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PARTE II CONSTRUÇÕES TEÓRICAS

CAPÍTULO 6 TRAJETÓRIAS DE VIDA DE ADOLESCENTES-PAIS

6.8 Ricardo, o filho do traficante que é um grande pai

Idade: 17 anos

Escolaridade: 8ª série

Situação profissional: não trabalha

Idade da primeira companheira: 21 anos (teve a filha com 19 anos) Idade da segunda companheira: 17 anos

Idade da primeira filha: 2 anos

Idade do segundo filho: a atual namorada está grávida de 2 meses Apresentação do adolescente

Ricardo é um rapaz alto, magro, de cabelo e olhos claros. Apresenta-se vestindo um casaco de couro preto e na mão traz um capacete. Pela aparência e qualidade das roupas destoa dos adolescentes que freqüentam o CDS. Diz ter vindo com a moto do irmão mais velho, que pegou emprestada sem avisar. Quando indago se essa atitude não lhe trará complicações, o adolescente diz que esse é um hábito comum na família. Ricardo se expressa com dificuldade e mostra-se incapaz falar de seus sonhos e projetos. Quando indagado sobre os mesmos argumenta: ah! Isso tem que ver na hora. História e situação familiar

Ricardo é o primeiro filho do Sr. J. e da Sra. M. Tem um meio-irmão de 21 anos e uma meia-irmã de 19 anos (ambos filhos apenas da Sra. M. com dois companheiros diferentes, ambos com longas passagens pela justiça). O adolescente mora atualmente com o pai e durante muitos anos morou apenas com os irmãos (todos menores de idade e assistidos pelo CDS), pois nesta época, sua mãe – também com várias passagens pela justiça – e seu pai estavam presos por tráfico de drogas. A Sra. M. permaneceu presa por muitos anos e mora atualmente, com os dois filhos mais velhos, num barraco construído pelo Sr. J. no mesmo terreno onde ele tem uma casa grande e confortável. O Sr. J. tem uma nova mulher e com ela tem mais três filhos de respectivamente 8, 5 e 4 anos. Ricardo mora sozinho numa edícula construída também no mesmo lote onde fica

a casa do pai. Embora em casas separadas, todos residem,em harmonia, no mesmo lote. O Sr. J. provê, além das despesas da sua família, todos os gastos da família da Sra. M. O jovem sente-se muito próximo do pai que, segundo os técnicos do CDS – responsáveis pela medida, não tem dificuldade para impor-lhe autoridade. Ricardo se refere ao pai com muito carinho e orgulho e diz receber dele tudo o que precisa, pois o mesmo tem condições de satisfazer materialmente todos os seus desejos. Fico sabendo posteriormente que o pai de Ricardo é um conhecido traficante de drogas e de armas – situação que intimida os técnicos do CDS, responsáveis pelas visitas domiciliares. O meio-irmão de Ricardo, que tem 21 anos, também foi acompanhado pelo CDS até atingir a maioridade. Teve passagem pelo CAJE, incriminado pelo homicídio de um padrasto (último companheiro da mãe), também envolvido com drogas e acusado de maltratar com freqüência a Sr. M. e os seus filhos. A meia-irmã de Ricardo foi igualmente acompanhada pelo CDS (medida protetiva) e quando completou 18 anos, ficou quase um ano sem dar notícias para a família e, segundo o que relatou, “fazendo de tudo”.

Trajetória no CDS

Em maio de 2003, Ricardo, então com 15 anos, foi preso por assalto à mão armada. Foi interno por 50 dias e posteriormente cumpriu 11 meses em regime de Semi- Liberdade. Em seguida passou a cumprir medida em Liberdade Assistida. Em novembro de 2004, quando estava prestes a completar a medida, prevista para 6 meses, foi acusado – segundo ele injustamente, de ter atirado em um desafeto. O adolescente relata que quando foi preso precisou confirmar a história aos policiais, sob pena de tortura. Conduzido ao D.C.E., sentiu-se mais protegido e desmentiu a responsabilidade pelo atentado.

Na época, além da escola, na rede oficial de ensino, Ricardo frequentava um curso de informática no CDS. Em junho de 2005 o adolescente foi inserido no BOREJ (Bolsa Jovem em Ação). Em dezembro de 2005, quatro meses após a entrevista, voltou a reincidir na trajetória infracional, desta vez por roubo de carro e homicídio.

Em 13/12/2005 foi internado no CESAMI. Em 07/07/2006 passou a cumprir medida, em regime de Semi-Liberdade, no Cantinho Girassol em Taguatinga. Em

26/01/2007, o adolescente ingressou novamente na medida de Liberdade Assistida (L.A).

Em abril de 2007 os autos da Pasta Especial foram arquivados tendo em vista o alcance da maioridade do adolescente. Nessa época, Ricardo continuava estudando, residindo na casa do pai e da madrasta e, portanto vivendo separado das ex- companheiras e dos dois filhos.

História da gravidez e da parentalidade

Com 14 anos, Ricardo teve uma filha, hoje com 2 anos – fruto do namoro com G., uma jovem de 18 anos que morava perto da sua casa. Quando G. engravidou, mudou-se e só reapareceu quando a filha tinha quase 1 ano. Os pais de G. não gostam de Ricardo e os pais deste não acreditam que a filha seja do adolescente, pois, segundo eles, a moça não tinha uma boa conduta e “saía com todo mundo”. Ricardo não convive muito com a filha e até hoje não a registrou, o que fará depois do exame de DNA. Quando G. precisa de alguma coisa para a menina (remédio, fralda), se comunica com o adolescente que providencia o dinheiro para suprir a necessidade do momento.

Durante a entrevista, Ricardo “fala sigilosamente” de um outro filho que a atual namorada, srta. P., estaria esperando. Relata a dificuldade da moça para comunicar a notícia ao pai e o medo desta em relação à reação dele. Segundo o adolescente, a namorada estaria pensando em fazer um aborto, idéia que foi repudiada por ele, mas não comunicada à família de Ricardo, numa tentativa de preservar a imagem da moça. O adolescente imagina que, se a segunda experiência de paternidade acontecer, será diferente, pois ele está envolvido com a namorada atual – com quem se relaciona há sete meses – e que, segundo ele, é mais dependente e precisa mais dele.

Apesar desses sentimentos, Ricardo não tem planos de constituir uma família com a namorada e com o filho. Seus planos dizem respeito exclusivamente a si próprio: continuar os estudos, talvez arrumar um trabalho e não sair da casa do pai, que, segundo o adolescente, já está coroa e precisa de alguém que cuide dele (na realidade, a situação é inversa).

Situação familiar da mãe-adolescente

P. tem 17 anos, é estudante e mora com os pais. Discussão

No final da entrevista, coloquei-me à disposição para conversar com a companheira de Ricardo e para ajudá-los em relação à experiência que estavam vivendo. Fiquei sabendo, posteriormente, pelos técnicos do CDS, que o segredo de Ricardo, a respeito da gravidez da namorada, era um “segredo de Polichinelo”. Independentemente de ser ou não um “verdadeiro segredo”, fiquei atenta para a mensagem que veio com ele: seria um pedido para que alguém estivesse ao lado dele neste momento ou apenas uma mensagem de conteúdo exibicionista, através da qual o adolescente comunicava exclusivamente a sua competência viril?

Apesar da minha disponibilidade e presença constante no CDS, Ricardo não voltou a me procurar. Em dezembro de 2005, por intermédio da equipe de técnicos do CDS, responsável pelo acompanhamento do adolescente, soube que ele havia reincidido na trajetória infracional.