expostos e discutidos. Por fim, serão efetuadas considerações finais.

probleMátIca

Como foi mencionado anteriormente, o jornalismo cultural tem sido retratado como uma área em mudança, e que já viu melhores tempos. Vários autores acredi- tam que a pós- modernidade e o consumismo podem estar prejudicando este campo do jornalismo. Piza (2003), por exemplo, afirma que o jornalismo cultural brasileiro tende a valorizar, na atualidade, o cinema americano, a TV brasileira e a música pop. Guedes, por sua vez, acredita que

No jornalismo contemporâneo, resguardando as devidas exceções, não se faz premente uma depuração analítica da obra de arte, pois a perspectiva merca- dológica, que, em geral, acelera o ritmo produtivo nas redações jornalísticas, oblitera qualquer tentativa de ênfase reflexiva em torno da informação cultural. O que vai prevalecer neste universo de representação discursiva da arte está menos ligado a um procedimento interpretativo e mais vinculado a uma pers- pectiva mercantilista – que tende a orientar para o consumo dos bens culturais (Guedes, 2006: 130 cit. em Guedes, 2007: 8).

Uma vez que o trecho acima afirma que o jornalismo cultural hodierno foca menos na análise das obras, pode-se inferir que gêneros jornalísticos que não favore- çam a reflexão por parte do jornalista, tal como o informativo, sejam mais utilizados nessa modalidade. Lopez e Freire (2007), no entanto, defendem que o jornalismo cultural requer uma cobertura centrada na opinião, logo, para estes estudiosos,

o gênero jornalístico mais presente é o opinativo e a crítica (ou resenha), seria o formato mais representativo do jornalismo cultural. O presente artigo propõe-se a averiguar quais dos gêneros e formatos jornalísticos estão mais presentes nas matérias acerca do tema em questão.

Também é possível encontrar problemas no jornalismo cultural realizado em Portugal. Gadini, por exemplo, acredita que é preciso “[...] atentar para a presença do cinema holywoodiano na cultura portuguesa”, pois “de 1997 para 1999, a presença (da ‘eficácia’) cultural da indústria cinematográfica norte-americana no meio cultural lusitano subiu de 70 para 86% do total de consumo de filmes” (Gadini, 2001: 4). O autor, embora não apresente dados concretos, também acredita que esse panorama se reproduza na área musical. Já Carmo, em seu ensaio acerca do Jornalismo Cultural lusitano, afirma ainda que em Portugal instalou-se “[...] um jornalismo cultural pobre e pouco entusiasmante” (Carmo, 2006: 3). Percebe-se, portanto, através dos pensamentos desses intelectuais, que as questões da globalização também podem estar atuando sobre a prática do jornalismo cultural português.

Reflexões baseadas nos pensamentos ora explicitados permitiram a criação das seguintes perguntas de pesquisa: o espaço dedicado aos livros é menor do que aquele dedicado a outros assuntos de arte e cultura? O jornalismo cultural portu- guês e o brasileiro concentram-se em produções estrangeiras? Quais os gêneros e formatos jornalísticos mais presentes nas matérias relacionadas a livros e litera- tura? Os livros mais abordados são best-sellers, ou seja, aqueles de maior cunho comercial?

A tentativa de responder tais perguntas envolveu a preparação de categorias analíticas que permitiram o escrutínio da amostragem trabalhada. Para efeito desta comunicação, retemo-nos num conjunto estrito de categorias que surgem proble- matizadas por diversos autores. Uma das categorias de análise é a cartografia cultu- ral, a qual, de acordo com Marques de Melo, “[...] molda a fisionomia do jornalismo cultural praticado na sociedade brasileira contemporânea” (Assis, 2008: 9). Esta cate- goria pode ser apreendida através de alguns indicadores, nomeadamente o assunto abordado: massivo, popular e erudito.

Buscou-se classificar os conceitos acima expostos da seguinte forma: os assun- tos populares referem-se à cultura popular, a qual é “[...] feita pelo próprio povo” (Ortiz cit. em Souza, 2010), ou, como diz Certeau (1995 cit. em Souza, 2010: 11), é “a cultura comum das pessoas comuns, isto é, uma cultura que se fabrica no cotidiano, nas atividades ao mesmo tempo banais e renovadas a cada dia”. Já assuntos eruditos remetem à cultura erudita, que seria aquela que “sempre foi considerado a cultura por excelência” (Bosi, 1987: 12 cit. em Assis: 2008: 11) e tem por característica uma arte feita de maneira pensada, elaborada de forma racional. Os assuntos massivos, por sua vez, estão ligados à cultura de massa, a qual se caracteriza “[...] pelo tempo acelerado de produção (indústria cultural) e prende o espectador justamente porque este pouco faz uso de sua memória social, graças a seu cotidiano corrido” (Assis, 2008: 11).

Outra categoria aqui utilizada envolve os gêneros jornalísticos. Decidiu-se, nesse trabalho, pela adoção da classificação de gêneros jornalísticos criada por Marques de Melo, a qual está reproduzida na tabela a seguir.

Gênero Informativo Interpretativo Opinativo Diversional Utilitário

Formato Nota Notícia Reportagem Entrevista Dossiê Perfil Enquete Cronologia Editorial Comentário Artigo Resenha Coluna Crônica Caricatura Carta História de interesse humano História colorida Indicador Cotação Roteiro Serviço

Quadro 1: Nova classificação dos gêneros jornalísticos proposta por Marques de Melo Fonte: Assis, 2008: 8

De acordo com Lopez e Freire (2007) alguns dos gêneros e formatos jorna- lísticos são mais encontrados no jornalismo cultural que os demais, a saber: a reportagem (a qual apresenta-se com um caráter mais interpretativo), a crítica ou resenha, as notas, as notícias, o perfil, a entrevista e a crônica. A reportagem pode ser classificada como um “relato ampliado de um acontecimento com repercussões no campo social” (Melo, 1994 cit. em Lopez & Freire, 2007: 6). Já a notícia “é o relato integral de um fato que já eclodiu no organismo social” (Melo, 1994: 65 cit. em Lopez & Freire, 2007: 7) e “a nota se destina aos acontecimentos que estão em processo de configuração” (Melo, 1994: 64 cit. em Lopez & Freire, 2007: 7).

Para Marques de Melo, a crítica, vista por muitos como formato por excelência do jornalismo cultural, não é um formato jornalístico, pois normalmente é “produzida por especialistas em campos correlatos do conhecimento”. Para este autor, o formato jornalístico equivalente à crítica seria a resenha, a qual é definida como “apreciação das obras de arte ou dos produtos culturais, com a finalidade de orientar a ação dos fruidores ou consumidores” (Melo, 1994: 125 cit. em Lopez & Freire, 2007: 7).

Lopes e Freire afirmam, ainda, que os formatos perfil e entrevista são muito recorrentes no jornalismo cultural, sendo o primeiro caracterizado como “a apre- sentação rápida, esquemática e informativa, de uma figura literária, artística ou intelectual” (Rivera, 2000: 119-126 cit. em Lopez & Freire, 2007: 8) e o segundo como “um encontro combinado entre um jornalista (o entrevistador) e uma figura pública ou privada (o entrevistado) com o objetivo de obter informação desta última e comunicá-la através de um meio gráfico, radiofônico, televisivo, etc” (Rivera, 2000: 119-126 cit. em Lopez & Freire, 2007: 8).

notaMetodolóGIca

Esta comunicação baseia-se numa análise quantitativa de conteúdo de vinte revistas: dez exemplares da brasileira Istoé e dez exemplares da portuguesa Sábado. Tais revistas foram publicadas no período de 21 de agosto a 23 de outubro de 2013 e tiveram um total de 1645 matérias que abordam a temática aqui em questão.

Essas matérias foram trabalhadas como Unidades de Informação, que consis- tem em um critério de contagem dos dados proposto por Violette Morin (1974 cit. em Assis, 2008), em oposição às técnicas de medida da superfície de impressão. A informação coletada foi classificada em número de matérias, tendo sido utilizadas várias categorias classificatórias, as quais foram definidas a priori, com base nas pesquisas efetuadas eaqui explicitadas previamente.

resultados

A recolha de dados demonstrou que as revistas Sábado analisadas possuem um total de 722 matérias jornalísticas, enquanto as edições de Istoé somadas apresentaram um total de 923 matérias. Faz-se interessante observar aqui que as seções que continham coletâneas de frases de celebridades foram contadas como uma única matéria, ao invés de cada frase ser contabilizada individualmente. Tais frases, mesmo quando proferidas por celebridades do ramo do entretenimento, foram consideradas como pertencentes à coluna social. Das dez Sábados analisadas apenas duas traziam chamadas de capas referentes a livros. Nenhuma das Istoé trazia matérias sobre a temática de interesse na capa principal, todavia, a página de chamada da seção denominada Cultura que, obviamente, é dedicada a temas do Jornalismo Cultural, foi totalmente dedicada a livros seis vezes.

Dentro desse número global verificou-se que 202 matérias da Istoé são dire- cionadas à temática da arte e cultura, o que equivale a 21,88% do total. Dessas, 45 abordam livros e literatura, o que equivale a 4.87% do número total de matérias e a 22,27% do número de matérias dedicadas a assuntos culturais. No caso da Sábado os números são os seguintes: 79 matérias dedicadas a arte e cultura (10,94% do total), sendo que 36 dessas dedicam-se a livros e literatura (ou seja, 45,56% do material sobre arte e cultura trata de livros).

No que se refere aos gêneros jornalísticos presentes detectou-se que, na Sábado, o predominante é o Informativo, com 33 matérias pertencentes a esse grupo. Apenas três matérias encaixam-se na classificação do gênero interpretativo e nenhum outro gênero, no tocante às peças jornalísticas que tratam de livros, foi detectado. O formato jornalístico mais encontrado foi a nota (16 matérias), seguido de perto pela reportagem (14). Foram encontradas também duas entrevistas e perfis de quatro escritores.

Na Istoé foram encontrados os seguintes gêneros jornalísticos: o informativo (36 matérias) e o opinativo (8 matérias). No que se refere aos formatos, evidenciou- -se que há uma grande presença de notas (25). O segundo formato mais presente foi a reportagem (10), em seguida veio o comentário (5), depois a resenha (3) e, por fim, a notícia (2).

Optou-se por contabilizar a nacionalidade dos autores e livros abordados, com o intuito de verificar se as publicações ora escrutinadas dão mais espaço a autores da terra ou a estrangeiros e, assim, tentar perceber se as revistas concentram suas matérias na produção estrangeira. O resultado da apuração dos dados permitiu a confecção dos dois quadros seguintes:

Nacionalidade dos escritores e obras que aparecem na Istoé Brasileiros 45 Americanos 7 Italianos 4 Ingleses 3 Portugueses 2 Argentinos 2 Irlandeses 1 Cubanos 1 Mexicanos 1

Nacionalidade dos escritores e obras que aparecem na Sábado

Portugueses 18 Ingleses 14 Americanos 14 Franceses 3 Isalandeses 3 Alemães 2 Espanhóis 2 Italianos 1 Irlandeses 1 Chilenos 1 Sul Africanos 1 Colombianos 1

Quadros 2 e 3: Nacionalidade dos escritores e obras presentes Fonte: elaborados pela autora

A partir de tais quadros é possível perceber que a revista Sábado trouxe um maior número de escritores portugueses em suas páginas, mas o número de ingleses e americanos a figurarem nas matérias da supramencionada revista não fica muito atrás dos portugueses. No caso da Istoé, no entanto, é interessante observar que a quantidade de autores brasileiros presentes ultrapassa em muito a de qualquer outra nacionalidade.

Convém agora tratar das temáticas referentes à arte e cultura que são abordadas nas publicações estudadas. Primeiro, é necessário que se teça uma observação: algu- mas matérias tratavam ao mesmo tempo de dois temas, portanto, há matérias que aparecem em mais de uma categoria, ocasionando um desencontro entre o número total da amostragem e a soma das categorias que serão apresentadas neste momento.

No que se refere à Sábado percebemos que a temática livros e literatura é mais presente do que as restantes. Foram encontradas 22 matérias que tratam de cinema, 19 de artes plásticas, 16 de música, 13 de TV, 5 de fotografia, 5 de teatro e artes performáticas em geral e 1 de arquitetura. Os livros apareceram em 36 maté- rias da presente publicação.

No caso da Istoé, o assunto relacionado à arte que tem mais destaque é o cinema, com60 matérias. Em seguida temos livros e literatura, com 45, música, com 43, artes plásticas com 28, televisão com 21, teatro 19, fotografia 7, dança 3 e design

No documento Jornalismo / Periodismo (páginas 195-200)